Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Governo do DF reprime professores

No dia 15 de outubro, foi comemorado o Dia do Professor, data em que se homenageiam os responsáveis pelo desenvolvimento da educação e do conhecimento no país, abrangendo um escopo de profissionais que trabalham desde a educação infantil até o ensino superior universitário. Como todos sabemos, trata-se de uma das mais importantes profissões praticadas no mundo. Afinal, sem ela a transmissão de conhecimentos e a correta apreensão destes pelas pessoas seriam praticamente impossíveis.

A origem do dia do professor se deve ao fato de, em uma data de 15 de outubro, o imperador D. Pedro I ter instituído um decreto que criou o Ensino Elementar no Brasil, em 1827, com a criação das escolas de primeiras letras em todos os vilarejos e cidades do país. Além disso, o decreto estabeleceu a regulamentação dos conteúdos a serem ministrados e as condições trabalhistas dos professores.

Tempos depois, mais precisamente no ano de 1947, o professor paulista Salomão Becker, em conjunto com três outros profissionais da área, teve a ideia de criar nessa data um dia de confraternização em homenagem aos professores. Mais tarde, em 1963, a data foi oficializada pela lei Decreto Federal 52.682, que, em seu Art. 3º, diz que “para comemorar condignamente o dia do professor, os estabelecimentos de ensino farão promover solenidades, em que se enalteça a função do mestre na sociedade moderna, fazendo delas participar os alunos e as famílias”.

Sabe qual é o presente que o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), oferece aos professores, em pleno mês comemorativo de uma profissão tão honrada? “Pau, pão e pano”. Foi com essa orientação “proverbial” que o jesuíta italiano André João Antonil, em Cultura e opulência do Brasil (1711), ressaltou a importância do trabalho escravo no Brasil, chegando a criar uma metáfora que lembra a concepção aristotélica “naturalizada” acerca da “complementariedade dos interesses” entre senhor e escravo: “Os escravos são as mãos e os pés do senhor do engenho, porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente.”

Os instintos escravocratas e ditatoriais

Os conselhos de outro jesuíta de origem italiana, Jorge Benci, expressos no livro Economia cristã dos senhores no governo dos escravos (1700), deixam transparecer claramente o castigo corporal como peça-chave para a manutenção das relações entre senhor e escravos: “Haja açoites, haja correntes e grilhões, tudo a seu tempo e com regra de moderação devida; e vereis como em breve tempo fica domada a rebeldia dos servos; porque as prisões e açoites, mais que qualquer outro gênero de castigos, lhes abatem o orgulho e quebram os brios.”

A persistente mentalidade escravocrata toma conta da gestão de Rodrigo Rollemberg. Autoritário, o ditador, na pele de democrata, investiu, covardemente, a política militar repressiva contra os professores da rede pública de ensino do Distrito Federal. Assim, o dia 28 de outubro de 2015 entra para a história como um dos capítulos mais horrendos da má educação brasileira. O Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) usou gás lacrimogêneo, spray de pimenta e balas de borracha para censurar os manifestantes que estão insatisfeitos com o não cumprimento da lei do reajuste salarial por parte do GDF. Em vídeos divulgados pela TV e pela internet, registrou-se uma série de abusos de poder cometidos pelas autoridades policiais que se fizeram valer do uso viril da força humana e armamentista para amedrontar professores no Eixo Rodoviário Sul. Sofrendo danos físicos e morais, educadores foram algemados e levados presos à Delegacia, onde sofreram humilhações de todo o tipo por parte dos “agentes de segurança pública”. Rasgou-se mais uma vez a Constituição Federal de 1988, considerando as prerrogativas legais e democráticas consubstanciadas, por exemplo, na defesa da dignidade humana, da liberdade de expressão e da manifestação de greve. Continua tendo razão de sobra o saudoso músico Sérgio Sampaio, em Polícia, bandido, cachorro, dentista (2006):

“Eu tenho medo de polícia, de bandido, de cachorro e de dentista/Porque polícia quando chega vai batendo em quem não tem nada com isso/Porque bandido quase sempre quando atira não acerta no que mira/Porque cachorro quando ataca pode às vezes atacar o seu amigo/Porque dentista polícia minha boca como se fosse bandido/Porque bandido age sempre às escuras como se fosse cachorro/Porque cachorro não distingue o inimigo como se fosse polícia/Porque polícia bandideia minha boca como se fosse dentista.”

A mídia irresponsável compôs o tripé ditatorial, ao lado do GDF e da PM, estigmatizando os educadores como “radicais” (extremistas) e bancando versões hegemônicas e cínicas, do tipo: “Os profissionais da educação entram em confronto com o Batalhão de Operação Policiais Especiais (Bope),” Ainda na matéria “Brasília sitiada”, os repórteres Thiago Soares, Isa Stacciarini e Bernardo Bittar, destacaram, no Correio Braziliense de 29/10/2015, que “professores em greve fecham as principais saídas da cidade, além da Rodoviária do Plano, e provocam caos no trânsito”. Mais uma vez, foi reforçada a injusta imagem de professores grevistas como vândalos e baderneiros que põem risco a ordem pública e o bem-estar social.

Historiador formado pela Universidade de Brasília (UnB), Rodrigo Rollemberg preferiu ouvir Thomas Hobbes a Paulo Freire. Fez do seu governo uma espécie de monstro – o Leviatã – que concentra todo o poder em torno de si, ordenando, com mãos de ferro, todas as decisões da sociedade. Nem que, para isso, sob o álibi de fazer uso legítimo da força, enquanto prerrogativa de um chefe de Estado para manter a ordem social, sejam convocados os instintos escravocratas e ditatoriais para promover a pedagogia do oprimido em detrimento da pedagogia da autonomia.

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Marcos Fabrício Lopes da Silva é professor universitário, jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários