Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O outro Steve Jobs

Há uma nova biografia de Steve Jobs na praça. Livros sobre Jobs há mil e um, são daqueles que vendem bem nas livrarias de aeroporto. Quem lê os títulos vê que prometem de tudo. É possível aprender a fazer apresentações como Jobs, a tomar decisões como ele, de repente até revolucionar uma indústria ou duas. Prometem, evidentemente não entregam. De bom mesmo só havia a biografia semioficial, escrita pelo veterano jornalista Walter Isaacson. Agora há concorrência. “Becoming Steve Jobs”, que acaba de sair nos EUA, é um livraço.

Uma tradução livre do título poderia ser “O amadurecimento de Steve Jobs”. Seus autores são Rick Tetzeli, editor executivo da revista “Fast Company”, e principalmente Brent Schlender. Schlender foi repórter do “Wall Street Journal” e da “Fortune” por um quarto de século. Conviveu com Jobs desde finais da década de 1980. Seus filhos se conheciam, o repórter frequentou a casa do executivo, fez uma das duas únicas entrevistas conjuntas dele com Bill Gates. Conheceu Jobs no fundo do poço e estava a seu lado no auge do sucesso. Um convívio tão íntimo por duas décadas, no limite da amizade, fez dele um observador privilegiado.

A biografia de Isaacson é densa, profissional: carregada de dados, conta a história de um personagem complexo do tempo de menino até sua morte. A de Schlender é intimista. Não se preocupa tanto em relatar a vida, mas apenas sua carreira profissional. E, neste caminho, conta simultaneamente duas histórias. Uma é de negócios: como pensa o executivo Steve Jobs, como é seu processo de criação, como organiza as empresas que cria, como contrata, até, e principalmente, como aprende. A outra é mais ousada. Trata-se, também, de uma biografia psicológica. É a história de um amadurecimento, de um temperamento intempestivo e perspicaz sendo domado.

Talento e liberdade

O texto é rápido, fluido. É denso. E, ao misturar a psicologia de um homem que lentamente envelhece com sua história profissional, produz uma narrativa convincente. Afinal, ele explica como se faz um Steve Jobs. Infelizmente não é nada possível de se reproduzir.

No final dos anos 80, o computador NeXT que Jobs acabara de lançar estava encalhando nas lojas. Com o estigma do fracasso rondando, comprou uma empresa para apostar na venda de computadores e programas para desenho em 3D. Não sabia que, na verdade, sua compra ia muito além da tecnologia. A Pixar se tornaria o estúdio de cinema mais marcante da virada do século. E a Pixar foi sua escola: uma contínua aula de como gerenciar pessoas criativas. De como entender que bons produtos demoram a surgir, que às vezes exigem que se refaça uma, duas, três vezes o todo.

Quando a Apple comprou a NeXT e Jobs retornou à empresa que havia fundado, já era um homem diferente. Suas explosões não eram tão frequentes, substituídas por uma rispidez objetiva. Aprendera a montar um time de elite para o comando e ouvia atento seus lugares-tenentes. Não tinha um mapa do futuro na cabeça mas conversava muito. Permitia que, numa empresa enxuta, houvesse espaço contínuo de criação. Do explorar constante de novas tecnologias, devagar, produtos únicos iam saindo.

Assim nasceram o iMac, o iPod, o iPhone, o iPad. Ou “Toy Story”, ou os simpáticos “Monstros S.A.”. Tempo para depuração de ideias, análise objetiva, pouca gente de muito talento, liberdade. Tudo nas mãos do melhor maestro que o Vale do Silício viu.

Esta história nunca havia sido contada assim.

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Pedro Doria, do Globo