Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Tecnologias e desafios da Comunicação Integrada

O desenvolvimento das tecnologias de comunicação, especialmente nos últimos vinte anos, tem dado um novo sentido à existência humana e levado a uma reelaboração do modo como os indivíduos vivem e se relacionam em sociedade e isso tem alterado também o cotidiano e os interesses das organizações.

Parece difícil enxergar com clareza os próximos anos. A convergência midiática praticamente ainda não começou e hoje convivemos no mundo empresarial apenas com a primeira geração que cresceu com a internet. Estamos entrando em um mundo de novos significados e – parodiando o pesquisador canadense Marshall McLuhan, que nos anos 60 referia-se aos meios de comunicação como extensões do homem – de novas extensões.

Segundo o filósofo Pierre Lévy (2002), as atuais tecnologias implicam novas formas de ser e estar no mundo. Considerando que elas implicam também novas formas de comunicação, são, pois, novas formas de extensão de corporações empresariais e de homens.

Rapidez jamais sonhada

Por trás de toda essa mudança, há um projeto e ao mesmo tempo uma conseqüência política: a globalização. As fronteiras mundiais estão mais tênues e as pessoas tendem a estar mais próximas. Isso interfere inquestionavelmente nas empresas, que passam a contar com formas privilegiadas de otimizar sua comunicação integrada.

‘Imagine a diferença em relação àquele empresário do Império que, ao receber uma correspondência do exterior, tinha quase três meses para pensar, tomar as decisões e responder’, diz Jorge Gerdau Johannpeter (SIQUEIRA, 2007: B22), presidente do grupo Gerdau, fazendo uma comparação com o ritmo de trabalho e decisões tomadas por Mauá (Irineu Evangelista de Souza), empreendedor brasileiro do início do século 19 e os executivos contemporâneos. Segundo Johannpeter:

‘A internet impõe uma rapidez jamais sonhada em nossas decisões. Temos que resolver tudo em minutos ou mesmo em segundos. Vivemos hoje um processo executivo on line que explica, em grande parte, o grande aumento de produtividade ocorrido no mundo nos últimos anos.’

Marca corporativa

Entendendo o fenômeno global como algo ainda em processo, a filósofa Monique Canto-Sperber (2004: 50) observa que, embora vivamos hoje em um mundo integralmente conhecido, ‘onde as distâncias são reduzidas, onde empresas podem implantar-se por toda parte ou externalizar suas atividades’, ainda há muito, do ponto de vista humano, a ser prensado e construído:

‘Nosso mundo é, antes de mais nada, um mundo onde a pobreza e a miséria constituem o lote de uma parte considerável das populações, mesmo dentro dos países desenvolvidos. Mais que pela ausência de recursos, a miséria se mede pela ausência de perspectivas de futuro ou de oportunidades de ação (…).’

Dispor de meios para transformar recursos em verdadeiras capacidades de agir requer um mínimo de educação, exige viver em um mundo que ofereça reais possibilidades de desenvolvimento de si e pressupõe que a cultura à qual se pertence tenha podido formar em cada um a faculdade de adaptar-se.

É nesse cenário de contradições entre sentidos humanos e materiais, entre pessoas e coisas, entre empresários e funcionários, que os profissionais das diferentes habilitações de comunicação social precisam fincar a marca corporativa e a busca pelo lucro deve caminhar ao lado de uma efetiva responsabilidade social.

Objetivos gerais e específicos

A nova configuração mundial implica, pois, desafios para o papel da comunicação e dos seus profissionais. O fluxo informativo, agora mais veloz e dinâmico, assim como as decisões e a produção do capital, tem que corresponder a uma qualificação também do nível de relacionamento entre empresários, funcionários e clientes. Diante disso, a comunicação integrada, apoiada pelas tecnologias digitais, precisa ganhar um novo sentido.

Tradicionalmente, a partir dos estudos de Margarida Kunsch (1986: 112), a noção de comunicação integrada considera que ‘o importante, para uma organização social, é a integração de suas atividades de comunicação, em função do fortalecimento de seu conceito institucional, mercadológico e corporativo junto a todos os seus públicos’.

Assim, a CI funciona por meio da articulação da comunicação institucional, da comunicação mercadológica e da comunicação interna da empresa. Ademais, essa articulação deve formar um conjunto ‘harmonioso’ da comunicação organizacional (1997: 116):

‘A comunicação integrada permite que se estabeleça uma política global em função de uma coerência maior entre os programas de uma linguagem comum de um comportamento homogêneo, além de se evitarem as sobreposições de tarefas. Os diversos setores trabalham de forma conjunta, tendo ante os olhos os objetivos gerais da organização e ao mesmo tempo respeitando os objetivos específicos de cada um.’

Participação interna e externa

Tal qual uma sinfonia, todo esse esquema tem que funcionar de forma bem articulada em suas partes para o sucesso da CI dentro da organização. E no começo de tudo está um bom projeto comunicacional. Parte fundamental da construção desse projeto é a informação que o profissional de comunicação tem em mãos.

