Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Veja

ELEIÇÕES 2006
Diogo Mainardi

Um golpista sem farda

“Estou aqui. Em Jacarepaguá. Rede Globo. Comendo bisnaguinhas com presunto e queijo. Quantas já comi? Seis? Sete?

Faltam duas horas para o debate eleitoral. Lula acaba de mandar uma mensagem à Rede Globo. A mensagem diz: ‘Não posso render-me à ação premeditada e articulada de alguns adversários que pretendiam transformar o debate desta noite em uma arena de grosserias e agressões’. Foi só para isso que eu vim a Jacarepaguá. Para ver Lula na arena. Ele desistiu no último momento. Chegou a mandar sua lista de convidados. De todos eles, eu só queria ter visto sua secretária particular. A mulher de Oswaldo Bargas. Preciso parar de comer bisnaguinhas com presunto e queijo.

Entro no auditório. Quem é aquele? Gabriel Chalita? Fiz um artigo a respeito dele. Quem é aquele outro? Ricardo Noblat? Sei de uma história dele dos tempos da Propeg. Geraldo Alckmin está acenando para mim ou para a Paula? É para a Paula. Chegou o Tasso Jereissati. O irmão dele está me processando. Viu o cabelo do Alberto Goldman? Errou a tintura.

Começa o debate. Fala Cristovam Buarque. Fala Geraldo Alckmin. Fala Heloísa Helena. Réplica. Tréplica. Lula faz falta. O repórter na minha frente anota sem parar. Olho meus papéis. Só há uma anotação: Chiquinho 97626382. É o celular do motorista. No fim do primeiro bloco, telefono para o Chiquinho e volto correndo para casa.

Quero que Lula perca. Mas perder ou ganhar é igual. Se ele perder, tem de ser cassado. Se ele ganhar, tem de ser cassado. O comando da campanha eleitoral de Lula foi pego com dinheiro sujo. Quem é pego com dinheiro sujo deve ser punido. Os lulistas sabem que o Tribunal Superior Eleitoral acabará pedindo a cassação do mandato de Lula. É a lei. José Dirceu, Marco Aurélio Garcia, Ricardo Berzoini e Tarso Genro já declararam que aplicar a lei contra Lula é golpe. Tarso Genro alertou para o risco de um ‘golpe branco’, um ‘golpe eleitoreiro’, um ‘golpe jurídico’, um ‘golpe brando’. Na última quinta-feira, num artigo publicado no Globo, ele chegou até mesmo a chamá-lo de ‘golpe legal’. Se o golpe é legal, a defesa da legalidade só pode ser golpista. E a defesa da ilegalidade só pode ser democrática. Depois de legitimar o roubo, o lulismo está conseguindo legitimar o golpe de Estado. Se é assim, eu sou golpista. Um golpista sem farda. Um golpista sem tanque. Um golpista sem bala.

O golpista Mainardi se entrincheira com seus leitores. Do outro lado da barricada, o lulismo. Falta-nos apenas um comando. Um general bigodudo e truculento. O segundo mandato de Lula será melhor do que o primeiro. Pelo menos para nós, golpistas. Um fato nós já sabemos com certeza: está rolando um bocado de dinheiro sujo na campanha eleitoral. Aquele mesmo dinheiro sujo que seria usado para comprar o depoimento fraudulento dos Vedoin. Procurando um pouquinho, no segundo mandato poderemos encalacrar um petista por semana.

O golpe dará certo.”



GOVERNO KASSAB
Roberto Pompeu de Toledo

Nem dá para acreditar

“Um sinal de que nem tudo está perdido foi dado na semana passada em São Paulo com a aprovação de uma lei municipal que proíbe a propaganda nas ruas da cidade. Foi uma rara vitória do interesse público sobre o privado, da ordem sobre a desordem, da estética sobre a feiúra, da limpeza sobre a sujeira. Por uma vez na vida, tudo o que costuma vencer, no Brasil, perdeu. Quando o projeto de lei foi pela primeira vez apresentado pelo prefeito Gilberto Kassab, a experiência recomendava que todo ceticismo seria pouco. Era bom demais para ser verdade. Na semana passada, a Câmara Municipal, que goza de merecida má fama, e não é o foro de onde se esperaria maior resistência às forças do interesse privado, da desordem, da feiúra e da sujeira, votou surpreendentemente a favor, pelo esmagador placar de 45 votos a 1.

