Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O direito autoral e as novas tecnologias

A Constituição de 1988 garante o direito à propriedade e assegura aos autores o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras . Quase vinte anos após a promulgação da Carta Magna, a legislação sobre direitos autorais no Brasil pouco avançou. Os recursos tecnológicos popularizados nos últimos anos – como sites de trocas de música e gravadores de CDs e DVDs – colocaram artistas, produtores e consumidores em choque. Como respeitar a garantia à propriedade intelectual e, ao mesmo tempo, difundir os bens culturais? O Observatório da Imprensa na TV de terça-feira (13/11) discutiu essa esta questão e deu voz aos segmentos envolvidos no conflito.


Participaram do programa o coordenador-geral de Direito Autoral do ministério de Cultura, Marcos Alves de Souza, em Brasília; Gisela Castro, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing em São Paulo, especialista em consumo de música na internet, no estúdio da TV Cultura em São Paulo; e Carlos Affonso Pereira , coordenador-adjunto do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), nos estúdios da TVE, no Rio. O CTS administra no Brasil o Creative Commons, um projeto que visa expandir a quantidade de obras criativas disponíveis ao público (mais informações sobre os participantes no pé deste texto).


No editorial que abre o programa, o jornalista Alberto Dines ponderou que apesar de teoricamente ninguém ser contra o progresso, as mudanças que ele causa nem sempre são aceitas com unanimidade. ‘Os anarquistas do século 19 queriam abolir o Estado e a propriedade. Neste início do século 21, o alvo é a propriedade intelectual fechada, inacessível. Este é um debate inadiável porque a mesma tecnologia que popularizou a pirataria de CDs e DVDs está ampliando de forma extraordinária o acesso de novos públicos, principalmente na esfera da música popular, cinema e jogos’, disse. O jornalista afirmou que é impossível retroceder dos avanços, mas que os direitos do autor não podem ‘simplesmente evaporar’ [ver abaixo a íntegra do editorial].


A reportagem que precede o debate ao vivo relembrou uma entrevista que o cineasta José Padilha, diretor do filme Tropa de Elite, concedeu ao programa Sem Censura, da TVE. Padilha afirmou que as cópias piratas vendidas antes do lançamento do longa-metragem nos cinemas popularizaram a produção, mas que foi angustiante lutar contra os camelôs que vendiam as reproduções ilegais. Para o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Disco (ABPD), Paulo Rosa, é muito difícil lutar contra a pirataria porque os custos de produção dos piratas são muito baixos. Estes não pagam direito autoral, impostos, custos de gravação ou direitos artísticos.


A superintendente executiva do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), Glória Braga, comentou o impacto do avanço da pirataria. Como o valor que os compositores recebem pela venda de CDs e DVDs está diminuindo com da pirataria, a alternativa para a remuneração dos artistas passou a ser, principalmente, a arrecadação com a execução pública das obras. Gustavo Leonardos, presidente da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), criticou a falta de punição, já que nunca houve detenção por violação de direito autoral no Brasil.


O peso dos impostos


O cantor e compositor Lobão criticou o valor dos impostos que incidem sobre os CDs, em torno de 40% do preço da obra: ‘A gente está chegando a uma hora em que o imposto é um encosto’. Fernando Brant, diretor União Brasileira de Compositores (UBC), afirmou que a mesma tecnologia que dá acesso às obras deve proteger o direito autoral. O ministro da Cultura, Gilberto Gil, destacou que é preciso haver um equilíbrio entre a remuneração do direito do autor e o acesso público. O secretário executivo do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, ligado ao Ministério da Justiça, informou que o conselho irá elaborar um Plano Nacional contra a pirataria.


No debate ao vivo, Alberto Dines perguntou ao representante do Ministério da Cultura como o governo pretende atuar na questão. Marcos Alves de Souza disse que em 2008 haverá um grande fórum de debates sobre a necessidade ou não de revisão na legislação autoral. Para ele, a lei está ultrapassada e é preciso que a sociedade participe das discussões. Gisela Castro observou que a geração que era adolescente quando nasceu o primeiro sistema de compartilhamento de músicas – o Napster, em 1999 –, hoje já é adulta e utiliza novas práticas de consumo.


Creative Commons como alternativa


Carlos Affonso explicou que o Creative Commons é uma opção que o autor tem para, utilizando a tecnologia, dizer diretamente ao público que usos ele permite da sua obra. ‘Ele não elimina o direito autoral’, afirmou. O autor determinaria para que fins a obra poderia ser usada, como a autoria seria citada e se obras derivadas poderiam ser produzidas. Seria um ‘contrato’ entre o artista/autor e o consumidor.