Alguns anos antes da presença das atuais tecnologias de informação nas empresas e no cotidiano dos profissionais de comunicação, Gaudêncio Torquato (1986: 29) já nos falava a esse respeito:

‘Um profissional de comunicação que possa dispor de informações a respeito de todos os grupos sociais a que está ligada a sua audiência, a respeito da importância relativa de cada grupo, a respeito dos líderes de opinião para cada assunto e sua importância relativa, a respeito dos outros meios de comunicação que atingem seu público, a respeito dos interesses de sua audiência, esse profissional poderá elaborar um programa [projeto] muito mais eficiente do que outro que não saiba absolutamente nada em relação à audiência para a qual se dirige.’

Sem dúvida, a inserção das tecnologias nos processos de produção da informação tem sido um diferencial de cases de sucesso de comunicação integrada, mas além desses elementos, um fator merece especial atenção: a participação dos públicos interno e externo nos processos de comunicação corporativa.

Preconceitos e desinformação

Embora existam riscos nessa simbiose, um projeto de comunicação efetivamente integrada deve estimular a participação dos indivíduos na sua construção e execução. Eles não devem ser vistos apenas como espectadores, mas compreender os assuntos, avaliando criticamente sua produção.

Recentes pesquisas na área de comunicação organizacional têm discutido o significado de o profissional de comunicação utilizar-se sabiamente das teconolgias digitais e suas ferramentas. No entanto, há empresas em que funcionários não podem acessar seus e-mails, alimentar seus blogs ou fotoblogs nem checar seu Orkut.

Em algumas empresas, apenas o acesso à intranet é liberado, comportamento que endossa uma série de preconceitos e desinformação em relação à utilidade e ao poder da internet nas empresas, especialmente no que diz respeito à comunicação integrada.

Condições ‘macro-ambientais’

Para Pierre Lévy (1999: 247), não podemos considerar a internet apenas ‘uma sub-cultura dos fanáticos pela rede’. Para ele, a cibercultura, mais que isso, é uma ‘mutação fundamental da própria essência da cultura’. Como observa Roberto de Camargo Penteado Filho (DUARTE, 2006: 348):

‘As organizações já não podem dar-se ao luxo de ignorar as listas de discussões da internet. Precisam aprender como usá-las em seu proveito. Os sites, fóruns e listas de discussão da internet podem representar um amplo repositório de informações não só sobre seus clientes ou consumidores, mas também sobre seus concorrentes.’

Atentos a esse tipo de ponderação, cabe-nos refletir sobre a interferência deste novo quadro no contexto da comunicação empresarial e no conceito da sua matéria prima: a informação. Afinal, a agilidade e as novidades tecnológicas obrigam-nos a rever e reformular conceitos.

Ao pensar a comunicação nas corporações modernas, Torquato (1986: 111) destaca a importância de uma visão ‘macro’ por parte do profissional da área hoje bastante útil para pensarmos em relação às atuais tecnologias:

‘O planejamento de estratégias, programas e projetos de comunicação empresarial requer uma minuciosa leitura do meio ambiente. Incorrem em grave erro os comunicadores e profissionais que planejam suas atividades sem atentarem para as oportunidades, riscos, ameaças e tendências do macro-ambiente.’

A partir daí, ele discute uma série de elementos que compõem as condições ‘macro-ambientais’, tais como a interdependência entre as empresas, a participação cidadã nos negócios e a presença das tecnologias de comunicação nas relações sociais.

Conhecimento em ‘pedaços’

No entanto, um escopo do seu trabalho nos chama especial atenção. Ao falar das novas necessidades estratégicas para a comunicação nas empresas, Torquato (1986: 113) oferece-nos uma lista de observações que, tomando com referência também os estudos de Kunsch (1986; 1997) e Casali (2002) e oportunizando as discussões que elaboramos até aqui, atualizamos a partir do novo ‘macro-ambiente’ global e neotecnológico.

Unicidade das comunicações, trabalho conjunto e articulado entre os profissionais da área e planejamento. Essas parecem ser até hoje as três bases para um bom trabalho de comunicação integrada.

Um dos elementos fundamentais para uma comunicação uníssona diz respeito à linguagem. Para Torquato (1986: 115), ela deve ser sistêmica e uniforme. Ou seja, o profissional da área deverá ‘estabelecer condições para uso e desenvolvimento de canais de comunicação, com a indicação de sua periodicidade, linguagem, conteúdos, forma etc.’. Mas Casali (2002) faz algumas ponderações em relação a essa questão. Para ela, unicidade de projetos não significa, hoje, unicidade de conteúdos:

‘Frente às novas tecnologias de informação a unicidade da mensagem deve ser repensada. O receptor busca em cada uma de suas fontes de informação elementos novos que possibilitem a composição de seu quadro de referência em um processo de aprendizagem denominado bricolage, ‘um processo de exploração teórica anárquica (…) pelo qual os indivíduos e as culturas usam os objetos que os rodeiam para desenvolver e assimilar idéias’ (Levi-Strauss apud Turkle, 1997, p.70) O conhecimento é construído em ‘pedaços’, ao invés da compreensão linear da informação.’

