Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Provedores Wi-Fi afinal vão conhecer o SCD

A nossa imoral agência reguladora incluiu na marra um parágrafo no Artigo 39 da Resolução 365, que obriga os provedores Wi-Fi (wireless fidelity, ou conexão sem-fio) a licenciarem todas as estações com potência de transmissão acima de 400 mW (eirp), nas localidades com mais de 500 mil habitantes.

Os aparelhos utilizados pelos provedores Wi-Fi para fornecimento de conexões internet na faixa de freqüência entre 2.400 MHz e 2.483 MHz fazem parte da família de equipamentos considerados de ‘radiação restrita’, como os controles remotos de TV, os telefones sem fio e os portões de garagem que, por serem destinados ao consumidor final e seguirem regras rígidas quanto a utilização do espectro de radiofreqüências, não necessitam de licenciamento em órgãos reguladores.

As especificações técnicas dos equipamentos de radiação restrita, assim como as freqüências públicas em que eles operarão, são estabelecidas pela ITU (International Telecommunication Union) e adotadas por quase todas as ‘anatéis’ do mundo, que criam regulamentos específicos apenas para a utilização dos aparelhos em função de características locais. Aqui no Brasil, a Resolução 209 da Anatel, de 14 de janeiro de 2.000, foi a primeira a consolidar todas as recomendações internacionais para equipamentos de radiações restritas, revogando as antigas normas do Ministério das Comunicações emitidas desde 1983 que regulavam o assunto. A partir desta primeira resolução, a agência procurou manter a nossa legislação sempre atualizada em função das novas recomendações aprovadas nas reuniões periódicas promovidas pela ITU (das quais, além das ‘anatéis’, participam os grandes fabricantes de equipamentos). Surgiram daí as resoluções 282 (29/11/2001), 305 (26/7/2002) e 365 (10/5/2004). No caso desta última, as alterações realizadas deveriam ser resultantes da WRC-3 (World Radiocommunication Conference – 2003), realizada em junho de 2003 na Suíça.

Por força do Artigo 42 da Lei Geral das Comunicações, a minuta com as alterações que seriam efetuadas no Regulamento Sobre Equipamentos de Radiocomunicação de Radiação Restrita (anexo da Resolução 305) foi submetida a críticas e sugestões dos usuários na Consulta Pública 488, publicada no dia 19/12/2003, cujo teor era cópia fiel das novas recomendações da ITU. No entanto, quando a Resolução 365 foi publicada veio a surpresa: a banda podre da Anatel, que apóia a invenção do Serviço de Comunicações Digitais (SCD), havia incluído por conta própria os seguintes parágrafos no artigo 39:

Art. 39. Equipamentos Utilizando Tecnologia de Espalhamento Espectral ou outras Tecnologias de Modulação Digital operando nas faixas de radiofreqüências 902-907,5 MHz, 915-928 MHz, 2400-2483,5 MHz e 5725-5850 MHz devem atender às condições estabelecidas nesta Seção.

§1º Inalterado

§2º As condições estabelecidas nesta Seção, para a faixa de radiofreqüências de 2400-2483,5 MHz, não valem para os equipamentos cujas estações correspondentes utilizem potência e.i.r.p. superior a 400 mW, em localidades com população superior a 500.000 habitantes. Neste caso, as estações deverão ser licenciadas junto à Agência, nos termos da regulamentação específica pertinente a esta faixa.

§3º Na faixa de radiofreqüências de 2400-2483,5 MHz, será admitido apenas o uso de Tecnologia de Espalhamento Espectral ou Tecnologia de Multiplexação Ortogonal por Divisão de Freqüência – OFDM.

