Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sobre conspirações e motivações

Ao declarar à revista Veja, duas semanas atrás, que boa parte de seu partido, o PMDB, ‘quer mesmo é corrupção’, Jarbas Vasconcelos abriu a mais nova temporada de questionamentos em relação aos (muitos) políticos que se refestelam no fisiologismo, no clientelismo, no tráfico de influência, na promiscuidade entre Estado e interesses pessoais e, finalmente, no esporte radical do enriquecimento ilícito. Contrariando as previsões dos que preferiam abafar o escândalo, as declarações do senador sobreviveram ao carnaval e continuam na ordem do dia, o que é bom.


Na segunda-feira [23/2], outro quadro histórico da mesma sigla, Pedro Simon, veio somar forças com Jarbas Vasconcelos. ‘O PMDB está se oferecendo para ver quem paga mais e quem ganha mais’, afirmou Simon a Amália Goulart, do jornal O Tempo, de Belo Horizonte. Inconformado com os ‘métodos de condução do atual comando do partido’, não tergiversou: ‘O PMDB fez de tudo para agradar a Fernando Henrique e conseguiu `carguinhos´. Agora faz a mesma coisa com Lula.’


O senador Simon entra em cena como um novo fator de pressão para que assuntos de interesse público sejam de fato debatidos e resolvidos em público – e não arquivados em gabinetes pelos conchavos de agendas ocultas. O que está em jogo é mais do que a sorte de possíveis corruptos: está em jogo a capacidade que temos, como imprensa e como sociedade, de esclarecer mais esse capítulo de miséria ética que tem por protagonista a chamada ‘classe política’ (essa estranha categoria profissional que, em sua maioria, desconhece noções de classe, tanto em sentido marxista como em sentido de boa educação). Está em jogo, enfim, saber se a roupa (pública) suja (por interesses inconfessáveis) será mesmo lavada em público, como deve ser, ou será (de novo) escondida pelos caciques incomodados.


‘Cortina de fumaça’


De todas as formas, eles vêm tentando desqualificar Jarbas Vasconcelos. A cúpula do PMDB julgou que poderia neutralizá-lo com uma nota oficial sumária, lacônica, que, em lugar de rebater as acusações, caracterizava a entrevista do senador pernambucano como um desabafo pessoal. Talvez os dirigentes peemedebistas tenham imaginado que a tática do mutismo, emoldurado por suas fisionomias artificialmente compungidas, esvaziaria o debate.


Felizmente, erraram: a manobra silente surtiu o exato efeito contrário. Ao não se defender, o partido deu a impressão de que optou por não falar nada porque não tem respostas para nada. Por isso é que Pedro Simon entra em cena num momento oportuno: ele pode ajudar a fazer com que o velho partido desista de sua afasia de ocasião. Vamos ver se, desta vez, prevalecerá o respeito pela opinião pública. Vamos torcer para que a imprensa não se intimide e cumpra seu papel de investigar para esclarecer as dúvidas pendentes, que são muitas e são graves.


Não será simples nem fácil, já se sabe. Existe no ar uma nova safra de microteorias conspiratórias, cujo objetivo é ridicularizar qualquer um que peça esclarecimento sobre denúncias contra os barões do PMDB e seus aliados no poder. Segundo uma das microteorias mais difundidas, Jarbas Vasconcelos só concedeu sua polêmica entrevista porque estaria a serviço da candidatura do governador paulista, José Serra, à Presidência da República.


Isso, aliás, foi noticiado pelo próprio Estado de S.Paulo em sua edição de domingo, dia 22, na página A6: ‘Jarbas agiu para beneficiar Serra, afirmam aecistas’. Outra microteoria dá conta de que Jarbas pretende ser vice na chapa do governador. Portanto, segundo os adeptos das microteorias, nada do que ele tenha dito deve ser levado em consideração, pois seria tudo marketing. Quem vai atrás do que ele diz seria trouxa.


Isso mesmo: trouxa. Embora não o digam com todas as letras, os defensores das microteorias – eles estão no PSDB, no PMDB e em outras siglas – sugerem que haveria uma associação secreta entre órgãos jornalísticos e facções partidárias para catapultar uma candidatura e fazer o público de bobo. O resto seria encenação. Não importa que Jarbas tenha afirmado categoricamente que boa parte de seu partido ‘quer mesmo é corrupção’. Isso seria apenas ‘cortina de fumaça’. As acusações que ele faz devem ser ignoradas pela opinião pública que não quer fazer o papel de boba.


Motivação própria


Ocorre que o argumento central dessas microteorias, fundado nas motivações subjetivas, é falacioso. As motivações de cada um são relevantes, por certo, mas o direito de cada um de falar no espaço público não depende de nenhum exame prévio de suas motivações. Se fossem tirar a limpo a inclinações subjetivas de todos os que pretendessem entrevistar, os jornais não poderiam ouvir mais ninguém – e o espaço público seria escuro, frio, silencioso e vazio de seres humanos, mais ou menos como o espaço sideral.


Pense bem o leitor. Qual era a motivação de Pedro Collor quando denunciou o próprio irmão, Fernando Collor? Qual era a motivação de Roberto Jefferson ao dar a entrevista em que popularizou o neologismo ‘mensalão’? Talvez não fossem as melhores do mundo, mas suas acusações clamavam por esclarecimentos – e disso cuidou a imprensa, cumprindo seu dever. Agora, embora as motivações pessoais de Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon devam ser levadas em conta, o que importa em primeiro lugar é saber se o que eles dizem é verdade ou é mentira.


Por mais altas ou mais baixas que sejam as ambições de quem quer que seja, a opinião pública tem o direito de conhecer o fundo de verdade que há por trás dessa barulheira toda. Antes que essa história fique velha, é preciso que ela fique clara. Para isso o jornalismo pode contribuir. A despeito das motivações alheias, basta que ele cultive bem a sua própria: descobrir e publicar a verdade.


 


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Jornalista, professor da ECA-USP e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da mesma universidade