Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Alberto Dines

‘Adolf Hitler e suas idéias voltaram a ser falados por causa do massacre na escola da reserva indígena de Red Lake, Minnesota. O assassino-suicida, era admirador declarado do Führer. Também eram nazistas os protagonistas da chacina em Columbine, assim como Edmar Freitas que em Taiúva (S.Paulo), no início de 2003, saiu atirando na escola onde estudou.

Hitler é um demônio que dificilmente desaparecerá dos tratados de história e do repertório de horrores políticos. Foi mencionado em Janeiro quando foram lembrados os 60 anos da libertação de Auschwitz – sua obra máxima – e voltará novamente à pauta em 8 de Maio nas comemorações dos 60 anos do fim da 2ª Guerra Mundial na Europa e da erradicação do nazi-fascismo.

Maníaco, sanguinário, demoníaco, este é o retrato que dele ficou. Transcorrido tanto tempo esquecemos que Hitler foi também intensamente ridicularizado. Ao iniciar a sua incrível ascensão em meados dos anos 20, era um joão-ninguém que apenas desejava chamar a atenção num ambiente paralisado pela crise financeira, pelo caos governativo, pela omissão do judiciário, pela falta de lideranças, por uma república em escombros (a de Weimar, criada com as mais sublimes intenções).

O apelido de Hitler não poderia ser mais desprezível – Hans Wurst, Hans Salsicha que traduzido para o vernáculo daria Zé Salsicha (ou Zé Salame, já que a tradicional salsicha alemã é maior do que a nossa). De uma forma ou de outra, este Hans Wurst, o palhaço da política, justamente para enfrentar o escárnio e a zombaria dos adversários foi implacável quando os conservadores alemães entregaram-lhe o poder certos de que o insignificante austríaco seria logo esmagado.

Hoje rimos mais de Benito Mussolini por causa dos uniformes, da postura empavonada, dos gestos grandiloqüentes, mas Il Duce, alem de mais culto, foi muito mais hábil do que Hitler-Wurst: seu discurso socialista, patriótico e triunfalista garantiu-lhe maior durabilidade — 21 anos contra os 12 do parceiro.

A troça não é destrutiva, a caçoada tem algo de compassivo. Ridículo, risível, é o que faz rir. E rir faz bem, mesmo quando não há razões para alegrar-se. O intuitivo Severino Cavalcanti, já percebeu que a caricatura lhe convém. É a sua forma de arrombar as portas da fama. Através da caricatura passou por cima das praxes e ritos e escreveu a mais fulminante trajetória política das últimas décadas. Gozado e mofado, dá as cartas no circo político há mais de um mês. Foi decisivo na tragicômica reforma ministerial ao impor ao presidente Lula a única saída honrosa que cabia depois do ultimato.

De relance, percebeu o imenso poder da comicidade e deixou que o seu instinto de defesa armasse uma piada sobre ele mesmo ao amenizar a ameaça: ‘Eu na oposição ? Tá doido, gosto mesmo é de governo.’ Entrou no clima. E vai faturar todas as charges e piadas que sobre ele serão produzidas nos cerca de 690 dias que ainda lhe restam de mandato.

Severino nada tem a perder com as palhaçadas, só a ganhar. E se o que diz a sério sobre o ‘nepotismo iluminado’ transforma-se em blague nacional certamente passará a apelar propositadamente à patuscada para manter-se em cartaz. Sabe que a sova de galhofas a que está sendo submetido em algum momento deverá ser revertida para transformar-se em solidariedade. A sociedade cordial não suporta castigos mesmo quando justos.

Sobretudo num cenário de marasmo administrativo onde o próprio governo num perigoso ato falho admite a necessidade de um ‘choque de gestão’. Num ambiente com estas características, sua audácia e a facilidade de servir-se do grotesco serão armas valiosas. Convém não esquecer como Severino foi cortejado pelos príncipes da Fiesp e da Associação Comercial de S.Paulo imediatamente após a eleição. Nem como o chefe do Judiciário e presidente do STF correu para oferecer-lhe os préstimos de causídico na operação de contornar a lei e aumentar na marra os vencimentos dos deputados.

Se mantiver a sua capacidade de atrair as elites oportunistas e souber mobilizar a massa de eleitores que levou os ‘300 picaretas’ à Câmara Federal, o homem está feito como líder político. É o dr. Enéas que deu certo.

Hans Wurst, o Zé Salsicha, não reuniu tantas e tão favoráveis circunstâncias. No país dos coitadinhos, Severino Cavalcanti tem todas as condições para transformar-se em herói nacional.’



Sebastião Nery

‘Globo vetou’, copyright DCI, 24/03/05

‘Dias atrás, Lula chamou o ministro Eunicio Oliveira, das Comunicações, e lhe disse que, se ele quisesse ficar, ficaria, mas, se aceitasse trocar de ministério, ele gostaria muito, porque precisava resolver o problema do PP. Eunicio respondeu que ficasse à vontade, a decisão era do presidente.

