Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Agência Carta Maior

CINEMA
Flávio Aguiar

Cinema brasileiro: festa em Berlim, 17/2

‘Contrariando as expectativas e os prognósticos dos críticos de cinema convencionais da imprensa de Berlim, que apontavam `There will be blood´ (´Sangue negro´), de Paul Thomas Anderson (que tem 8 indicações para o Oscar) como favorito, o filme `Tropa de Elite´, de José Padilha ganhou o Urso de Ouro, o grande prêmio do júri, presidido pelo cineasta grego Costa-Gavras.

Anteriormente o filme `Central do Brasil´, de Walter Salles, ganhara o Urso de Ouro, um dos prêmio mais cobiçados do mundo. Na mesma edição, Fernanda Montenegro ganhou o prêmio de melhor atriz. Desta vez, três outros filmes brasileiros foram destacados pelos diferentes júris do festival: `Café com leite´, de Daniel Ribeiro, ganhou o Urso de Cristal na categoria de curtas para jovens; `Mutum´, de Sandra Kogut, ganhou menção honrosa na categoria de filmes infanto-juvenis; e `Ta´, de Felipe Scholl, ganhou o prêmio especial Teddy, de filmes de temática homossexual, uma originalidade do festival de Berlim.

Assim como no Brasil, a recepção de `Tropa de Elite´ em Berlim foi controversa. Houve quem apontasse o filme como de tendências fascistas, ou que mostraria tendências fascistas do público brasileiro.

Padilha e Wagner Moura, que interpretou o capitão Nascimento e que também esteve em Berlim, passaram o tempo inteiro defendendo ambos, o filme e o público brasileito. Conversei com os dois na recepção que a Embaixada Brasileira ofereceu aos cineastas, com um jantar na residência do Embaixador, além de uma coletiva de imprensa alguns dias depois.

Padilha enfatizou que para ele a consideração de seu filme como excitando tendências fascistas foi mais um fenômeno de imprensa do que de público. Segundo ele, tudo começou na estréia do filme, quando artistas e técnicos presentes aplaudiam as cenas pelo trabalho dos atores, não pelo conteúdo das imagens. Um jornal publicou que os presentes aplaudiam as cenas de tortura e violência enquanto tais. Houve o desmentido, que o jornal publicou. Mas a temática se espalhou feito rastilho de pólvora. Ainda segundo Padilha, ele freqüentou dezenas de sessões do filme, em universidades e associações de bairro, e ninguém aplaudiu a violência nem considerou o capitão Nascimento um herói.

A mesma opinião teve Wagner, ressaltando que estranhara, a princípio, que os jornalistas alemães não perguntaram muito sobre a situação brasileira, mas sim sobre sua preparação como ator, que, aliás, foi meticulosa, passando por três meses de treinamento no próprio Bope. De todo modo, os dois tiveram sucesso na sua defesa, pois hoje a conclusão geral em Berlim foi a de que, por mais controverso que o filme seja, ele não é nem excita fascismos. Costa-Gavras que o diga.

Na verdade, o filme de Padilha foi também atingido, no Brasil, pela exibição indevida de sua cópia pirata. `Tropa de elite´é um filme feito para ser visto no cinema. Há certos detalhes que só a tela grande e um sistema perfeito de reprodução da trilha sonora podem tornar evidente. Por exemplo: quando o amigo de Baiano, o traficante, é baleado no final, gotas de seu `sangue´ respingam na lente da câmera, que continua filmando com essa `cicatriz´ que mistura realidade e ficção. De outra parte, só num sistema de som excelente se percebem as nuances da narrativa irônica de Nascimento, que narra a história a partir de um sistema de valores no qual não acredita mais.

Uma perspectiva interessante é a de analisar o filme a partir de uma tradição muito específica do cinema brasileiro, que é a de focalizar situações de violência `sem solução´ para os personagens. A única saída é exatamente `sair´ daquele cenário, o que também se explorou na literatura. Assim é com `Vidas secas´, (romance e filme), com `Pedra Bonita´, de José Lins do Rego, com o filme `O cangaceiro´, de Lima Barreto, que ganhou a palma de Cannes em 1953 como melhor filme estrangeiro, e também com o moderno `Cidade de Deus´, de Fernando Meirelles. Além disso, o capitão Nascimento, como agente da repressão que entra em crise existencial, tem antecedente no enigmático Antonio das Mortes, de Glauber Rocha, nos filmes `Deus e o Diabo na terra do sol´ e `O santo guerreiro contra o dragão da maldade´, exibido no mundo inteiro com o nome do protagonista. Mas isso é tema para um ensaio mais alentado, que oportunamente poderei tentar.

