Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Por trás dos números

Em sua coluna de domingo [25/12/05], a ombudsman do Washington Post questionou alguns dados de uma matéria escrita por Ann Scott Tyson, repórter que acabou de chegar do Iraque. No artigo, publicado na primeira página no dia 4/11, Ann noticiou que ‘informações recém-divulgadas pelo Pentágono mostram que o Exército está recrutando mais jovens de áreas rurais pobres, nas quais a necessidade de trabalho é maior do que os riscos de se ir para a guerra’.

Segundo a matéria, baseada em informações do Pentágono, mais de 44% dos recrutas militares vêm de áreas rurais, a maioria do sul e do oeste dos EUA. Análises feitas pelo think tank liberal National Priorities Project (NPP), crítico à guerra no Iraque, também foram incluídas no artigo – mas o NPP também usou informações do Pentágono. Uma outra análise com ponto de vista diferente, divulgada pela organização conservadora Heritage Foundation alguns dias atrás, foi usada por outros meios de comunicação.

Ao ler a matéria, Deborah Howell decidiu conversar com Curt Gilroy, da Secretaria de Defesa; Tim Kane, pesquisador da Heritage Foundation; Betty Maxfield, demógrafa do Exército; Bruce Orvis, diretor do Programa de Treinamento e de Força de Trabalho da Rand Corporation, ONG que faz pesquisas sobre segurança nacional; e Robert Brandewei, diretor do Centro de Informações de Força de Trabalho da Defesa. Todos afirmaram que a análise do NPP não tinha contexto, porque eles não divulgaram as tendências nos últimos anos e não observaram ‘informações nacionalmente representativas’ ou de toda a população de recrutas.

Tim Kane concordou que uma grande proporção de recrutas vinha de áreas rurais do sul, que historicamente é um fato verdadeiro. ‘Mas a palavra-chave é proporção. As informações do artigo do Post estavam certas, mas as conclusões não. A porcentagem de recrutas vindos de áreas mais pobres tem declinado a cada ano desde 2002, e a porcentagem de recrutas vindos de áreas mais ricas está aumentando’, afirma ele.

A declaração do Pentágono informou que o artigo do Post usou ‘evidências anedóticas e informações incompletas do NPP. O Departamento de Defesa não sabe se as informações estão certas ou erradas, mas elas não são representativas ou mesmo apropriadas como parte da análise’.

Já o editor nacional do Post, Michael Abramowitz, não considera as informações fora de contexto. ‘Ann escreveria uma matéria sobre o perfil do jovem que está entrando para o exército. Obviamente, os serviços militares têm uma grande variedade demográfica, de renda e étnica. Os próprios números do Pentágono indicam que há uma desproporção entre comunidades rurais e do sul, e de famílias com renda mais baixa do que a população, de maneira geral. Os números também mostram uma relação próxima entre índices de desemprego e recrutamento. Este é o fenômeno que Ann descreveu de forma correta em sua matéria’, afirmou.

Anita Dancs, diretora de pesquisa do NPP, afirmou que a pesquisa foi uma das primeiras que a organização havia feito sobre recrutamento militar e que incluía dados do Exército, mas não da Marinha. Ela informou ainda que gostaria de colocar as informações mais recentes no sítio da organização, para que as pessoas possam ter o número de recrutas por área e decidir por elas mesmas se a proporção está certa.

Para Deborah, em todas as pesquisas, o importante é procurar um contexto mais amplo. ‘Pergunte quantos especialistas você puder sobre o significado daqueles números. Números podem estar certos, mas não podem contar toda a história, e este foi o caso deste artigo’, conclui a ombudsman.