Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

A Santa Inquisição hoje


Leia abaixo a seleção de sexta-feira para a seção Entre Aspas.


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CINEMA
Luiz Carlos Merten


A Santa Inquisição hoje, sob a luz de Goya‘Se você der crédito às referências dos críticos, nacionais e estrangeiros, corre o risco de achar que Sombras de Goya, que estréia hoje, é um portentoso fracasso de Milos Forman. Prefira apostar no próprio currículo do artista. Forman já fez outros filmes que também foram recebidos a pancadas. Na Época do Ragtime teria sido outro de seus ‘fracassos’, mas é um dos maiores ataques de Hollywood ao racismo. Sombras de Goya pode surpreender com sua narrativa que se desenvolve muito mais em duas metades do que na clássica estruturas em três atos. Pode vir daí o desconcerto que provoca este filme tão radical sobre a ambivalência humana.


Forman gosta de definir Goya, o grande pintor espanhol do século 18, como o mais corajoso dos covardes e é assim que o retrata neste filme suntuoso. Tendo vivido sob dois regimes tão totalitários, o próprio Forman sabe dos compromissos que as pessoas muitas vezes têm de aceitar para sobreviver. Goya podia ser reservado na vida, mas foi corajoso na arte. Ele sabia que estava deixando um testemunho sobre seu tempo. No filme, o diretor mostra o desagrado (e o espanto) da rainha quando Goya descerra o véu e ela aparece como é, sem nenhuma idealização, naquele quadro. Goya fez gravuras de metal sobre os desastres da guerra, mas o trabalho só foi divulgado anos após sua morte. As ‘pinturas negras’ também não foram feitas para ser mostradas ao público da época, mas ocupavam as paredes de seu ateliê. Só isso já faz dele um personagem extraordinário, mas Forman confessa que não foi Goya quem o atraiu em primeiro lugar.


Há muito, ele queria fazer um filme sobre a Inquisição espanhola, a Santa inquisição. Ainda garoto, aos 17, 18 anos, Forman, então um jovem idealista na Checoslováquia, leu um livro sobre a Inquisição que lhe pareceu estranhamente próximo do que ocorria ao seu redor, sob o comunismo. As pessoas contrárias ao regime desapareciam e depois admitiam seus erros revolucionários, sendo muitas vezes presas ou executadas. Suspeitava-se, já, naquela época, que as confissões fossem obtidas por meio da tortura. A Inquisição, Forman reflete hoje em dia, não era muito diferente dos totalitarismos sob os quais viveu, o nazismo e o comunismo.


A Inquisição, portanto, o atraía, mas não especificamente Goya. Quando foi pela primeira vez ao Museu do Prado, em Madri, ele admite que seu interesse maior era por Hieronymus Bosch, mas conheceu Goya como retratista da guerra e ficou impressionado. O projeto de Sombras de Goya começou a tomar forma mais recentemente, um pouco porque Forman, que se divide hoje entre a Europa e os EUA, sente estar vivendo sob uma nova Inquisição (a de George W. Bush) e também é bombardeado a todo momento pelas imagens da guerra (do Iraque, principalmente) veiculadas na mídia. Nesse contexto, Goya e a Inquisição se impuseram para ele. Em parceria com Jean-Claude Carrière, seu parceiro em Valmont – adaptado do romance epistolar de Choderlos de Laclos -, Forman desenvolveu esse roteiro tão pouco convencional.


São praticamente dois filmes, ou duas histórias unidas pela figura de Goya, às quais ele fornece um nome e uma unidade, sem ser realmente o protagonista. Forman se explica – existem poucas informações sobre a vida de Goya. Tudo o que ele deixou – cartas e documentos – refere-se muito mais à sua atividade como artista. Ele comenta misturas de tintas, pinceladas, dá os nomes de aristocratas que pechincham o valor de seus quadros, mas secreta a própria emoção diante do mundo convulsivo em que produziu sua obra. Goya é um daqueles casos em que a obra predomina sobre o criador, pouco se sabendo sobre ele. Um pouco por isso, Forman e Carrière foram criando esse roteiro que é mais sobre Inès e Padre Lorenzo. Stellan Skarsgaard é o ator que faz Goya. Natalie Portman e Javier Bardem fazem Inès e Lorenzo.


