Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Agência Carta Maior

MAC MARGOLIS
Argemiro Ferreira

O neoliberal anti-Lula da ‘Newsweek’

‘Mac Margolis, correspondente de ‘Newsweek’ no Brasil há mais de 25 anos, é tido como competente mas seu trabalho talvez seja afetado por ligações próximas com a oposição do PSDB. Mesmo com o mérito de nunca ter descido ao nível de um Larry Rohter, deixou-se conquistar pela rendição do governo FHC ao neoliberalismo econômico, ainda hoje a referência maior do jornalismo dele. Agora, no entanto, um ativo crítico de mídia dos EUA, Peter Hart, da revista ‘Extra!’ submeteu o trabalho de Margoris a uma análise séria e rigorosa. O resultado foi uma crítica demolidora. O artigo é de Argemiro Ferreira.

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Como profissional experiente da mídia corporativa, Margolis frequenta nossa elite branca e teve acesso privilegiado ao governo anterior e seus ministros. Um destes, Roberto Muylaert, à época em que deixou a Secretaria de Comunicação da presidência passou a tê-lo como colaborador fixo em publicação largamente contemplada pela publicidade oficial. Além dessas relações, identificava-se com a política de privatizações e seu patrocinador FHC.

Agora, no entanto, um ativo crítico de mídia dos EUA – Peter Hart, da revista ‘Extra!’, publicada pela organização FAIR (Fairness & Accuracy in Media, Honestidade e Precisão na Mídia) – submeteu o trabalho de Margolis, tão prodigamente premiado aqui pelo alinhamento ao neoliberalismo e até ao Consenso de Washington, a análise séria e rigorosa. E com uma visão de esquerda.

O resultado foi uma crítica demolidora – apesar de Hart, aparentemente, nada saber sobre a intimidade promíscua de Margolis com os ressentidos ex-detentores do poder no Brasil, alijados pelo voto popular depois da compra de votos no Congresso que permitiu a reeleição em 1998. A análise na ‘Extra!’ deu-se ao trabalho de cotejar os textos do correspondente nos últimos anos.

Consenso de Washington salvou o Brasil?

Se a crítica ao menos tornar o jornalista de ‘Newsweek’ mais cuidadoso já terá valido a pena: ele estava acostumado demais aos encômios ouvidos dos tucanos. Ao contrário de Merval Pereira, que recebeu o prêmio Moors Cabot em 2009 (a pretexto de ter ‘combatido valentemente a ditadura militar’, coisa que seu jornal na verdade nunca fez), Margolis pode até ter merecido o mesmo prêmio em 2003 por razões sólidas.

O correspondente tiraria proveito das críticas se tentasse distanciar-se mais dos aduladores tucanos – sempre à procura de jornalistas estrangeiros para convencê-los (em inglês: odeiam falar português) sobre méritos do governo FHC, que encaram como injustiçado. Ao exaltarem, por exemplo, a onda de privatizações selvagens, só teriam um ponto: foi ruim para o país, mas as comissões eram polpudas.

Na reportagem de capa de ‘Extra!’, Hart é minucioso na análise dos textos de Margolis no período dos dois mandatos do presidente Lula. Expõe seu caráter tendencioso e preconceituoso – sempre na linha neoliberal que certamente soava como música aos ouvidos dos editores em Nova York. Chega ao extremo de afirmar, com todas as letras, que o Brasil foi salvo pelo Consenso de Washington.

O antetítulo do texto (‘Meet Mac Margolis, their man in Latin America’, Conheça Mac Margolis, o homem deles na América Latina), é seguído pelo título em corpo maior, ‘Newsweek’s Name-Calling Neoliberal’, O neoliberal desbocado da Newsweek. A ilustração principal é uma capa-paródia da revista com a caricatura de Hugo Chávez à frente dos três que seriam seus inspiradores: Hitler, Mussolini e Stalin. Título: ‘Difamando a esquerda da América Latina’.

Será Oliver Stone a Riefenstahl de Chávez?

Quem comparou Chávez a três ditadores de uma vez foi Margolis, induzido pela própria inclinação ideológica, numa reportagem leviana publicada a 2 de novembro. Ali fazia piadas sobre a criação na Venezuela de uma produtora pública de cinema, com estúdio e tudo: ‘Como Mussolini e Stalin antes, o presidente Chávez criou seu próprio estúdio de cinema’. O objetivo, sugeriu, é a propaganda deslavada.

Escreveu ainda o corresponente em novembro: ‘Como os autocratas do século 20 que procura imitar, Chávez é fascinado pelo poder do cinema. Desde que Hitler voltou-se para Leni Riefenstahl os ditadores têm sonhado em ganhar a força épica da tela grande para seu script político. Com a Villa del Cine, posicionou-se, conscientemente ou não, como herdeiro dos totalitários maiores do século 20’.