Estruturas e atitudes coerentes

Para Torquato, a comunicação na empresa não pode ser vista como algo sob controle direto, único e exclusivo dos profissionais de comunicação. Pelo contrário, os diversos níveis da hierarquia empresarial devem ser aqui observados.

Nesse aspecto, as atuais tecnologias não podem ser entendidas apenas como instrumentos de uma comunicação vertical produzida por profissionais especializados, mas devem fazer parte do planejamento de uma comunicação sinérgica como ferramentas que, aliadas a esses profissionais, devem conduzir a empresa a uma verdadeira integração entre seus objetivos mercadológicos e humanos.

O autor defende uma maior ênfase em canais participativos de comunicação. Além das possibilidades convencionais como caixas de sugestões e brainstorming (‘tempestade de idéias’), a internet traz em si algumas possibilidades. A esse respeito, Casali (2002) observa:

‘A idéia da comunicação integrada é a coordenação de mensagens para um impacto máximo. Este impacto é obtido através da sinergia, as conexões que são criadas na mente do receptor como resultado de mensagens que se integram para criar um impacto de poder maior do que qualquer mensagem individual por si só. As mensagens e seus conceitos repetem unidades essenciais de significado ao longo do tempo através de diferentes veículos e provenientes de diferentes fontes, estas quando integradas, irão unir-se para criar estruturas de conhecimento e atitudes coerentes no receptor.’

Informações e riscos

Um outro ponto citado pelo autor diz respeito à necessidade de estabelecer uma simetria entre marketing institucional e o marketing comercial da empresa. Para ele, isso ‘significa aumentar a redundância, racionalizar a linguagem, economizar custos e fazer com que a imagem que passe para a opinião pública se torne igual à identidade que se quer projetar’ (1986: 114).

Embora algumas empresas secundarizem o trabalho de comunicação integrada, para Torquato, tanto empresários como funcionários devem acreditar na comunicação como poder organizativo. E o poder para isso está especialmente nas mãos do profissional de comunicação.

Uma das ferramentas nesse sentido é o endomarketing. Trata-se de uma área da administração que tem por objetivo, a partir dos princípios do marketing tradicional, desenvolver estratégias para o público interno da empresa.

Além disso, reciclar-se, investir em informações, sejam elas formais ou informais, assumir riscos de novos projetos, valorizar o conhecimento, a experiência e a criatividade são pré-requisitos de um profissional que esteja mais preocupado em assessorar e menos em executar programas.

Considerações finais

A sociedade global e as atuais tecnologias trazem para a vida contemporânea a vantagem de uma comunicação que pode ser mais profissional e rápida, mais veloz e mais bem embalada.

Mais do que em qualquer outro momento das relações humanas, trabalhar com a comunicação integrada em sua mão-dupla de direitos e deveres; de empresários e trabalhadores, corresponde a um esforço permanente. Talvez estejamos caminhando numa direção em que pensar um modelo de comunicação integrada para as organizações vá além de pensar a relação funcionário-empresa-cliente. Talvez estejamos caminhando em direção de um pensar mais coletivo.

Nesse sentido, a formação do profissional de comunicação social – jornalistas, publicitários, relações públicas etc. – passa a ter um papel fundamental para ultrapassar as fronteiras da desinformação e abrir os olhos para as crueldades e arbitrariedades que são cometidas contra seres humanos em nome do capital. Em outras palavras, a formação de profissionais cidadãos comprometidos com cidadãos talvez seja o ponto de partida para verdadeiros projetos de comunicação integrada nas corporações.

A convivência democrática com a diferença, com pontos de vista díspares (seja de autores, professores ou colegas), complementares e inquietantes e, ao mesmo tempo, o exercício diário de lidar responsavelmente para si e para o outro (seja a fonte de informação, seja o público) com a diversidade, são elementos importantes para uma conduta profissional cidadã.

Assim, ao pensarmos modelos de comunicação integrada para os profissionais do século 21, que inevitavelmente terão como instrumentos de trabalho as tecnologias do mundo globalizado, não devemos apenas nos preocupar com os benéficos que seus resultados possam trazer para o capital, mas também para as pessoas.

Postular a presença da cidadania na prática e na formação do profissional de Comunicação Social significa estimular a reflexão, a revisão e a reestruturação de valores democráticos. Se os meios de comunicação continuam a ser extensões do homem, como pensara McLuhan, cuidemos muito bem de nós para que estendamos o que de melhor pudermos estender.

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Jornalista, doutorando em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador das relações entre imprensa, cidadania e novas tecnologias