Na primeira parte de Sombras de Goya, a Inquisição quer usar o pintor como exemplo a ser punido, mas, ao se aproximar dele, o inquisidor – Padre Lorenzo – interessa-se mais pelo caso de Inès e sua família. Inès é uma modelo de Goya. É judia convertida, mas não sabe disso. Chamada para interrogatório, ela fica presa, o que motiva a reação violenta de sua família aristocrática. Na cela da Inquisição, Inès é estuprada por Lorenzo, de quem tem uma filha. A narrativa sofre um corte de 16 anos e prossegue com outros personagens, ou com alguns dos mesmos personagens tão mudados que parecem outros. Goya, agora surdo – metáfora do seu isolamento -, assiste à invasão da Espanha por Napoleão. Lorenzo, que fugira ao ser desmascarado, agora está de volta como outro tipo de inquisidor, a serviço do racionalismo do invasor francês. Natalie Portman faz dois papéis nessa fase – é a Inès que sai destroçada da prisão e sua filha que virou prostituta.


Como um eixo, Goya fornece um ponto de união às duas histórias que ilustram tudo o que existe de contraditório e ambivalente, de bom e de mau, na natureza humana. E os personagens não são maniqueístas. Lorenzo não é um simples vilão. Inès não é uma simples vítima. Pois outro tema do filme é o amor. Muitos críticos acharam o desfecho pessimista, mas, sem entrar em detalhes, para não tirar a graça, Forman é o primeiro a dizer que se trata do contrário. De alguma forma, Inès vai conseguir tudo o que quer, o homem amado e a filha, mas de uma forma atravessada que induz ao pensamento negativo sobre o desfecho.


Forman já fez outros filmes sobre o século 18 – Amadeus e Valmont. A suntuosidade cênica de Sombras de Goya não é nenhuma novidade em sua carreira, quase sempre marcada pela parceria com o produtor Saul Zaentz, que lhe dá carta branca (como ele diz – não é preciso nem estabelecer o direito de ‘final cut’ por contrato). Forman também já falou sobre artistas e a loucura humana. Um Estranho no Ninho mostra que há lucidez na loucura e Amadeus vai na contramão, insinuando que o gênio (Mozart) pode ter alguma coisa de louco. Essa ambivalência é sempre essencial no projeto autoral de Milos Forman. E ele é um detalhista. Um dos aspectos não negligenciáveis deste poderoso Sombras de Goya é o aspecto quase documentário. Forman e Carrière recorreram a todos os documentos disponíveis para poder mostrar como era o método do pintor. E Forman não nega. Queria trabalhar com Javier Bardem, depois de ver o ator em Antes do Anoitecer e Mar Adentro. Deste último, aproveitou também o diretor de fotografia, Javier Aguirresarobe. Como diz Forman, para captar a luz de Goya, só um grande operador espanhol.


Serviço


Sombras de Goya. EUA-Espanha/2007. 113 min. Dir. Milos Forman. 14 anos. Cotação: Ótimo’


 


Antonio Gonçalves Filho


Espectros de um pintor das trevas


‘O francês Jean-Claude Carrière, aos 76 anos, acumulou vasta experiência como roteirista de filmes sobre personagens históricos, de Casanova (Le Retour de Casanova, 1992) a Maria Antonieta (Marie-Antoinette, 2006), passando por Galileu (Galilée ou L’Amour de Dieu, 2006). Por força de sua colaboração com Buñuel, sua relação com a Espanha é igualmente expressiva. Assim, o livro Os Fantasmas de Goya, inspirado no filme Sombras de Goya (ele foi escrito com base no roteiro), resulta de uma pesquisa histórica acurada e revela a maneira muito particular de Carrière ver a cultura espanhola como uma projeção da luta entre trevas e luz registrada nos quadros de Goya. Se a tradução cinematográfica do embate fica mais próxima de uma ilustração desse pensamento, a literatura ganha – e muito – ao aprofundar questões que o cinema, por um problema de tempo, trata de maneira sintética.


Exemplo evidente dessa simplificação é o tratamento dispensado ao monge Lorenzo (Javier Bardem), dividido entre a paixão carnal e a defesa irracional da restauração dos poderes da Inquisição. Há um hiato entre sua estadia na França e a volta à Espanha 16 anos depois, já como um braço poderoso do novo regime. No filme, fica-se sem saber como Lorenzo passou essa temporada francesa. Já no livro Os Fantasmas de Goya (Companhia das Letras, 318 págs., R$ 44), Carrière gasta meia centena de páginas para concluir que um espanhol reacionário e nascido numa família de camponeses, em contato com os ideais da Revolução Francesa, podia até entender intelectualmente o que significa liberdade, igualdade e fraternidade, mas teria dificuldades para colocar em prática as lições aprendidas.