Na opinião de Marcos de Souza, a pirataria é um mal a ser combatido não só com repressão, mas também com política de educação da população e com medidas econômicas que diminuam a diferença de preço entre os produtos legais e piratas. Tentar acabar com o download de obras protegidas somente através de medidas de repressão seria como ‘enxugar gelo’. O representante do Ministério da Cultura acredita que é necessário buscar novas formas de remuneração no ambiente digital que permitam que a população tenha acesso à cultura.


Um exemplo seria a taxação na assinatura de provedores que utilizam conexão banda larga, muito usada por consumidores que baixam música da rede. Gisela Castro comentou que um dos modelos de remuneração que está sendo estudado é dos direitos do autor serem pagos pelo site que disponibiliza a obra, e não pelos provedores de acesso. Para ela, é de extrema importância discutir a quem pertence o direito da obra.


Carlos Affonso citou duas formas de apropriação da tecnologia em áreas carentes. A primeira ocorre em Belém, onde camelôs vendem CDs de grupos ‘tecnobregas’ que não são editados por grandes gravadoras. As cópias não são legais, mas auxiliam na divulgação das obras. A renda destes artistas seria obtida principalmente através dos shows. Já as lan houses, que funcionam como cyber cafés ofereceriam, além de jogos e entretenimento, cursos de formação profissional.


A professora da ESPM analisou o caso da banda Radiohead. O grupo colocou seu último trabalho disponível no site, onde internautas podem decidir se querem ou não pagar pelas canções – e o quanto. Gisela Castro informou que a maioria dos fãs optou por pagar pelo produto e traçou um paralelo com os jovens brasileiros. Segundo uma pesquisa realizada com universitários, a maioria revelou preocupação em não ser taxado de criminoso por baixar música na internet e demonstrou preocupação com a remuneração do artista.


Toda cópia é pirata?


Há hoje uma generalização no conceito de pirataria, na opinião de Carlos Affonso. Para ele, é necessária uma gradação da lesibilidade da conduta de quem faz cópias não-autorizadas. Uma cópia de parte de um livro didático seria diferente de um CD ou DVD pirata vendido a baixo custo. Marcos de Souza acrescentou que muitas vezes um livro já esgotado é leitura obrigatória em universidades, e que a única saída é copiar o livro todo. ‘Se você faz uma cópia para seu uso privado, mesmo que seja do livro todo, isso não é considerado um crime. É um ilícito civil. Você pode ser sancionado civilmente, pode ser processado pela editora, mas não pode ser preso por isto’, explicou.


Alberto Dines levantou a questão das cópias protegidas de música erudita. Carlos Affonso disse que os estilos musicais não diferem em termos técnicos. Os direitos conexos e de execução são os mesmos para todos os autores falecidos que estejam em domínio público. A pirataria ocorreria com maior freqüência em segmentos mais populares, mas as novas tecnologias beneficiariam os nichos de mercado. Através da internet, grupos podem compartilhar dicas, criar listas de discussões e comunidades.


Os participantes


Marcos Alves de Souza, coordenador-geral de Direito Autoral e secretário substituto
de Políticas Culturais do Ministério de Cultura, é mestre em Antropologia pela UnB e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.


Gisela Castro, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing em São Paulo, é especialista em consumo de música na internet, doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.


Carlos Affonso Pereira é coordenador adjunto do Centro de Tecnologia e Sociedade
da Escola de Direito FGV Direito no Rio, responsável pela gestão, , no Brasil, do Creative Commons, um projeto que tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponíveis ao público, permitindo criar outras obras sobre elas por meio de licenças jurídicas.


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Propriedade intelectual, debate inadiável


Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 442, no ar em 13/11/2007


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Alguma coisa contra os avanços tecnológicos? Teoricamente ninguém deveria ser contra o progresso, mas o progresso produz mudanças e as mudanças nem sempre são aceitas com unanimidade. Assim como o livro impresso liberou o conhecimento, a internet liberou principalmente o entretenimento. Os anarquistas do século 19 queriam abolir o Estado e a propriedade, neste início do século 21 o alvo é a propriedade intelectual fechada, inacessível.


Este é um debate inadiável porque a mesma tecnologia que popularizou a pirataria de CDs e DVDs está ampliando de forma extraordinária o acesso de novos públicos, principalmente na esfera da música popular, cinema e jogos. A esta altura, com a velocidade da rede mundial de computadores, é impossível retroceder, blindar o You Tube ou impedir a intermediação propiciada pelo Kazaa. Mas os direitos do autor e os direitos de imagem não podem simplesmente evaporar. Criadores e intérpretes não podem ser condenados à marginalidade. Sem eles não há avanços nem progresso.


No caso da imprensa e do jornalismo as coisas são menos complicadas: notícia não tem dono, a reprodução de uma manchete é livre, caso contrário estaríamos prejudicando o livre fluxo das informações, essência da democracia. Mas se a globalização é para valer, a noção de propriedade intelectual precisa ser amplamente discutida.