Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Quem atira na ministra?

Que Dilma Rousseff é o alvo, não resta qualquer dúvida. Mal sai do cenário a
‘novela-denúncia’ do dossiê anti-FHC, começa uma nova atração para jornais,
revistas e o telejornalismo global que promete encher páginas e telas nos
próximos dias: o caso Varig. A visível fadiga da dramaturgia recorrente parece
não ter sido notada por diretores de arte e editores. Mas a trama recente começa
com um mistério inédito: quem é o autor? Seria interessante que, ao menos uma
vez, um fato político incentivasse o jornalismo investigativo.


Quando exercido de fato, ele costuma produzir mudanças importantes no
ambiente político. Revela irregularidades no uso do dinheiro público,
incapacidade administrativa, fraudes em licitações e inquéritos. Em suma, é no
trato republicano da informação que a imprensa reafirma seu caráter de serviço
público.


Por isso, seria interessante que a Folha de S.Paulo levasse às últimas
conseqüências o que anunciou em editorial, na edição de sexta-feira (6/6). À
afirmação do governador José Serra de que as denúncias do caso Alstom seriam o
‘kit dos petistas em atuação’, o jornal respondeu de forma categórica.




‘Eis alguns fatos suficientes para justificar a mais rigorosa investigação
(…). Sem dúvida, é o `kit PSDB´ que está operando, com especial eficiência,
numa Assembléia Legislativa desfibrada por longos anos de governismo. É também o
`kit PSDB´ que, com impavidez a toda prova, se vende para a opinião pública como
exemplo de modernidade gerencial.’


O pecado do enredo


A registrar que a reação de Serra é compreensível. Escândalos envolvendo
lideranças tucanas têm sido de tal forma abafados que um noticiário minimamente
isento soa como ‘fogo amigo dos companheiros da Barão de Limeira’. É quase de
ordem natural que ele pleiteie o mesmo tratamento dispensado à gestão da
correligionária Yeda Crusius, governadora do Rio Grande do Sul, no momento em
que irregularidades no Detran gaúcho atingem seu núcleo político e a blindagem,
a velha operação-abafa, vem em seu socorro.


Mas voltemos às novas denúncias contra Dilma Rousseff. Em seu blog, o
jornalista Josias de Souza relata que o presidente Lula, em conversa reservada
com um assessor, teria achado ‘curioso que a origem dos ataques à ministra
partam, invariavelmente, do PT’. Tanto no caso do dossiê quanto no suposto
imbróglio da Varig a munição teria partido de pessoas ligadas ao ex-ministro
José Dirceu, conclui o articulista da Folha. Conclusão incompleta,
ressalte-se, pois omite que quem repassou as informações para a imprensa foi o
assessor do senador Álvaro Dias (PSDB-PR).


Se o ex-chefe da Casa Civil hoje se dedica a uma empresa de consultoria que
dá conselhos e presta serviço a grandes grupos empresariais, isso, por si, o
tornaria suspeito? E a ex-diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil),
Denise Abreu? Teria deixado de ser a mulher que, segundo colunistas de ‘boa
cepa’, usou o cargo para beneficiar amigos e, subitamente, se transformou em
fonte fidedigna? A nova musa de editores, prontos a lhe oferecer o discreto
charme de uma piteira em substituição ao famoso charuto, que lhe valeu um
epíteto?


Como se vê, não faltam suspenses na nova produção jornalística. O pecado
capital do enredo é a ausência de uma história verossímil. Para que ela surja é
necessário uma cobertura correta, algo que, paradoxalmente, pode retirar seu
valor de troca para os aliados no campo político.


Dilma e os gaúchos


Em entrevista ao programa Atualidade, da Rádio Gaúcha, a ministra disse que o governo no episódio limitou-se a esperar que o judiciário decretasse a falência do grupo, para que a empresa pudesse ser vendida. E afirmou que não acredita em ‘fogo
amigo’. Mas, seguindo metodologia consagrada na redação da TV Globo, façamos
mero exercício de exploração de hipóteses. Quem seria o atirador e quais suas
motivações?