Como desgraça pouca é bobagem, em vez de simplesmente suprimirem o inciso IV do Artigo 41, conforme era especificado na CP 488, os nossos obscuros doutores aproveitaram o embalo para plantar mais essa pérola:

Art. 41. Sistemas utilizando seqüência direta ou outras técnicas de modulação digital, devem possuir as seguintes características:

I II e III – Inalterados

IV – Para os sistemas operando faixa de radiofreqüências de 2400-2483,5 MHz, cujas estações correspondentes utilizem potência e.i.r.p. igual ou inferior a 400 mW, em localidades com população superior a 500.000 habitantes, o pico da densidade espectral de potência, em qualquer faixa de 3 kHz durante qualquer intervalo de tempo de transmissão contínua, não deve ser superior a 4 dBm.

Para arrematar esta megabandalheira com os provedores de SCM, a nossa fraudulenta agência reguladora acaba de publicar a Consulta Pública 541, colocando em discussão exatamente as mesmas alterações que já foram sacramentadas na marra pela Resolução 365.

E a CPI da Anatel?

No entanto, como isto comprovaria que as alterações foram feitas sem a devida consulta pública, mais ou menos como colocando a carroça na frente dos bois, os nossos espertos doutores estão transformando a armação em um novo regulamento para equipamentos de radiação restritas, no caso, específico para a faixa de freqüência entre 2.400 MHz e 2.483 MHz, o que é altamente irregular do mesmo jeito, por representar uma redundância desnecessária de regulamentos sobre o mesmo assunto.

Nesta ‘nova’ regulamentação fajuta, três pontos merecem destaque:

1) O artigo 1º, que está diretamente relacionado ao parágrafo irregular plantado no artigo 39 da Resolução 365:

Art. 1º – Este Regulamento tem por objetivo estabelecer condições de uso de radiofreqüências da faixa de 2400 MHz a 2483,5 MHz por equipamentos utilizando tecnologia de espalhamento espectral ou tecnologia de multiplexação ortogonal por divisão de freqüência , cujas estações correspondentes utilizem potência e.i.r.p. superior a 400 mW, em localidades com população superior a 500.000 habitantes.

2) O artigo 10º, que estabelece a data limite para os provedores Wi-Fi licenciarem os seus equipamentos de radiação restrita com potência superior a 400 mW (eirp):

Art. 10º – As estações correspondentes aos equipamentos utilizando tecnologia de espalhamento espectral, existentes na data de publicação deste Regulamento, que não atendem ao aqui estabelecido, poderão continuar em operação até 31 de dezembro de 2004, desde que estejam operando em situação regular, de acordo com a regulamentação anterior aplicável.

3) O artigo 11º, demonstrando que estas alterações não têm nada a ver com eventuais interferências causadas por equipamentos Wi-Fi nas transmissões de reportagens externas de TV, para as quais a faixa de freqüência entre 2300 MHz a 2490 MHz foi destinada em caráter primário pela Resolução 82 da Anatel:

Art. 11º – A faixa de 2400 MHz a 2483,5 MHz é destinada, em caráter secundário, para uso por todos os serviços de telecomunicações para aplicações que utilizam equipamentos operando de acordo com este Regulamento.

Resumindo a ópera: os provedores de SCM que utilizam equipamentos Wi-Fi com antenas externas cuja potência de transmissão exceda 400 mW (eirp), serão obrigados, a partir do dia 31.12.2004, a licenciar todas as estações que estiverem operando nesta condição, desembolsando a módica quantia de R$ 1.345,90 por cada estação, mais uma taxa anual de R$ 673 a título de renovação.

Portanto, parece que é a hora de os provedores Wi-Fi chegarem a alguma conclusão sobre a real ameaça que a invenção do SCD representa para o negócio deles, consultando seus advogados e, se for o caso, partirem com ações mais agressivas para cima da Anatel, antes que a vaca vá pro brejo, pois tudo o que os doutores querem para emplacar suas maracutaias é esta inércia demonstrada pelos provedores SCM até agora.

E a CPI da Anatel? Sai ou não sai? Quantos SCDs ainda serão necessários para a ficha cair no Congresso? Daqui a pouco vai ter gente com saudade dos tempos do Collor, quando pelo menos estas coisas feias eram feitas de forma menos ostensiva.

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