Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sem limites para a propriedade cruzada

A concentração do controle da mídia, sobretudo eletrônica, é um fato histórico no nosso país. Ignorada pelos responsáveis pela sua regulação e negada por empresários do setor, ela certamente é uma das causas da crescente homogeneização do conteúdo bem como da ausência significativa de pluralidade, diversidade e de regionalização na mídia brasileira.

A concentração na mídia, no entanto, não é um problema só brasileiro. A convergência tecnológica e o processo de privatização das telecomunicações fizeram com que, desde o último quarto do século 20, ela se transformasse numa das características do setor. Um grupo cada vez menor de conglomerados globais controla a produção e a distribuição de dados, informação e entretenimento (e publicidade) no mundo. O Brasil é apenas uma parte – importante, diga-se de passagem – de uma tendência universal.

Dados recentemente divulgados pela consultoria KPMG – ela própria uma empresa global – confirmam a continuidade dessa tendência e mostram como, na verdade, a comunicação é um dos setores onde ocorreu o maior número de fusões e aquisições no Brasil nos últimos 15 anos (ver aqui).

Nos números divulgados para o primeiro trimestre de 2008, o setor de tecnologias da informação (TI) aparece em 1º lugar; a publicidade e as editoras aparecem em 5º; enquanto as telecomunicações e a mídia aparecem em 16º lugar no ranking de fusões e aquisições. Todavia, se observadas as curvas históricas desde 1994 – quando os dados começaram a ser divulgados –, verifica-se que as tecnologias de informação (TI) aparecem em 2º lugar; as telecomunicações e a mídia em 3º e a publicidade e as editoras, em 7º lugar. Se fossem agrupados – o que já ocorre na realidade dos mercados –, esses setores certamente estariam entre os primeiros com maior número de fusões e aquisições. É mais um dado que confirma a tendência de concentração da mídia no Brasil.

Concentração ainda maior nos jornais?

Há algumas semanas circula com insistência em blogs de comprovada credibilidade a informação, não confirmada, de que as Organizações Globo estão avaliando a oportunidade de comprar o grupo O Estado de S.Paulo. Demissões de jornalistas e, por outro lado, a contratação de pelo menos um conhecido e respeitado profissional para comandar a sucursal do Estadão no Rio de Janeiro são apenas dois ‘sintomas’ de que algo está a ocorrer.

A ser verdadeira a informação – um negócio que só é possível pela ausência de regulação sobre a propriedade cruzada – significa um importante aumento da concentração da mídia brasileira. O maior grupo de mídia, líder na televisão e proprietário de um dos dois maiores jornais em circulação no país, estaria comprando o mais tradicional jornal de São Paulo, o principal mercado nacional.

Conseqüências do monopólio

Registre-se, aliás, que algumas das conseqüências da concentração no setor de telecomunicações – incluído nas comunicações pela convergência tecnológica – começam a se tornar mais perceptíveis para o cidadão comum, ao contrário do que sempre aconteceu em relação à concentração nas áreas de jornais, revistas, emissoras de rádio ou televisão.

Exemplo emblemático foi a recente pane no sistema de transmissão de dados quase monopolizado da Telefônica, em São Paulo. Empresas públicas e privadas foram igualmente afetadas e a rotina do cidadão comum prejudicada em relação à prestação de serviços essenciais como transporte, segurança e saúde.

A Telefônica de Espanha – desnecessário dizer – é um dos símbolos da privatização das telecomunicações no Brasil; e sua filial brasileira é hoje comandada por um ex-executivo da agência reguladora do setor, a Anatel.

Por tudo isso, nunca será demais lembrar a concentração da mídia e a necessidade de uma regulação que – na defesa do interesse público – estabeleça barreiras e limites à sua continuidade. Nunca será demais lembrar, mesmo quando a história insiste em mostrar que a realidade caminha na direção oposta.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)