Lorenzo defende a restauração das forças mais retrógradas da Espanha inquisitorial como último recurso do hipócrita que é. Coloca-se como escudo contra o ‘declínio moral’ espanhol e não hesita em recomendar aos superiores do clero a aplicação de métodos inquisitoriais quando colocado sob suspeita por ter encomendado um retrato a Goya. O pintor, que passou os cinco anos de sua convalescença estudando a filosofia dos revolucionários franceses, não precisou viver entre eles para saber que o sono da razão também produz monstros como Lorenzo, finalmente punido pelo próprio sistema que defendeu. Carrière, um artista, toma naturalmente o partido de Goya. Não usa a surdez do pintor como alegoria, mas reforça que o traço introspectivo de sua personalidade se acentuou com a desconfiança na razão.


O Goya do livro não é um Goya apolítico ou alienado. É cáustico, satírico, como comprova a série Caprichos, da qual o trabalho mais popular é justamente O Sono da Razão Produz Monstros. Na gravura, Goya mostra um cinqüentão (ele próprio, dizem) vencido pelo cansaço na mesa de trabalho e acossado por demônios pessoais que, ao mesmo tempo, o induzem a criar, justamente para usar a imaginação contra a ignorância. Nesse sentido, Carrière adota sem questionar a tese do crítico Robert Hughes sobre o pintor: Goya, apavorado diante de sua misteriosa doença que o deixou surdo, teria dado uma resposta emocional e artística aos horrores da opressão e aos desastres da guerra. Sem condições de confrontar a barbárie corpo a corpo, deixaria como legado a denúncia de sua arte. Hughes jamais se deixou convencer pelo discurso de outros historiadores, que viram em Goya o típico herói romântico do século 18 a lutar corajosamente contra os poderosos, um revolucionário antimonarquista e libertário sexual. Para Hughes, alguém que desfrutou durante anos as benesses da monarquia não poderia ter sido tão autônomo assim.


Seguindo os passos de Hughes, Carrière retrata o pintor como um artista que circulou entre dois mundos com relativa dependência ideológica, mas extremamente crítico tanto em relação aos aristocratas como à plebe rude. Pintou, sim, reis e inquisidores, assim como gente do povo, nunca esquecendo que vivia em meio a provincianos, numa Espanha católica e conservadora, resistente à influência iluminista, até finalmente se curvar ao poder de Napoleão. Mais que um simples historiador de sua época, Goya teve consciência de seu papel denunciador. Visionário, subverteu as regras da boa conduta artística ao fazer experiências heréticas com a gravura (a série dos Caprichos usa modulações como na pintura, criando sombras improváveis). Essa resistência às regras fez dele o artista que é, defende Carrière, ao associar sua integridade ao compromisso com a arte – e só com ela. Mas fala pouco do persistente ceticismo que o levou ao auto-exílio em Bordeaux. Goya não podia acreditar em revoluções que produziam barbárie e degradação. Conflitos bélicos nunca terão vitoriosos, como atesta sua conhecida série Os Desastres da Guerra.


No entanto, o dualismo que perseguiu Amadeus, fazendo da ‘mediocridade’ de Salieri o contraponto da genialidade mozartiana, contamina as páginas de Os Fantasmas de Goya e o filme que o inspirou. Carrière e Forman não resistem à sedução binária. Desde o primeiro momento em que pensou no filme, Forman pretendia transformar a invasão do território espanhol na época de Goya numa metáfora do totalitarismo que fez da Checoslováquia um satélite russo durante anos. Mesmo com todos os esforços de Carrière em consultar historiadores espanhóis, é inevitável a simplificação do processo histórico que levou Goya a ser mais que um crítico do absolutismo e das superstições de seu povo. A modernidade de um homem como ele, deprimido e desiludido com a idéia de progresso antes mesmo de qualquer pós-moderno, é pouco explorada nesse livro que, a despeito de ser menos difuso que o filme, ainda conserva traços de liberdade ficcional um tanto traumáticos – ainda mais por se tratar de um artista tão exaustivamente analisado em outras biografias. Está certo: mais que um peso metafísico, luz e trevas têm um peso moral em Goya. Mas Carrière não precisava ser tão cartesiano.’