Para Hart, não há muitas evidências de que as instalações de edição e os estúdios da Villa del Cine são passos iniciais rumo ao fascismo. Se fossem, observou ainda, o National Film Board do Canadá já teria há muito tempo empurrado esse país vizinho dos EUA para o Gulag. Mas Margolis prefere carregar nas tintas contra Chávez, crítico feroz do neoliberalismo e da retórica submissa ao poder das corporações.

Em plena crise financeira que golpeou o mundo graças à irresponsabilidade de Wall Street e dos bancos que criaram a bolha imobiliária, Margolis continuava fiel, em julho de 2009, ao desastroso rumo neoliberal. Escreveu: ‘Apesar do Consenso de Washington ter salvado sua economia, o Brasil hoje tenta enterrar a agenda ‘neoliberal’ das reformas de mercado, que nos anos 1990 impulsionaram os países em desenvolvimento.’

A afirmação é ainda mais insólita se for levado em conta o sucesso do governo Lula naqueles dias, a ponto de tornar o Brasil o primeiro país a sair da crise. Mas Margolis reclama mais privatizações. E acrescenta: ‘Não é a América Latina que precisa ser resgatada nos destroços das reformas de mercado. São as reformas que precisam ser resgatadas na América Latina’.

‘Esses latinos contra o livre comércio?’

Hart registra com sarcasmo a enorme arrogância do comentário, que beira a desfaçatez. E sugere o que passa pela cabeça de Margolis – ‘Esses latinos babacas acham que vão desacreditar o livre mercado?’ Na tentativa de explicar que o Consenso de Washington funcionou, disse Hart, não eram as reformas de mercado que tinham precisado de socorro. Assim o próprio Margolis escrevera em junho:

‘Uma das explicações (…) para a atual trapalhada na América Latina tem como alvo o evangelho das reformas de livre mercado pregadas na década de 1990 pelos ‘pundits’ em Washington e ‘magos’ em Wall Street. Críticos do chamado Consenso de Washington argumentam que os frutos da estabilidade deixaram de alcançar as massas. Ao arranharem a superfície, o quadro pareceu mais complexo.

Através da América Latina, a mortalidade infantil tinha caído drasticamente, enquanto a alfabetização e a expectativa de vida tinham chegado às alturas, até na empobrecida Bolívia. Matrículas em escolas primárias e acesso à água potável e à eletricidade estão subindo. Mais cidadãos envolvem-se agora na política do que em qualquer época: indígenas já constituem 30% do Congresso boliviano’.

Para Hart, Margolis não viu necessidade de explicar a relação de causa e efeito entre as políticas econômicas neoliberais que ele apóia e a melhoria das condições de vida. Isso por achar a conexão auto-explicativa. Um sociólogo que tinha trabalhado na Bolívia, no entanto, discordou. Disse em carta à revista que muitos avanços resultaram de ações do governo – o oposto do que prega o ‘Consenso’, que exige austeridade orçamentária e mais privatizações.

Um populismo de talão de cheque?

No caso particular do Brasil, as avaliações equivocadas de Margolis parecem até tradução para o inglês daquilo que nossa grande mídia obstina-se em repetir em português. Às vezes Lula ganha elogio dele – mas só quando suas políticas parecem, por exemplo, favorecer os investidores de petróleo e o capitalismo global. ‘Lula não é Hugo Chávez’, chegou a dizer. Mas, de repente, ele volta ao ataque: ‘Lula dá guinada à esquerda’.

A suspeita de ‘populismo’, tão cara a FHC e seu Cebrap, sempre reaparece. ‘Com um olho na posteridade e outro na urna’, provocou. ‘Exatamente o tipo de armadilha populista que Lula tinha evitado até agora’, escreveu. O repúdio aos programas sociais que o neoliberalismo odeia também é recorrente. ‘Populismo de talão de cheque’, sentenciou. Hart estranhou tudo isso, lembrando como o Brasil saiu bem da crise.

Números e dados de Margolis nem sempre são confiáveis. ‘Quase 63% de jovens latinos dizem agora que o livre mercado beneficia todas as pessoas’, escreveu. Mas Hart explicou e corrigiu: ‘a pesquisa foi pela internet, a que só tinham acesso 31% da população; e mesmo assim Margolis não notou que nela sua tese era desmentida por 90%, favoráveis a que os governos façam mais para ajudar os pobres’.

