Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Raciocínio retalhado e nome indevidamente usado

Qual a forma mais nefasta de blindagem? Aquela dos carrões importados da rua Oscar Freire, ou a blindagem intelectual? Posso falar da segunda e – conforme o andar na carruagem (não resisti ao trocadilho) –, se depender da boa vontade dos meus pares, corro o risco de falar com propriedade da primeira. Sim, corro um sério risco de, em pouco tempo, ter meus chicletes recusados nos semáforos dos jardins. Porque, além do isolamento que me impuseram (estou cronicamente desempregado, no sentido estrito e genérico do termo), agora trocam minhas palavras de lugar e violentam minha liberdade de expressão.

Explico. Aconteceu quando o rapper Mano Brown foi entrevistado no programa Roda Viva. Em princípio, me ofereci para entrevistá-lo. Queria ter um face to face com o filósofo do Jardim Ângela. Entrei em contato com Paulo Markun, mediador do programa e hoje presidente da Fundação Padre Anchieta. Markun alegou que a bancada de entrevistadores estava fechada. Até aí, nada demais. Mesmo porque meu pedido foi feito no mesmo dia da entrevista. Diante da minha insistência, o presidente da Fundação Padre Anchieta foi extremamente diligente e profissional, isto é, sugeriu que eu lhe enviasse a pergunta via email e prometeu que interpelaria Brown no decorrer do programa. Achei pertinente, e honesto. Fiz a minha parte.

Reverência exagerada

Eis a pergunta:

1. Por ocasião do dia da Consciência Negra, Mano Brown concedeu uma entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, caderno ‘Folhateen’. A propósito de seu rompimento com o rapper Thaíde, afirmou: ‘Os pretos não têm todos as mesmas idéias.’ Pergunta: Mano Brown,você já cogitou que preto pode pensar como branco e que branco pode pensar como preto? E que as ‘idéias’ podem ocorrer independente da cor de quem pensa? Sua declaração incorre num racismo involuntário? Ou você é racista mesmo?

Uma pena que Paulo Markun não tenha feito a parte dele. Suavizou a questão. Retalhou meu raciocínio e usou meu nome indevidamente. Ou, para um reproduzir um eufemismo muito do sem-vergonha, ‘editou’ minha pergunta de acordo com sua conveniência. Quem quiser conferir o golpe, reveja a entrevista. Logo que o programa terminou, enviei um e-mail para Markun reclamando do seu procedimento. Naquela mesma noite, respondendo ao meu e-mail, o jornalista reconhece o vacilo. Desculpem, mas vou ter que divulgar o e-mail que recebi de Markun. Creio que pior do que cometer essa indiscrição é ser acusado de covarde (como me acusaram):

‘Data: Mon, 24 Sep 2007 22:45:08 –0500

De: ‘Paulo Markun’

Para: ‘Marcelo Mirisola’

Re: Mano Brown

Da próxima vez eu me esforço mais…ou vc se candidata a tempo. By the way, o diretor do Roda chama se Marcelo Bairão.

Abs’

Jogou a responsabilidade – ele, que é presidente da Fundação Padre Anchieta – nas costas do diretor do programa, Marcelo Bairão. Quem viu Roda Viva, notou a reverência exagerada e a chapa-branca dos entrevistadores. Em determinado momento, o próprio Mano Brown – com razão – reclama da frouxidão das perguntas.

O caldo entornou

Alguns dias depois, no jornal Folha de S. Paulo, o jornalista Fernando Barros e Silva pratica a mesma ‘blindagem’ ao comentar um artigo de Ferréz. Trata-se da polêmica entre o ‘escritor e rapper‘ e o apresentador de televisão Luciano Huck (a polêmica é conhecida e lamentável, não vejo necessidade de entrar em detalhes). Pois bem, o articulista, ciente das bobagens que o rapper escreveu, o desculpa de antemão e antecipa que o autor seria massacrado pelos leitores do jornal ‘à revelia de sua intenção’. Diabos! Por que Mano Brown e Ferréz não podem responder pelo que falam e escrevem? Como é que alguém pode publicar um texto na seção ‘Debates’ de um jornal à revelia da própria intenção?

Alguma coisa está errada. Não quero, aqui, confrontar ideologias, tampouco pretendo discutir os eufemismos que o Roda Viva usou para me censurar, nem sequer vou cogitar na questão do ódio entre classes sociais. Nada disso, os atores dessa pantomima já fizeram isso escancaradamente, marcaram seus territórios. De um lado, Barros e Silva, Markun e os xaropes do politicamente correto, do outro, a revista Veja e uma classe média agonizante que não pode mais freqüentar churrascarias nos finais de semana. Não há mensagem subliminar. As posições estão tomadas. Os interesses defendidos. Perfeito, problema deles. Quero mais é que se trucidem. Agora, o que eu não aceito é ser cobrado – como fui cobrado ontem à noite – por ter ‘aberto as pernas’ para o Mano Brown. Isto, não.

Eu já havia esquecido essa história. Sabia que havia feito minha parte e estava (aliás, estou) em paz com minha consciência, embora tivesse sido sacaneado. Porém, dessa vez a coisa extrapolou. Violentaram – repito! – minha liberdade de expressão e mentiram em meu nome.

Não abri perna para ninguém. Não admito servir de boi de piranha para facilitar a vida de um racista do feitio de Mano Brown. Quero dizer que apesar do boicote generalizado que estou sofrendo, e apesar do isolamento e do desemprego crônico que me cobra judicialmente os condomínios atrasados, ainda estou aqui e não vou recuar. Agora, o caldo entornou de vez. Azar.

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Escritor