 


HOLLYWOOD
O Estado de S. Paulo


Greve pode custar US$ 2,5 bilhões


‘A greve iniciada pelo Sindicato de Roteiristas Americanos (WGA) no dia 5 de novembro pode custar à economia de Los Angeles um prejuízo de US$ 380 milhões a US$ 2,5 bilhões. As estimativas dependem do tempo que durar a paralisação e dos parâmetros usados pelas companhias. A conta inclui os salários de roteiristas e outros trabalhadores, caso a greve se mantenha até o fim da temporada 2007-2008 da TV. A greve provocou perdas de US$ 220 milhões até o momento. A última greve de roteiristas ocorreu em 1988 e causou mais de US$ 500 milhões em perdas. Roteiristas e produtores discutem a venda das séries de TV em DVD e via internet.’


 


TELEVISÃO
Keila Jimenez


Duas Caras só às 21h


‘A Globo deve acatar a decisão do Ministério da Justiça de reclassificar a novela Duas Caras como imprópria para menores de 14 anos. A trama de Aguinaldo Silva, que vinha sendo exibida com classificação de 12 (inadequada para exibição antes das 20 horas) agora terá de ir ao ar apenas após as 21horas.


O MJ explica que apesar de a Globo ter firmado compromisso de manter a trama dentro dos critério que asseguram a classificação de 12 anos, a emissora não cumpriu o prometido e levou ao ar cenas impróprias para o horário. Foi com base nessas cenas e em denuncias recebidas pelo MJ que a trama foi reclassificada.


O que mais pesou nessa decisão foram as cenas da personagem Alzira (Flávia Alessandra) dançando na uisqueria da novela. Apesar do autor Aguinaldo Silva prometer explodir a boate de Alzira, e a Globo se comprometer a diminuir as cenas de pole dance, o MJ preferiu manter a reclassificação.


A Globo, que alega não ter sido informada ainda da decisão, tem cinco dias para pedir reconsideração. Mesmo assim, a rede promete acatar a determinação do MJ, sem maiores problemas.’


 


LIVROS
Roberta Pennafort


Enfim, a hora e a vez dos leitores jovens


‘Dizem os especialistas que o leitor é formado entre os 7 e os 13 anos. É justamente nessa fase da pré-adolescência que alguns dos autores que participaram da última Bienal do Livro do Rio têm concentrado seus esforços – especialmente nas meninas, que lêem mais do que os meninos. Ao se avaliar os resultados das vendas durante a feira, vê-se que eles estão certos: entre os nomes mais bem-sucedidos, destacou-se o de Thalita Rebouças, com 10 mil exemplares.


Em sete anos de carreira, sua marca chega a 100 mil exemplares vendidos. No Brasil, um título que venda entre 15 e 20 mil já entra nas listas de best-sellers publicadas em jornais e revistas. O sucesso de Thalita impressiona mesmo: seu livro Fala Sério, Amor! foi o mais vendido do estande da Editora Rocco na Bienal (ficou na frente de Lygia Fagundes Telles e seu Conspiração de Nuvens e de Ildefonso Falcones, do grande sucesso A Catedral do Mar).


Bastam alguns minutos a seu lado para perceber sua popularidade entre as garotas. A pergunta ‘quem aqui é a maior fã da Thalita?’ é respondida com um sonoro ‘eeeeeeeeuuu!’ A autora, que escreve com precisão sobre o mundo delas (namoros, amizades, escola e família estão sempre presentes nas histórias), esteve todos os dias na Bienal. Mas, ainda assim, teve até pai furando fila para pegar um autógrafo.


Entre as garotas (a maioria entre 10 e 15 anos), a ansiedade para chegar perto de Thalita é enorme. A espera, no entanto, é recompensada. A escritora trata a todas como se já as conhecesse – e mais: age como se fossem todas da mesma idade. ‘Elas acham que eu sou a melhor amiga delas. Vão aonde eu estou. Uma vez uma mãe disse uma coisa linda: que eu era a ‘amiga de antes de dormir’ da filha dela’, contou a autora de Tudo por Um Feriado (o último lançamento) e Traição Entre Amigas (o primeiro).


A entrevista ao Estado foi dada durante a Bienal, entre uma dedicatória (com direito a beijo de batom, em Xuxa) e um abraço apertado numa fã. O marido ficou de fotógrafo oficial – as fotos são sempre colocadas no site de Thalita. Ela também está no orkut e tem uma coluna na revista Atrevida.


As ferramentas fazem com que o público se sinta cada vez mais próximo, íntimo até. Talvez seja essa uma diferença fundamental da literatura infanto-juvenil que se faz hoje e daquela de que fomos leitores. Durante a Bienal e em tardes de autógrafos, meninos e meninas que já se comunicam com seus escritores prediletos pela internet podem conhecê-los pessoalmente, conversar com eles e até lhes contar segredinhos.


