Wednesday, 08 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Plínio Bortolotti

“Das oito últimas capas do jornal, contando-se da sexta-feira da semana anterior até a desta semana, cinco manchetes vincularam-se a temas ligados ao crime de seqüestro: ‘Presídio tem ´escola` de seqüestro’ (8/9), ‘Promotor quer explicação sobre ´escola` de seqüestro’ (9/9), ‘Onda de seqüestro aumenta procura por segurança pessoal’ (11/9), ‘Empresária escapa de seqüestro’ (12/9) e ‘Universitário é seqüestrado’ (13/9). O assunto foi noticiado de forma extensiva e intensiva, o que deveria sugerir mais rigor; no entanto várias notícias apresentaram problemas de apuração, com informações contraditórias, incompletas ou mesmo erradas.

A começar pela ‘escola de seqüestro’, que a Polícia Civil estaria investigando no Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS), segundo a edição de 8/9. A matéria, que toma toda a pág. 4 – com as referências à suposta escola, ocupando apenas 14 centímetros do texto –, começa assim: ‘Aulas com base em experiências pessoais, horários seguidos com pontualidade, presos interessados na instrução, celas que se adaptam como salas. O que poderia ser apenas um curso de alfabetização, na verdade estaria servindo de fachada para perigosos cursos de métodos em seqüestros e técnicas de pressão psicológica em familiares de vítimas, ministrados dentro do Instituto Penal Paulo Sarasate…’ Ainda segundo o texto, um delegado da Polícia Civil, ‘que pede para não ser identificado’, informa que, na conclusão do suposto curso, os presos têm ‘diploma e cerimônia de colação de grau’.

Obviamente, ninguém é ingênuo de supor que presos não troquem informações na cadeia. Mas, para se escrever que há uma escola formal, com celas adaptando-se como salas de aula; presos aproveitando-se de um curso de alfabetização para transformá-lo em disciplina do crime; formatura com diploma e cerimônia de colação de grau, vai uma boa distância. Fiz os questionamentos ao repórter Nicolau Araújo, autor da matéria. A primeira explicação dele foi genérica, sem abordar os pontos mais polêmicos do texto.

Insisti, pedindo objetividade; o repórter respondeu o seguinte: ‘Não há salas de aula, não há horários determinados, tampouco a conivência de algum professor alfabetizador. Se parte ou a maioria dos leitores assim entendeu, sinto muito. A idéia foi mostrar que os detentos se organizam no repasse de experiências em seqüestros, como em um sistema regular. São celas que se adaptam como salas. Adaptam-se, não são transformadas em salas de aulas. Não há no texto a expressão sala de aula’. De fato, não há essa expressão, mas, por favor, releiam o trecho da notícia: como se deveria entender a palavra ‘salas’, no contexto? O repórter ‘sente muito’ pelo fato de os leitores terem compreendido algo diferente do que supostamente quis transmitir, mas o que ele esperava, depois de redigir o texto da forma como fez? Quanto à existência do ‘diploma’, Nicolau Araújo responde: ‘Em relação à entrega de diploma e cerimônia de colação de grau, conforme a fonte afirmou, isso deve ocorrer, sim, mas não na forma de ´canudo´‘ – e segue uma longa explanação de como os presos ‘celebram’ fugas de colegas e outros malfeitos utilizando-se do ‘consumo de drogas’ e de ‘bebidas alcoólicas’. Sim, mas o que isso tem a ver com o suposto diploma e com a ‘cerimônia de colação de grau’? Diploma, qualquer dicionário pode tirar a dúvida, é um documento escrito, que se recebe pela conclusão de um curso, não há possibilidade de outro sinônimo.

Mesmo existindo a investigação policial sobre a suposta ‘escola de seqüestro’, é preciso reconhecer que, com a precariedade da apuração e a forma como foi redigida, a notícia não se sustenta.