Padilha me contou que um jornalista brasileiro tentou convencê-lo a tirar uma foto no ponto de trem em que os judeus eram embarcados para os campos de concentração. Entre surpreso e enojado, ele se recusou a tal pantomima sinistra. Ainda bem, para ele e o cinema brasileiro. Hoje há festa em Berlim. Como na copa de 58, ninguém a princípio esperava que o Brasil levasse. Mas levou.’

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Investimento em cinema, 13/2

‘Acabo de assistir (13/02/08) uma das apresentações do filme `Mutum´, baseado na novela `Campos gerais´, de Guimarães Rosa, com direção de Sandra Kogut, roteiro de Ana Luiza Costa, apresentando o menino Thiago da Silva Mariz como protagonista e o ator João Miguel no difícil papel do pai do menino.

Essa novela de Guimarães é narrada, ainda que em terceira pessoa, do ponto de vista do menino que cresce e vai discernindo, confusamente, imprecisamente, e de modo incompleto, pois assim tratam-se as crianças, a complexidade do mundo para onde ele vai, que é o dos adultos.

´Mutum´ vem de mudez; designa um lugar, e também uma condição. É a condição da infância, calada pela rudeza bruta do pai nos confins dos sertões brasileiros. É a condição do próprio pai, tomado de ciúmes diante da mulher e do irmão, de quem suspeita ter um caso com a mulher. É a condição de todos, que calam os dramas na tentativa de evita-los, quando na realidade eles terminam por explodir em conflitos irremediáveis e trágicos. É também a condição de Felipe (no filme), irmão de Tiago (no filme), cuja grande mágoa é a de que o papagaio da família aprendeu o nome deste, e não o seu. Premonição: Felipe morre depois que um corte no seu pé infecciona e ele tem uma septicemia. Naquele sertão, tudo chega tarde.

Tiago, o personagem, tem fama de calado, de esquivo, de evitar a conversa. Na verdade, ao fim se descobre, Tiago precisa de óculos. Ele vai para a cidade, na companhia do `doutor´: ganhará óculos, irá para a escola, aprenderá a ler, quem sabe conhecerá o mar. Metáfora do Brasil, no pós-Segunda Guerra? É possível, nas mãos de Rosa, que, apesar dos seus arcaísmos de estilo, acreditava em neologismos e modernidades.

O filme de Sandra Kogut teve merecida consagração neste Festival de Berlim, a 58a. edição da Berlinale, como ele se chama. Também, é verdade, como vêm tendo até o momento os demais filmes latino-americanos, inclusive os brasileiros. Já escrevi sobre o mexicano `Lãs fronteras infinitas´, de Juan Manuel Sepúlveda, e do argentino `Café de los Maestros´, de Miguel Kohan, e ainda escreverei pelo menos pela recepção, também muito positiva, de `Tropa de Elite´, de José Pdilha, e de suas polêmicas e das contradições que levantou.

A apresentação de `Mutum´ a que assisti foi no Palast Zoo, um dos principais e dos tantos cinemas de Berlim. Essa apresentação, como o relato que tive de outras, mostrou-me uma dimensão do que seja investimento em cinema. Quando se fala nisso, se pensa em financiamentos, verbas, retornos e patrocínios. Mas há mais, bem mais.

A sala estava cheia. Cheia sim… de escolares, de meninos e meninos de nove anos até 14, ou algo assim. E foi um sucesso. O filme tinha legendas em inglês. Mas ao mesmo tempo em que os personagens vão falando, uma locutora traduzia ao vivo as falas. É claro que numa sessão destas há alguma agitação e corre-corre. Mas a atenção geral foi excelente, comprovada pelas perguntas, algumas muito precisas. Além das condições de vida do menino Thiago dentro e fora do filme, o tema mais explorado nas perguntas foi o das mortes que ocorrem no filme, que, como a narrativa de Rosa, tem algo de melancólico, ampliado pela fotografia magnífica.

Já há muitos anos a Berlinale tem duas seções inteiras dedicadas aos jovens e à sua formação. Há inclusive um júri de jovens, selecionado ao longo do tempo, através de inscrições primeiro, depois discussões de como avaliar um filme.

Berlim tem uma tradição cinematográfica e cinéfila de longa data. Não poucos diretores e artistas, como Fritz Lang e Marlene Dietrich, fugiram da Alemanha nazista. É verdade que outros se deixaram cooptar por ele ou a ele aderiram de coração, como foi o caso de Leni Riefensthal. Depois da Segunda Guerra o cinema serviu de ponte numa Berlim trucidada e dividida, além de ocupada.