Não se trata mais de uma relação distante, ratifica Inês Stanisieri, autora de quatro livros para meninas e um para meninos que, em apenas três anos e numa editora pequena, já superou a marca dos 115 mil exemplares vendidos. ‘As personagens são muito reais, passam por coisas que as meninas também passam. Então a relação é muito diferente da relação com outro tipo de autor: elas pedem conselho, falam intimidades.’


No estande da Editora Leitura na Bienal – ela foi para a Planeta recentemente -, Inês foi a mais vendida. Na Planeta, pela qual está lançando Superblog das Maravilhosas Mari, Luma e Carol (as três personagens de seus livros anteriores) e Caderno Podrão do Bolinha e do Bolão (sua estréia no universo dos meninos), foi a campeã na linha para a garotada.


O fenômeno não é isolado: na Record, a listagem dos cinco títulos que mais saíram nos 11 dias da Festa do Livro foi formada também por infanto-juvenis (do selo Galera): A Princesa no Limite – O Diário da Princesa 8, Gossip Girl 1 – As Delícias da Fofoca, It Girl – Garota Problema, Gossip Girl 8 – Nunca Mais e O Livro Perigoso para Garotos.


No caso das pré-adolescentes, a avidez com que as garotas consomem livros como os seus, acredita Inês, se deve ao fato de elas terem ficado esquecidas por muito tempo, já que o alvo, até então, eram as meninas um pouco mais velhas. ‘A pré-adolescência era uma etapa desvalorizada, mas é uma fase em que acontecem muitas coisas importantes: o primeiro beijo, a primeira menstruação’, lembrou. Agora, depois de um ano de pesquisa, que incluiu conversas com garotos e estudo de psicologia, Inês está se voltando ao público masculino. ‘As pessoas dizem que os meninos só lêem terror e aventura, mas é porque é só isso que oferecem a eles’, acredita. No Caderno Podrão, tem de tudo um pouco do que eles adoram: esportes, videogame, escatologia e… garotas.’


 


Ubiratan Brasil


Um engraçado guia do Rio de Janeiro, atual e nada turístico


‘Em dia de chuva, todo o Rio de Janeiro é praticamente um lago, perigosíssimo em certos pontos – a frase, hoje corriqueira, soava maledicente quando publicada pelo escritor Marques Rebelo, em 1960. Na época, ele foi responsável por uma série de 14 colunas editadas no jornal Última Hora, que antecipava a comemoração do quarto centenário da cidade (ocorrido em 1965) com uma homenagem satírica. Trata-se do Guia Antiturístico do Rio de Janeiro, cuja compilação as editoras Desiderata e Batel lançaram agora em parceria (120 págs., R$ 35).


Poucos dissecaram a alma e as nuanças cariocas como Rebelo, pseudônimo de Eddy Dias da Cruz (1907-1973). Contista, poeta, romancista, cronista, diretor de rádio, teatrólogo, publicitário, crítico de cinema, de rádio e de música popular, e ainda instrutor escolar de defesa passiva antiaérea, Rebelo exercia todos os seus múltiplos talentos com um inegável azedume. Dizia Carlos Drummond de Andrade do amigo: ‘Falava o que não devia, para fazer rir e rir ele mesmo do riso que provocava, sem maldade. Encontrá-lo por acaso na rua era uma festa; tê-lo em casa, para a conversa desenfreada, outra maior. Quem ia casmurro e pensando no pior iluminava a mente em cinco minutos de papo com ele.’


Drummond sabia do que dizia pois seu médico, preocupado com seu espírito fechado, recomendou-lhe doses semanais do humor publicado por Rebelo. E suas frases, de fato, não deixavam pedra sobre pedra de tão lapidadas. Sobre a Lagoa Rodrigo de Freitas, por exemplo, dizia servir de ‘espelho a inúmeras favelas e para matar peixes’. E sobre o povo? ‘30% da população masculina é casada, enquanto que 60% da feminina também o é, pelo menos usa aliança.’


O Guia Antiturístico do Rio de Janeiro reúne 55 descrições da cidade em uma espécie de inventário bem-humorado das mazelas cariocas. Os textos foram oferecidos ao editor Carlos Barbosa, da Batel, pelo filho de Marques Rebelo, o artista plástico José Maria Dias da Cruz. Barbosa criou laços de amizade com a família quando trabalhava na Nova Fronteira, na qual coordenou a reedição da obra do escritor (ainda é possível descobrir nas livrarias obras de fino quilate como A Estrela Sobe e Marafa). ‘O material virou uma espécie de lenda’, observa. ‘E o guia tem essa combinação de ternura e sarcasmo, característica da obra do autor.’


