Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Para entender a polêmica do MinC

Na última semana estourou uma ampla polêmica na Internet envolvendo a retirada do logotipo do Creative Commons do site do Ministério da Cultura.


O CC é uma fundação norte-americana que advoga a liberação do copyright (o direito de reprodução da criação artística).


A disputa que explodiu envolveu, de um lado, as tribos da internet, desenvolvedores, blogueiros, defensores do chamado trabalho em rede e dos softwares livres. De outro, os artistas, criadores, defendendo o direito de serem remunerados por suas criações, através do direito autoral.


É uma disputa complexa porque envolve a própria indústria cultural (grandes estúdios, gravadoras), acervos de artistas já falecidos. E também transcende a mera discussão conceitual, já que a expansão da internet, na prática, derrubou muitas barreiras à difusão de produtos culturais.


Cessão de direitos


Houve uma ampla discussão no meu blog (http://bit.ly/hUNIjY).


De fato, há uma grande diferença conceitual entre os militantes das redes de internet, adeptos incondicionais do trabalho colaborativo, e o artista, com sua individualidade criadora. Há também a crise da indústria fonográfica com o advento de novas mídias, aguçando ainda mais o problema. Em suma, há a necessidade de se encontrar alternativas que permitam ao autor sobreviver da sua obra.


Mesmo assim, a discussão acabou bastante enviesada.


O Creative Commons desenvolveu novas modalidades de licenciamento da obra, a critério do autor. No fundo, visa conferir ao autor instrumentos para se opor ao sistema tradicional de licenciamento, que acaba privilegiando muito mais a editora ou gravadora.


Hoje em dia, pouquíssimos autores conseguem algum recurso proveniente de direitos autorais, seja de livros ou gravações. Os direitos acabam sendo açambarcados pelas editoras e, com o tempo, após a morte dos artistas submetidos a verdadeiros leilões.


O grande embate sobre o tema se deu nos Estados Unidos, quando estava para cair o copyright de obras de Walt Disney. No século 19, o copyright durava 15 anos após a morte do autor. No século 20, houve alterações rápidas na legislação estendendo o prazo de validade para até 70 anos após a morte do autor.


Como lembrou um dos debatedores, ‘escritores do século 20, como por exemplo, Monteiro Lobato, só entrarão em domínio público em 2018; a obra de Carlos Drummond de Andrade só entrará para o domínio público em 2057; e a obra de José Saramago, apenas em 2080’.


O Creative Commons faculta ao autor definir, em vida, como será o copyright das suas obras. Nesse sentido, não é impositivo.


Como explicou o comentarista Jaime Balbino, ‘o Creative Commons facilita de maneira legal, de acordo com a legislação brasileira, a cessão de direitos para determinados usos de uma obra intelectual. Isso significa que ao invés de você, a título de divulgação, deixar que alguns copiem e divulguem produções culturais sem autorização prévia do autor ou do detentor do direito (quase nunca é a mesma coisa no mercado cultural), você explicite legalmente o que pode e o que não pode ser feito com a obra’.


Os herdeiros


Herdeiros de grandes obras, como a neta de Lygia Clark, mostraram o custo de manutenção do acervo e diversos projetos, aprovados pela Lei Rouanet, que ganham em cima do material, sem incluírem o pagamento de direitos autorais sobre as imagens utilizadas. Projetos da Rouanet preveem uma infinidade de gastos, menos com direitos autorais. Por trás da queixa, a dificuldade das famílias de manterem os acervos familiares.


Flexibilização da lei


Hoje em dia, a Lei dos Direitos Autorais veta até audição de obras para mais de cinco pessoas, lembrou Balbino, e torna-se difícil liberar o pagamento, mesmo com a anuência do autor. Com o Creative Commons, há a possibilidade de uma licença mais permissiva para utilizações mais fechadas para uso comercial e não comercial; para produção, alteração e produção de obras derivadas. E até para a preservação explícita do conteúdo.


As críticas ao MinC


Ao manter o logotipo do Creative Commons no site do ministério, o MinC automaticamente liberava todo conteúdo para outras utilizações. O temor é que, sem ele, o uso das informações possa ser objeto de futuras ações de direito autoral. Teme-se que o MinC necessite criar um departamento jurídico específico para elaborar contratos individuais de cessão de direitos, com um licenciamento específico para cada tipo de material .


Desencontros


No fundo, a discussão revelou um enorme desencontro de informações. Tanto no MinC quanto nos defensores do Creative Commons há a preocupação de preservar o direito do autor, seja escritor, compositor, instrumentista, cantor. Mas há uma realidade mais forte que se impõe, que é a maneira como a indústria cultural irá se desenvolver no novo ambiente virtual. Esse é o grande desafio deste e dos próximos governos.


Vantagens do Brasil – 1


O Brasil tem inúmeras vantagens para aproveitar nessa fase de consolidação da internet. É um país essencialmente musical, colorido, com boa indústria de audiovisual e dono de uma imagem exuberante. Hoje, no mundo, Brasil é sinônimo de amizade, de simpatia, sensualidade, festejos, natureza – valores hegemônicos nas redes sociais, especialmente de jovens. E esses valores se transmitem por sons e imagens.


Vantagens do Brasil – 2


A internet já permitiu a troca de informações entre grupos de todo o país, cada qual contando suas experiências para se lançar no exterior, as formas (ainda embrionárias) de conseguir receitas. Em pelo menos um caso, o Teatro Mágico, a internet foi o grande fator de difusão. A receita advém de shows por todo o país. É essa luta que juntará no mesmo campo os interneteiros e os criadores.


 


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Jornalista