Através da Berlinale e de outras iniciativas, Berlim é uma cidade que tem preservado seus cinemas e o gosto de ir ao cinema, apoiado num transporte público que, se é relativamente caro (para o restante da Europa ocidental, barato), é eficiente. E através desse verdadeiro `patrocínio´ do alcance da juventude a um convívio qualificado com o cinema, investe no futuro de modo inteligente. Isso é investimento. O resto é cifrão e vontade política.’

CARTÕES DO GOVERNO
Gilson Caroni Filho

A política pequena da oposição BBB, 14/2

‘Incapaz de implementar um projeto de país, a oposição ao governo Lula não se faz de rogada. Descarta qualquer possibilidade institucional de diálogo partidário e abraça, com apoio da grande imprensa, a política miúda. Despe-se de qualquer veleidade republicana, troca o debate público pelos cochichos nos corredores do Congresso e faz da chantagem e dos conchavos golpistas os elementos centrais de ação política.

Para as principais lideranças do PFL (DEM) e do PSDB, o que deve ser preservado é a exclusividade de suas demandas. Ao contrário do que argumenta Arthur Virgílio,em mandado de segurança ajuizado no STF,o que interessa no acesso aos dados sigilosos dos cartões corporativos da Presidência da República não é `a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e entidades da administração direta e indireta´ Esse é o pretexto usado pelo senador amazonense, lugar-tenente de FHC. O que se tenta atingir tem profundidade maior.

O que move a CPI dos Cartões é a necessidade de impor uma agenda que tire o foco do aspecto central do momento político: a possibilidade, cada vez mais concreta, de o país, quebrando estruturas antiquadas, entrar completamente na modernidade, aprofundando as transformações sociais que se impõem. O que preocupa, e muito, é uma estratégia governamental que desenvolve cidadania ativa, produz alocação eqüitativa de recursos e promove o controle social do Estado.

Nunca é demais lembrar o que escreveu Marco Aurélio Nogueira, em seu livro ` Defesa da Política´, publicado em 2001 pela Editora Senac:´a política dos politiqueiros dedica-se a viabilizar aquilo que Gramsci chamava de `pequenas ambições´. Trata-se de um tema decisivo. A política não se separa da ambição: quem não aspira ao poder, à possibilidade de influenciar ou à pretensão de assistir ao triunfo de uma causa, não se coloca no terreno da política(…) Como Gramsci observou numa luminosa nota dos Cadernos do Cárcere, a ambição assumiu um significado negativo e desprezível por duas razões principais: porque se confundiu inteiramente a grande ambição com as pequenas ambições e porque a ambição muitas vezes `conduziu ao oportunismo mais baixo, à traição dos velhos princípios e das velhas formações sociais que haviam dado ao ambicioso as condições para passar a um serviço mais lucrativo e de rendimento mais imediato´. Subindo ao primeiro plano, as pequenas ambições arrastam consigo as ambições nobres e generosas´

O parágrafo acima enquadra com precisão o comportamento recorrente da direita nativa. Heráclito Fortes, Agripino Maia e Álvaro Dias, entre outros, encenam a opereta do atraso sem qualquer interpretação original. Não são motivados por princípios éticos ou desejo sincero de investigar irregularidades no uso dos cartões. Querem apenas encurralar o governo com uma agenda derrotada. Não praticam a Política Cidadã que visa à ampliação da esfera pública, pelo contrário, se empenham em mantê-la no regaço estreito de uma `democracia de classe média´.

Ignoram preceitos regimentais para a a formação do comando de uma CPI e ameaçam obstruir votações no Congresso caso seus pleitos não sejam atendidos. Pretendem, se possível com apoio do STF, impor a ditadura da minoria e, sem qualquer pejo, apresentam-se como ` paladinos´ do Estado Democrático de Direito.

Quem melhor explicita os objetivos de pequena estatura política é o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia( demo do PFL carioca). Em seu boletim eletrônico de 11 de fevereiro, não tergiversa. Mostra qual é a visão de mundo dos que se opõem ao governo: `Os cartões dão um sabor especial em questões de intimidade e privacidade, que sempre tem audiência à vontade. Uma espécie de BBB de pequenas despesas. Mesas de sinuca, churrascarias, bonecos de pelúcia, free-shops, vaidades femininas… já fazem a festa do noticiário. Mas agora ao vivo e a cores. E com mais detalhes, inebriantes.´

Textualmente, esse é objetivo da CPI: antecipar o início do reality show global. Conhecem o `anjo´ e sabem que serão imunizados. E fazem qualquer coisa para reconquistar a `liderança´. O prêmio? Um país sem problemas no balanço de pagamentos e produção industrial crescente. Algo a ser destruído o mais rápido possível.’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

O Globo

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