Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O apagão da Telefônica era esperado

A grande imprensa reagiu prontamente: o caos digital provocado pela pane no sistema da Telefônica na madrugada de quinta-feira (3/7) foi noticiado com destaque nas edições de sexta.


Reação incomum, surpreendente mesmo, desde a privatização das operadoras de telefonia, quando passaram a ter ‘relações especiais’ com os grandes grupos de mídia. Justamente por isso e pelas parcerias entre o UOL e o serviço Speedy da Telefônica, a Folha de S.Paulo destacou-se na cobertura da crise, dos primeiros momentos à total volta à normalidade.


A manchete de oito colunas na primeira página da edição no dia seguinte (sexta, 4/7) comprova o aparecimento de uma nova sensibilidade nos grandes veículos (principalmente jornais) no caso de episódios capazes de comprometer sua credibilidade e isenção.


O Estado de S.Paulo também destacou o apagão no alto da primeira página do mesmo dia, mas a manchete em oito colunas adotada pela Folha soou como um alarme para situações de emergência e assegurou aos leitores a completa separação entre os interesses comerciais da empresa e os compromissos informativos do jornal que edita.


O Globo destoou pela discrição. É discutível a alegação de que a pane afetou principalmente os serviços públicos do estado de São Paulo e por esta razão não interessaria ao seu público, majoritariamente fluminense. Engano: o UOL, maior provedor de internet do país, tem forte presença em outros estados. Pertencente ao mesmo grupo de comunicação do qual faz parte a Net (distribuidora de TV por assinatura e agora também operadora de serviços de banda larga), o jornalão carioca passou a impressão de que apesar da acirrada concorrência com a Telefônica, prefere manter em clave baixa os eventuais acidentes no segmento.


Novo player


A verdade é que se a Telefônica ainda usasse a antiga denominação Telesp e não fizesse parte de um dos grandes conglomerados multinacionais de telecomunicações, já teria sido alertada pela mídia de que o seu atendimento é deficiente. A gigante espanhola está longe de ser a ‘queridinha’ dos usuários, desatenta às obrigações de uma concessionária de serviços públicos. Poupada e mimada pela mídia (é uma das grandes anunciantes do país), diante de uma emergência impossível de disfarçar a Telefônica apelou inicialmente para ‘falha humana’ – e com isso só desvendou o seu despreparo para gerenciar crises.


É preciso registrar que foi benéfica a privatização das telecomunicações concebida pelo falecido ministro Sérgio Motta no primeiro mandato FHC. A revolução social promovida pelo celular seria impossível sem a desestatização da telefonia. Como todos os avanços, produziu efeitos colaterais perversos. Um deles foi a tentação da convergência – aproximar empresas jornalísticas de grande porte do negócio da telefonia. A maioria desistiu diante do vulto do investimento e dos altos riscos políticos, mas a sedutora miragem tecnológica permanece, ainda não foi arquivada. Manteve-se a idéia de que a imprensa, isto é a mídia impressa de qualidade, está condenada a extinção e, portanto, é preciso pular fora da canoa de Gutenberg antes que naufrague.


Como no apagão aéreo que em setembro completará dois anos, a pane da última semana na Telefônica revelou também que o duopólio é tão lesivo quanto um monopólio. Neste sentido e apenas nele (a ressalva é imperiosa), pode-se dar as boas vindas à anunciada fusão Oi (Telemar)-Brasil Telecom, capaz de colocar no tabuleiro um novo player e formar uma triangulação concorrencial, teoricamente mais equilibrada e mais vantajosa para os usuários.