A lei proíbe outdoors, faixas, painéis eletrônicos, banners e qualquer outro tipo de publicidade nos espaços públicos, mesmo a afixada em táxis e ônibus e até em balões suspensos e helicópteros. Diante da dificuldade de entrar em minudências sobre o que é mais e o que é menos nocivo, o que poderia continuar e o que seria proibido, em que condições, em que locais e em que medida, a prefeitura acabou tomando a inspirada decisão de proibir tudo. Os responsáveis têm até o fim do ano para cumprir a lei. No futuro, de acordo com projeto ainda a ser elaborado, a publicidade será permitida apenas no chamado mobiliário urbano – pontos de ônibus, bancas de jornais, lixeiras, relógios e banheiros públicos.

Em outra frente de combate, a lei regulamenta as dimensões e a altura dos letreiros que identificam estabelecimentos comerciais. O McDonald’s não poderá fincar o totem onde espeta o ‘M’ que o identifica a mais de 5 metros de altura, o máximo permitido para esse tipo de suporte. Padarias e açougues, mas também lojas de grife e bancos, terão de adaptar-se à regra de que, para uma área de 10 metros de fachada, o tamanho máximo do letreiro deverá ser de 1,5 metro quadrado e, para uma área entre 10 e 100 metros de fachada, o máximo permitido será de 4 metros quadrados.

São Paulo é uma cidade que nasceu distante e desamparada. Foi a primeira cidade brasileira do interior e, por isso mesmo, durante a maior parte do período colonial, a menos contemplada, tanto pelo apoio quanto pela vigilância da metrópole. Quando despertou de seu longo sono e começou a crescer, na virada do século XIX para o XX, o fez de modo alucinado. Saltou de 65.000 habitantes, em 1890, para 240.000 em 1900 (aumento de 3,5 vezes em dez anos), 590.000 em 1920 e 1,3 milhão em 1940, para não falar nos números mais recentes. Tais circunstâncias fizeram dela o lugar ideal para o caos se instalar. Ele se instalou com gosto e volúpia. Na questão que é objeto da nova lei, São Paulo foi tão tomada de assalto pela poluição visual quanto as cidades indianas pelos mendigos e as chinesas pelas bicicletas. Se São Paulo tivesse uma Torre Eiffel, um anúncio luminoso seria pendurado na ponta. Se tivesse um Pão de Açúcar, cartazes lhe cobririam a encosta. Vá se querer enxergar uma cidade na barafunda de imagens de que foi revestida.

Forças poderosas mobilizaram-se contra a nova lei. Na linha de frente figuraram as empresas de publicidade e a Associação Comercial. Claro que se recorreu ao argumento, meio chantagista, tão comum quando interesses privados confrontam com o bem comum, da perda de empregos que representaria a desmobilização daquilo que nos meios especializados é conhecido como ‘mídia externa’. Também o combate ao lenocínio ou ao narcotráfico representa ameaça a empregos. Num setor forte como o publicitário, quando um canal de expressão é fechado se abrem ou se alargam outros, o que significa que novos empregos acabam por substituir os antigos. A própria perspectiva apontada pela prefeitura, de concentrar a publicidade no mobiliário urbano, já cria a compensação de oferecer suportes publicitários que, por serem mais raros, e não estarem submetidos à concorrência selvagem característica da atual permissividade, despontam com um potencial de muito maior valor do que o dos meios atuais.

Não há só ganância, há também burrice na defesa do panorama que emporcalha a cidade. A brutal concorrência entre os diversos anúncios lhes rouba o efeito. Em certas ruas, em especial as de comércio popular, letreiros, placas, faixas, cartazes e bandeirolas encobrem uns aos outros. Argumentos como esses não apaziguaram os opositores da nova lei. Derrotados no lobby que exerceram durante o período de tramitação, eles se preparam agora para ações na Justiça. Também contam com a possibilidade de a Câmara vir a atenuar as proibições quando votar a prometida lei do mobiliário urbano. São indicações de que é cedo para festejar. Caso a nova lei venha a ser derrotada na Justiça, desfigurada pela tibieza da prefeitura ou da Câmara, ou fulminada pela síndrome tão brasileira das leis que ‘não pegam’, será, depois das esperanças que despertou, sinal de que tudo está, sim, perdido.”



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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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