A edição, coordenada também por Martha Batalha, da Desiderata, ganhou ilustrações de Jaguar e prefácio de Millôr Fernandes, além de comentários em notas de Sérgio Cabral. ‘O autor é engraçado, quando profundo, e profundo, quando divertido’, comenta Millôr que, na introdução, alimenta a lista de aforismos a partir de uma entrevista que fez com Rebelo. Traçam um perfil do escritor, da crítica (‘A televisão é a maravilha da ciência a serviço do cretinismo’) à ternura (‘Só compreendo viver no Rio. Conheço o Rio como conheço meu coração’).’


 


ROUBO NO MASP
Bruno Tavares, Marcelo Godoy e Jotabê Medeiros


Em 3 minutos, Masp perde Picasso e Portinari avaliados em R$ 100 mi


‘Foi fácil, simples e barato. Os ladrões que furtaram um Picasso e um Portinari avaliados em US$ 55,5 milhões (em torno de R$ 100 milhões) gastaram cerca de R$ 220 para comprar um macaco hidráulico, um pé-de-cabra e uma marreta. Eles deram muitos avisos de que estavam decididos a levar os quadros. O ataque de ontem foi o terceiro desde 29 de outubro. Naquele dia, falhou a tentativa dos bandidos de entrar no museu armados com revólveres. Há três dias, eles usaram um maçarico em uma porta dos fundos, mas os ladrões fugiram depois de avistados pelos vigias. Os fracassos não os fizeram desistir. E, em vez de reforçar a segurança, o Masp resolveu desligar seu alarme.


Assim, às 5h09 de ontem, eles não precisaram de armas de fogo para dominar vigias ou driblar sistemas de segurança modernos. Entraram no Masp como antigos arrombadores: à noite, aproveitando descuido da segurança. Com pé-de-cabra e macaco, forçaram a placa de ferro que fechava a escada que, do vão livre, dá acesso ao prédio. Subiram dois lances de escada e usaram a marreta para quebrar o vidro que fechava o salão do acervo permanente. Pegaram os quadros e saíram. Tudo em três minutos.


Deixaram para trás o pé-de-cabra, o macaco e um fone de ouvido. ‘Acreditamos que o bando que levou os quadros é o mesmo que tentou entrar antes no museu’, disse o delegado Marcos Gomes de Moura, do 78º DP. No dia 29, os bandidos chegaram às 6 horas. Dois homens disfarçados de vigias dominaram os seguranças Francisco das Chagas e Odillon de Souza e perguntaram onde era o elevador. Queriam chegar ao acervo, no 2º andar. Os seguranças disseram que não tinham as chaves das portas das salas. Os ladrões não desistiram. Ao tentarem forçar a entrada, o alarme disparou. Eles fugiram.


Na época, a polícia desconfiava de um ataque ao acervo ou à bilheteria. Há três dias, os bandidos do maçarico fugiram pela Avenida 9 de Julho, depois de flagrados pelos vigias. A ação não foi registrada em boletim de ocorrência, e a polícia só tomou conhecimento dela ontem, depois do furto das telas.


Para a polícia, há indícios de que o crime foi encomendado. ‘Eles foram direto no Portinari (O Lavrador de Café, avaliado em US$ 5,5 milhões) e no Picasso (Retrato de Suzanne Bloch, que vale US$ 50 milhões)’, disse o delegado. No caminho, os ladrões passaram por quadros mais valiosos, como o Rosa e Azul, de Renoir, mas os deixaram para trás.


Os criminosos aproveitaram a troca de turno dos três vigias. Os da madrugada saíram dos postos antes que os da manhã chegassem. ‘É que já ?tava? de dia’, foi a explicação que um deles deu aos policiais. Quando se arrombou a placa de ferro que fecha a escada, não havia ninguém na sala de monitoramento das câmeras do museu para dar o alerta.


As imagens das câmeras mostram três bandidos, dois deles encapuzados, dentro do Masp. A polícia suspeita que um quarto ficou fora, dando cobertura – daí o fone de ouvido achado. Os vigias nada viram ou ouviram. Nem mesmo a marretada na porta de vidro do acervo permanente foi escutada.


