Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Papel da internet foi subestimado pela mídia

Especialistas em internet que estiveram à frente das campanhas presidenciais mais votadas acreditam que a internet foi essencial para o desenrolar das eleições. Sem ela não teria acontecido segundo turno, acredita Caio Túlio Costa, jornalista, consultor de novas mídias e coordenador de campanha de Marina Silva (PV). A internet possibilitou a criação de novo polo formador de opinião, diz Marcelo Branco, ativista pela liberdade do conhecimento – como se define – e coordenador da campanha de Dilma Rousseff (PT) nas mídias sociais. ‘Pela primeira vez, temos um terceiro bloco formador de opinião. Os blocos tradicionais sempre foram os partidos e candidatos, e do outro lado a imprensa. Eles formavam a impressão do leitor’, contou no 4º Seminário Internacional de Jornalismo Online (MediaOn), que aconteceu dias 9, 10 e 11 de novembro na capital paulista. Também participou da mesa a coordenadora da campanha online de José Serra (PSDB), ex-vereadora da cidade Soninha Francine.

Caio Túlio acredita que foi a internet que fez Marina Silva atingir 20 milhões de votos – algo que apontou como inédito no país em se tratando de um 3º colocado no pleito. Inicialmente com um desconhecimento de 60% por parte dos eleitores e com apenas 1 min e 23 s na TV contra 12 min de Dilma e 9 min de Serra, montaram estratégia eficiente na internet, com uso intenso de redes sociais dividida em 12 frentes como blog, Twitter, sistema de arrecadação online entre outros. Esse trabalho levou a candidatura a arrecadar 170 mil reais, doados por 2 mil pessoas, em 58 dos 242 dias que duraram sua campanha na internet. Caio segmentou os eleitores por rede social: ‘No Orkut a gente falava com os evangélicos, no Facebook falávamos com classe média intelectualizada e no Twitter falamos com vanguarda da internet.’

Militantes online inesperados

Marcelo, coordenador de mídias sociais da campanha petista, acredita que a internet dá possibilidade aos eleitores se expressarem pelas redes sociais, ‘ possibilidade que milhões de pessoas tenham sua expressão e postem isso na internet’, e passaram a influenciar os candidatos. Soninha mencionou que a propaganda eleitoral tem apenas dez minutos, que um panfleto de debates televisivos não conseguem aprofundar temas tanto quanto a internet, onde se pode oferecer mais conteúdo. Para Marcelo, tratou-se de democratização da campanha, ainda que a base social de apoio ao governo do PT sejam os desconectados.

Ao contrário do candidato José Serra, que Marcelo acredita ter tido o apoio da mídia de massas em vozes como as de Reinaldo Azevedo e Ricardo Noblat, na campanha de Dilma as redes sociais pautaram a mass media, e não a mídia pautou as redes, como acontecia com o adversário.

Citou como os melhores momentos da campanha online o caso da publicidade da Globo que fazia apologia ao slogan do candidato tucano ‘O Brasil pode mais’, e quando Lula foi entrevistado no Jornal Nacional. Esses fatos, que a princípio pareciam negativos para a campanha, ajudaram quando a emissora se desculpou por insinuar preferência. A capa da Época, que ‘pretendia ser negativa acabou sendo positiva’, virou material de campanha em camisetas e canecas. Marcelo também lembrou a repercussão no Twitter do ‘Dilma facts by folha’ e o ‘bola de papel facts’, que ficou pouco mais de um dia no Twitter mundial.

Uma das principais características da campanha que o PT fez online contou com engajamento de militantes ou simpatizantes em blogs e redes sociais diversas. Para Soninha, que controlava o conteúdo do site da campanha tucana ao Planalto, a internet permite o engajamento voluntário, um aspecto da campanha que faz diferença, pois ‘é cada vez é mais difícil as pessoas fazerem campanha de graça’. Na campanha de Serra, doação por internet não foi substancial. A coordenadora esperava pouco da internet, mas se empolgou ao longo da campanha com o feedback de militantes online inesperados, como donas de casa e idosos.

Os perfis mais diversificados

‘Visitamos os estados, consultamos sete mil pessoas, conhecemos pessoas que seriam motores da campanha da Dilma na internet’, explica Marcelo, contratado em abril. Foi essa experiência que o permitiu conhecer a base social que daria sustentação para a campanha, que define como descentralizada e feita principalmente por voluntários, acrescenta.

Marcelo acredita que campanha na internet é diferente, e a construção do coletivo tem que se dar de forma colaborativa. ‘O que funciona na rede é imprevisível ainda. Temos que aproveitar qualidade da construção colaborativa. Não centramos a campanha no dilma.com.br e blog.’ Foram milhares de ativistas e blogueiros que se somaram à campanha oficial – ‘a melhor cobertura não foi feita por nós, foi feita pelos outros’. Considera a melhor atuação a feita na blogosfera, e a pior no Facebook.

A campanha de Serra, assim como a de Dilma, separava internet de outras mídias. ‘A nossa configuração de internet era diferente. A gente não tinha coordenador de mídias sociais, eu era responsável pelo site oficial’, afirmou a ex-vereadora, que se integrou à campanha em julho. A data avançada impediu a equipe de ter um formato definido para tocar a rede desde o começo, afirmou.

‘O que imaginamos de internauta típico se mostrou uma minoria na campanha’, disse Soninha. Ela se surpreendeu por mensagens com sugestões, críticas à campanha, e elogios de pessoas inesperadas, como ‘agricultores do interior do Espírito Santo’, idosos, donas de casa. Para ela, o site e a rede acabaram por ser não só oferta de conteúdo, mas ponto de encontro para militantes dos perfis mais diversificados, cujo encontro físico jamais se daria.

Combate à lei de cibercrimes

O fórum mais democrático da internet, onde a construção de conteúdo é colaborativa e as pessoas podem se expressar com certa amplitude, está ameaçado pela tramitação do Projeto de Lei (PL) 84/99, do senador Eduardo Azeredo (PSDB), lembraram Marcelo e Caio durante o debate do MediaOn. O PL se caracteriza por criminalizar ações da internet como download e compartilhamento de mp3, entre outros.

‘A internet é sempre criminalizada’, afirmou Marcelo quanto à pergunta sobre baixaria nas eleições. ‘Não foi na internet, foi nas campanhas políticas.’ O coordenador da campanha digital petista afirmou que a baixaria se deu com acusações falsas, fraudes e declarações suspeitas, que apenas foram reproduzidas na internet e ganharam uma repercussão diferente.

Marcelo e Caio foram a favor de um pacto, no próprio ato do debate, de combate à lei de cibercrimes. ‘Não passarão’, disse um e repetiu o outro. Soninha não se manifestou.

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Da Redação do Observatório do Direito à Comunicação