Crescimento

Na seqüência (edição de 11/9), o jornal garante, em sua primeira página, ter havido, em um ano, ‘crescimento médio de 300%’ na demanda por serviços e cursos de segurança pessoal em Fortaleza. Na notícia, publicada na página 5, a reportagem explica como chegou à conclusão: ‘Consultando três empresas de segurança que oferecem esse tipo de serviço: a Servis, a Ceará Segurança e a Corpvs.’ E continua: ‘Alegando questão de segurança, as empresas não revelam o número de clientes que procuram o serviço, tampouco o faturamento.’ Se as empresas recusam-se (seja lá por qual motivo for) a informar seus números para que se possa cotejá-los, por qual motivo o jornal empenha a sua credibilidade atestando crescimento de 300% na procura por serviços de segurança? Sem fazer nenhum tipo de inferência, é forçoso lembrar que as empresas têm interesse direto no assunto: quanto maior a sensação de insegurança, mais aumenta a procura por serviços privados.

Questionado, o repórter Ricardo Moura, autor do texto, respondeu: ‘Embora não haja um número preciso, a matéria tinha como objetivo retratar a expansão da procura de serviços de segurança pessoal.’ Ele diz ainda ser ‘evidente’ a existência de um número cada vez maior de pessoas preocupadas com o assunto. De fato, mas havia dezenas de modos de retratar o assunto, sem apelar para números impossíveis de serem comprovados.

Tentativa

Na edição do 12/9, a notícia sobre a tentativa de seqüestro de uma empresária, apresentava informações que contraditavam com as divulgadas por outros meios de comunicação. Vários leitores entraram em contato com o ombudsman para falar sobre o assunto. As principais divergências eram sobre o ramo de atividade da empresária – com O Povo afirmando que ela era proprietária de uma revenda de carros importados –, e a forma como se dera a abordagem dos criminosos. Na verdade, a mulher atua no ramo de perfumaria e cosméticos, como o jornal corrigiu. Sobre as demais disparidades, o repórter Nicolau Araújo atribuiu às diferentes fontes policias que atenderam os jornais. Isso pode realmente acontecer, por isso, em alguns casos, é importante o repórter explicar ao leitor o contexto no qual a informação foi obtida. Da forma como o texto foi escrito, o jornal assumiu todas as informações como se as tivesse comprovado.

Método

Ao cobrir criticamente o setor da segurança pública, contribuindo com o debate a respeito do problema, o jornal age corretamente; mas é equivocado apelar para expedientes em desacordo com o método jornalístico para mostrar a situação mais dramática do que ela já se apresenta.

Evento

Um leitor, dizendo-se ‘indignado’, reclama que, na edição de 19/8 (sábado) não havia encontrado no jornal nenhuma indicação de onde seria a VII Bienal Internacional do Livro do Ceará, que começara no dia anterior. ‘Nem mesmo no Vida & Arte’, editoria encarregada da cobertura do evento, ressaltou. O leitor disse que ‘ficou sabendo’ que a informação saíra na edição do dia anterior: ‘Mas, e quem não leu o jornal na sexta-feira?’, pergunta, com uma lógica difícil de contestar. A Bienal transcorre no Centro de Convenções e termina hoje.

Telefone

Na edição de domingo, 30/7, o caderno Ciência & Saúde publicou matéria sobre psoríase, apontando o telefone da associação à qual poderiam recorrer os que sofrem da doença. Na segunda-feira, sou informado pela Associação Cearense dos Portadores de Psoríase que o jornal indicara o número de telefone errado; de forma errada também foram anotados os nomes de dois associados ouvidos pela reportagem.

Qualificação

A coluna Sonia Pinheiro (edição de 23/8), publicou a seguinte nota: ‘(E só se fala) que o presidente Lula da Silva quer eleger Ciro Gomes o sucessor de Aldo Rebelo na presidência da CF. Tal notícia, a propósito, foi publicada, domingo, na Folha (jornal Folha de S. Paulo), em matéria do sempre bem informado Kennedy Alencar, um cearense do Crato que é, hoje, um dos mais influentes jornalistas do DF’. O sempre atento leitor Nilton Mariano, já citado acima, desconfiou da naturalidade do jornalista; escreveu para ele, recebendo a simpática resposta: ‘Caro José, eu teria muito orgulho em ter nascido no Crato, mas sou de Belo Horizonte.’

É muito difícil fazer jornalismo sem nenhum tipo de erro, mas tenho observado que os problemas comentados vêm se tornando muito freqüentes no O Povo, demonstrando a necessidade de se apertar os controles.”