COLABOROU RODRIGO PEREIRA’


 


Antonio Gonçalves Filho


Obras são marcos nas carreiras dos dois pintores


‘É provável que os ladrões que furtaram o Masp não conheçam história da arte o suficiente para saber que ambas as pinturas representam momentos cruciais na carreira dos artistas. Mas foram informados de que Picasso vale US$ 50 milhões, e Portinari, em torno de US$ 5,5 milhões. Não é preciso ser expert para saber que esses valores são fixados também em função da raridade. Um Picasso da fase azul, como a tela furtada, é mais raro que um da fase cubista, da qual o Masp tem o óleo Busto de Homem (O Atleta), de 1909. E mais valioso que o pastel a óleo sobre papel Natureza-morta com Melancia e Cacto (1948) ou o óleo Toalete (Fernande), de 1906.


Da mesma forma, há pinturas de Portinari da época de O Lavrador de Café (1939) que são representativas de suas preocupações sociais, mas nenhuma comparável a esta. Numa mesma tela, Portinari evoca a herança escravagista e sua infância como descendente de colonos italianos, ao retratar um lavrador negro numa fazenda de café atravessada por uma locomotiva – a ponte entre o mundo arcaico e o progresso. Portinari, que une a história da imigração e da cultura cafeeira, tem outras duas telas no Masp (O Último Baluarte – A Ira das Mães e São Francisco). Nenhuma tão importante como a obra furtada. Portinari, cuja produção ficou na mão de colecionadores particulares (95% das obras), tem poucas pinturas em museus paulistas (por enquanto, a Pinacoteca é um deles).’


 


William Glauber


Acervo de 8 mil obras é avaliado em R$ 17 bilhões


‘A junção do poder político e econômico do empresário de comunicação Assis Chateaubriand e o conhecimento acadêmico do crítico de arte Pietro Maria Bardi resultou na formação do principal acervo de artes da América Latina. Os interesses comuns do paraibano e do italiano fundaram o Museu de Arte de São Paulo (Masp), em 2 de outubro de 1947. Atualmente, as 8 mil obras, avaliadas em R$ 17 bilhões, tornam o museu referência internacional em arte.


Para compor tal acervo, a missão de Chateaubriand era financiar as compras e a Bardi caberia a missão de escolher as obras. O arquiteto Marcelo Ferraz, que trabalhou por 15 anos com Lina Bo Bardi, que projetou o atual prédio do Masp, de 1968, conta que a parceria deu certo porque eles se aproveitaram da crise de famílias européias no pós-Guerra para adquirem obras por bagatela. ‘Foi um trio fantástico.’


Proprietário dos Diários Associados, com 34 jornais, 36 rádios e 18 emissoras de televisão, Chateaubriand, além de dinheiro, articulou também sua influência para convencer empresários nas décadas de 1940 e 1950 a pagarem pelas obras. Nesse jogo, chantagem e ameaças trouxeram ao acervo do museu obras importantes de artistas como Goya, Renoir, Ticiano, entre muitos outros.


Antes de ocupar o prédio atual, o Masp ocupou o número 230 da Rua 7 de Abril, já com 200 obras no acervo. Em 1968, foi inaugurado na Avenida Paulista o prédio projetado por Lina Bo Bardi. A cerimônia contou com presenças ilustres, como a da rainha Elizabeth II.


DÍVIDAS ANTIGAS


Nem só de glamour, no entanto, viveu o Masp. Além das dívidas recentes, o presidente Juscelino Kubitschek, em 1957, salvou de seqüestro judicial diversas obras do Masp em exposição no Metropolitan Museum de Nova York, detidas por causa de dívida de US$ 6 milhões a credores norte-americanos. A Caixa Econômica emprestou a quantia, e a dívida foi anistiada.’


 


Jotabê Medeiros


Presidente do Masp fica ‘atônito e trêmulo’ ao receber a notícia


‘A surpresa que o presidente do Masp, arquiteto Júlio Neves, teve ao saber do roubo, ontem de manhã, o deixou ‘atônito e trêmulo’, de acordo com alguns de seus principais colaboradores. Ele se preparava, depois de muito tempo de más notícias, para dar algumas boas novas para São Paulo: o museu conseguiu finalmente apoio da Lei Rouanet para captar recursos para realizar exposições. Pediu ao Ministério da Cultura R$ 9.217.700,00 e teve a aprovação de R$ 8.101.730,02 para seu plano anual de atividades.


‘Conversei com o Júlio. Liguei para ele. Estava chateado, aborrecido, mas também me disse que as autoridades estavam ajudando bastante’, contou o presidente da Fundação Bienal de São Paulo, Manoel Pires da Costa, amigo de Neves. ‘Está todo mundo atônito. Essa era uma das últimas coisas que ele podia imaginar que acontecesse.’