No final, mais um escorregão de Margolis. Ele vê o continente às vésperas de uma virada à direita com as eleições dos próximos 17 meses no Brasil, Uruguai e Chile: ‘Em nenhum dos três países o partido de esquerda no poder é cotado para ganhar’. A realidade já o desmente. A esquerda ganhou no Uruguai e foi para o segundo turno no Chile, enquanto no Brasil Serra hesita em ser candidato, com medo de perder outra vez para a esquerda.

Restaria, enfim, lembrar que ‘Newsweek’ incluiu Lula, há um ano, no 18° lugar da lista (encabeçada por Barack Obama) das 50 pessoas mais poderosas do mundo, o que chamou de ‘Elite Global’. Só não entendo porque os editores encomendam a Margolis textos sobre Lula: ele sempre dá um jeito de enfiar FHC, que quebrou o Brasil três vezes, como ‘o grande reformista’. Quanto à ‘Extra!’, esse número de janeiro está à venda há apenas dois dias. O site da FAIR inclui algumas matérias, mas não a da capa, escrita por Hart. A assinatura anual (12 números de 16 páginas) da edição eletrônica em pdf custa US$15.’

 

COMISSÃO DA VERDADE
Marcelo Salles

As ideias demoníacas dos direitos humanos

‘Poucas vezes na história desse país uma iniciativa de um governo foi tão bombardeada pela mídia, tanto em intensidade quanto na sua duração. Há pelo menos 15 dias rádios, jornais e tvs de todo o país partem para o ataque escancarado contra a criação da Comissão da Verdade.

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Poucas vezes uma iniciativa foi tão atacada pela direita e suas corporações de mídia quanto o Programa Nacional de Direitos Humanos. Mas não sem razão. Uma proposta como, por exemplo, a cobrança de impostos sobre grandes fortunas é realmente de arrepiar os cabelos de quem sempre os deitou sobre a riqueza nacional – ainda que esta medida esteja prevista na Constituição Federal e seja adotada pelos países que mais progrediram no mundo.

Propor um maior controle sobre a esculhambação e as mutretas que envolvem as concessões de rádio e tv só pode ser um escândalo para aqueles que fazem fortuna ao se arvorarem proprietários do espectro eletromagnético que pertence a todo o povo brasileiro.

Fiscalizar os latifúndios num país em que 1% de senhores feudais controla quase metade das terras só pode ser comparado à criação de um ‘demônio’, no dizer da senadora Kátia Abreu, do DEM, partido que tem suas raízes na golpista UDN.

Deve mesmo ser demoníaca a ideia de garantir direitos aos gays, lésbicas, travestis e toda essa gente que ofende pelo único pecado de ser diferente. Assim como só pode ser obra do capeta a proposta de ampliar a participação direta do povo via plebiscitos, referendos, leis e vetos populares. Por que as massas deveriam decidir diretamente os seus destinos, se sempre, desde o genocídio inaugural, são vistas como mão-de-obra barata e mal qualificada?

Poucas vezes na história desse país uma iniciativa de um governo foi tão bombardeada pela mídia, tanto em intensidade quanto na sua duração. Há pelo menos 15 dias rádios, jornais e tvs de todo o país partem para o ataque escancarado daqueles que defendem uma proposta democrática para o Brasil.

Para isso, omitem informações, descontextualizam fatos e até mesmo mentem. Um bom exemplo é a surrada versão de que o que se pretende com a Comissão da Verdade é rever a Lei de Anistia. Mentira. O que existe é uma solicitação da OAB ao Supremo Tribunal Federal sobre dispositivos de interpretação contraditória. A Constituição Federal, por exemplo, considera que a prática da tortura não pode ser objeto de graça ou anistia. Tratados internacionais estabelecem que crimes de lesa-humanidade, como a tortura, são imprescritíveis. Comissões de Verdade funcionaram ou funcionam muito bem em outros países, e isto é sistematicamente escondido por meios de comunicação.

Mas não é só isso. O fato de a Secretaria de Direitos Humanos só aparecer nas corporações de mídia nesse contexto é, por si só, bastante revelador dos propósitos das corporações de mídia. É como se não houvesse políticas públicas de defesa dos direitos das crianças e adolescentes, de pessoas com deficiência, idosos, LGBT, além dos programas de proteção a pessoas ameaçadas, combate ao trabalho escravo e até uma Ouvidoria-geral da cidadania. Iniciativas que poderiam ser potencializadas pela visibilidade que lhe negam.

E assim funciona a velha lógica do sistema: os ataques da direita identificam os demônios para que sejam esconjurados por sua mídia. Mas até que isso tem sua serventia. Revela a urgência da democratização dos meios de comunicação de massa e deixa os inimigos da democracia completamente expostos – todos com cara de santo, naturalmente.’

 

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