Não apenas o consultor, mas muito mais gente graúda dentro do PT estaria
tentando garantir a indicação de alguém de dentro do partido para a sucessão de
Lula em 2010. A avaliação é que Lula levará, inevitavelmente, o seu candidato
para o segundo turno e, aí, tudo pode acontecer, até eleger um candidato sem
grandes apelos populares no momento. Seria o caso de Tarso Genro, Patrus Ananias
e Marta Suplicy, por exemplo. Não vale apurar com mais precisão? Ou é melhor não
rastrear o ‘fogo amigo’ se ele for útil a objetivos maiores?


No caso de José Dirceu, lembremos que a Articulação, rebatizada, ainda é a
corrente majoritária. É a mesma lógica que impediu a aliança em Belo Horizonte,
pois não se trata de apenas eleger o candidato, mas de garantir para o
partido/tendências cargos nas máquinas de governo.


Dilma não é um quadro orgânico, não está vinculada/comprometida com corrente
alguma e também não entusiasma os quadros gaúchos o (Tarso, Olívio Dutro, Raul
Pont e suas respectivas tendências), pois caso ela não saia para concorrer ao
Planalto – e se o PAC emplacar, até inícios de 2010, 60% das obras – será muito
difícil impedir sua candidatura ao governo do Rio Grande do Sul.


O colete oferecido pelo jornalismo


Lula sabe de tudo isso. E Dilma também. É licito imaginar que os dois tenham
se lançado ao Planalto para ocupar espaço político antes das eleições de 2010,
pois apenas o PSDB (Serra/Aécio) e, com menos visibilidade, o PSB (Ciro)
aparecem para a opinião pública como candidatos para 2010.


Assim, acreditamos que o fogo contra a ministra-chefe da Casa Civil pode vir
de qualquer lugar, de amigos e inimigos: oposição, direção nacional, paulistas,
gaúchos etc. Dilma é a Geni da vez. Mas uma coisa é certa: jornalistas
experientes sabem quem pilota o zepelim que paira sobre os edifícios. Seria uma
inflexão admirável se alguns editores, inspirados na poética de Chico Buarque,
proferissem a sentença do comandante: ‘Mudei de idéia’.


Descobrindo o atirador, afastariam a suspeita de que há um jogo orquestrado.
Um carteado onde a VarigLog é o coringa que pode ocultar Alstom e Detran gaúcho.
É uma petição ingênua. Mas não há motivos para não fazê-la neste Observatório
da Imprensa
.


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P.S. Este artigo foi concluído na noite de sexta-feira (6/6). O que nos
reserva o fim de semana ainda é uma incógnita. Mas a julgar pela edição de
sábado (7), a Folha não cumpriu a promessa do editorial do dia anterior.
Ou a edição dominical traz uma alentada matéria sobre o caso Alstom ou é
legítimo supor que a redação recebeu um dos famosos telefonemas do governador
paulista.


Já a governadora Yeda Crusius viu sua situação se complicar com a divulgação,
pelo próprio vice, de uma fita contendo diálogo entre ele e o chefe da Casa
Civil. Com 20 minutos de duração, a fita chegou à CPI do Detran na tarde de
sexta-feira. Apesar do destaque em portais e do espaço dedicado ao assunto nas
emissoras de televisão (Jornal da Band e Jornal da Globo), o
jornalismo impresso não demonstrou o mesmo apetite. Na edição de sábado, a
Folha não tocou no assunto, enquanto o Globo lhe dedicou duas
pequenas colunas na parte inferior da página 10. Quem está atirando pode ser
revelado pelo que for (ou deixar de ser) publicado no domingo. De sobra, ficará
evidente quem conta com colete fornecido pelo jornalismo nativo.

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Professor titular de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), Rio de Janeiro, RJ