Para Pires da Costa, agora principal atitude das autoridades será a de tentar impedir que as obras saiam do País. ‘Não é coisa de amadores, é coisa de uma quadrilha internacional. O Masp é um museu falado no mundo inteiro, tem grande reputação pela quantidade de quadros importantes. Isso deve ter chamado a atenção dos criminosos’, ponderou.


O último profissional que exerceu o cargo de conservador-chefe do museu, o professor Luís Marques, da Unicamp (que dirigiu o Masp entre 1994 e 1997), previa ontem que o roubo teria uma repercussão muito grande no mundo todo.


‘O Retrato de Suzanne Bloch é uma obra-prima da fase azul de Picasso. Há uma coincidência: logo que entrei no museu, fui incumbido de buscar essa obra no Museu Picasso de Paris. Estava emprestada’, afirmou Luís Marques. ‘A obra de Portinari é importante para o Brasil, mas são dois trabalhos muito diferentes, o que torna esse roubo completamente surrealista. Por que foram pegar o Portinari? Ou foi encomendado por um brasileiro ou fizeram isso para confundir.’


Marques não crê na participação de funcionários do museu no crime. O pessoal operacional é antigo, segundo ele, e trabalha no museu desde 1986. Não teria interesse nesse tipo de ação. E os seguranças, na sua avaliação, são apenas pessoas simples que prestam serviço de forma profissional, não têm esse tipo de relação no mundo das artes. ‘Não é necessária uma coisa tão conspiratória para explicar. É uma informação simplésima essa que permitiu o acesso (o horário da troca de guardas)’, argumentou.


Ivo Mesquita, curador da Bienal de SP, foi rigoroso. ‘Embora haja uma fragilidade na questão da segurança dos museus no País, já houve tentativa de assalto recente ao Masp. Então, é uma questão de responsabilidade específica. Que providências foram tomadas desde então? ‘’


 


Caso repercutiu no exterior


‘O furto ao Masp teve repercussão na imprensa internacional, principalmente na Europa.


O jornal italiano La Repubblica chamou o crime de ‘grande golpe no museu de São Paulo, o mais importante da América Latina’.


O espanhol El Mundo lembrou que em outubro ‘dois homens já haviam tentado invadir o museu, mas não conseguiram chegar ao segundo piso, onde está a coleção’.


O site do jornal El País para a América Latina mencionou que a coleção do Masp, considerada uma das mais importantes da América do Sul, foi enriquecida com várias obras que seus donos retiraram da Europa durante a 2.ª Guerra Mundial. ‘Fontes policiais apontaram que os ladrões pareciam profissionais, uma vez que sabiam exatamente o que queriam e onde encontrar’, diz o texto.


O argentino Clarín destacou que o furto ocorreu ‘em apenas três minutos’.


Em suas edições eletrônicas, os jornais franceses Le Monde e Le Figaro se concentraram em explicar as circunstâncias do roubo, mas também abordaram as condições precárias de segurança da instituição, citando fontes do museu e da polícia brasileira.’


 


Pedro Dantas


‘Foi como roubar a alma do povo brasileiro’


‘Abalado com o furto da obra do pai, o professor João Portinari acredita que o ato, definido por ele como ‘uma tragédia’, possa se tratar de um seqüestro. ‘Não consigo atinar a motivação, por isso acho possível a hipótese de que nas próximas horas apareça uma demanda pelo resgate da obra. No entanto, não sabemos se essas pessoas já causaram algum dano irreparável à obra ao manusear a tela’, afirmou o filho de Portinari. Ele classificou como ‘fantasiosa’ a hipótese de um furto encomendado por algum colecionador . Segundo ele, o quadro O Lavrador de Café era um dos poucos do pintor acessíveis ao público.


Diretor do Projeto Portinari na PUC-Rio, o professor criticou a passividade da sociedade diante do furto. ‘Não sinto a mesma intensidade na revolta das pessoas contra esse crime do que a repulsa com o crime financeiro. Foi como roubar a alma do povo brasileiro e se trata como não fosse algo tão grave assim.’


‘O meu conhecimento sobre os fatos do furto é limitado, mas o considero uma tragédia, porque 95% das 5 mil obras de Portinari estão em coleções particulares e longe dos olhos do público. Além disso, o quadro retrata a história do trabalhador brasileiro e da próprio pintor, que em um poema diz: saí das águas do mar e do cafezal da terra roxa, em referência à fazenda de café onde ele nasceu’, afirmou o filho de Portinari.’