Não era. Lula mandou Dirceu pedir a Severino para indicar o ministro das Comunicações. Severino indicou Ciro Nogueira. A família Marinho soube, desesperou-se. Desde a ditadura, sempre participou da escolha. Foi assim com Antonio Carlos, Sergio Motta, Pimenta da Veiga, Eunicio. Vetaram

Ciro-2

Lula se embananou. Não podia mais fazer o rodízio para resolver o problema de Ciro Gomes, Aldo Rebelo, Roseana, ninguém. Renan já tinha trocado Lando por Jucá e Palocci nomeado Bernardo. A reforma morreu.

O que falta no governo Lula é um presidente.’



O Estado de S. Paulo

‘Satrapias eletrônicas’, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 26/03/05

‘Depois de ter promovido duas iniciativas desastrosas a pretexto de disciplinar as atividades jornalísticas e a produção audiovisual, o governo voltou a tomar uma decisão polêmica no setor de comunicações. Desta vez, sob a justificativa de regular os serviços de retransmissão e repetição de televisão e de acolher um pedido da direção do Congresso, que quer divulgar seus programas nacionalmente sem arcar com o ônus da implantação das retransmissoras, ele baixou um decreto que, entre outras medidas, cria a figura jurídica da ‘retransmissora de televisão institucional’ e permite às prefeituras requerer canais locais para divulgar suas decisões.

Para tanto, os prefeitos somente terão de encaminhar um pedido ao Ministério de Comunicações, comprometendo-se a transmitir a programação da Radiobrás, da TV Senado, da TV Câmara e da TV Justiça e a comprovar a existência de um canal vago em sua cidade. Em troca, as prefeituras poderão usar diariamente até 15% do tempo em que esses canais estiverem no ar, para veicular matérias de seu interesse, sessões da Câmara de Vereadores e programas produzidos por órgãos da sociedade civil sediados no município. A fiscalização do conteúdo desses programas ficará sob responsabilidade de conselhos formados por representantes da própria prefeitura, de entidades comunitárias e de membros ‘das diversas correntes partidárias’ com assento no Legislativo local.

Como o País tem hoje mais de 5 mil municípios e apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro não há espaço para novos canais, na prática o decreto assinado pelo presidente Lula pode deflagrar uma nova explosão de gastos perdulários com o dinheiro do contribuinte. O preço de um simples retransmissor, por exemplo, é superior a R$ 100 mil. E, para se ter uma idéia das despesas com produção, salários, estúdios e técnicos, a TV da Assembléia Legislativa de São Paulo atualmente emprega 60 funcionários e tem um orçamento anual de R$ 6 milhões.

Além dos altos custos e do risco de empreguismo desenfreado, essa multiplicação de canais locais, em vez de contribuir para o aprimoramento da cidadania, poderá ter efeitos altamente corrosivos na vida política brasileira. Como nada impede que o noticiário seja dirigido partidariamente e que a programação seja enviesada ideologicamente, muitos deles podem nascer inteiramente desvirtuados em seus propósitos.

As oligarquias locais, por exemplo, não medirão esforços para transformar esses canais em verdadeiras satrapias eletrônicas, a serviço de seus interesses eleiçoeiros. E, uma vez que o decreto de Lula também permite que o comércio local possa ser convidado a dar seu ‘apoio institucional’, patrocinando programas específicos ou então financiando parte de toda a programação, há o risco de conversão desses canais em instrumento de pressões e achaques. Por sua vez, as tais ‘entidades representativas da comunidade’, marca registrada de toda e qualquer iniciativa regulamentadora petista, poderão aproveitar esses canais para fazer demagogia e proselitismo político.

Por essas e por outras, o decreto presidencial deixou o setor de comunicações perplexo. Nas cidades com 20 mil a 30 mil habitantes, por exemplo, as emissoras comerciais de rádio hoje só estão sobrevivendo graças aos anúncios de lojas de varejo. E, como as verbas de que seus proprietários dispõem para publicidade são pequenas, as rádios temem perder seus poucos anunciantes para os canais de televisão que poderão ser criados pelas prefeituras. Quanto às redes privadas de televisão, que atualmente retransmitem a programação das tevês institucionais no sistema a cabo, pago pelo usuário, temem ser obrigadas a veiculá-las em sinal aberto, o que pode acarretar prejuízos. ‘Estamos tentando entender a quem interessa o novo modelo do setor, pois ele abre campo para todo tipo de especulação’, explica José Inácio Pizani, da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). ‘Produziu-se uma lambança’, protesta Rodrigo Lucena, da Associação Brasileira de Televisões e Rádios Legislativos, depois de afirmar que o decreto só contemplou o poder central e ‘uma mistura de interesses comerciais e institucionais’.

Infelizmente, mais uma vez o governo tomou uma decisão desastrada num setor tão estratégico para a democracia, como o das comunicações. Errar é humano, diz o ditado popular. O que preocupa é que todos os equívocos do presidente, nesse setor, sempre se dão em detrimento da liberdade de iniciativa e do direito à informação.’



BRASIL NA FRANÇA
Mario Sergio Conti

‘Imagens nacionais: Sartre e os índios’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 27/03/05

‘Só dá Brasil na imprensa francesa. A revista ‘L’Express’ publicou 75 páginas sobre o torrão natal. A ‘Télérama’, o ‘Figaro Magazine’ e o ‘Paris Macht’, edições especiais inteiras. O ‘Monde’, reportagens sobre música popular e uma entrevista de uma página com Claude Lévi-Strauss. O motivo é a abertura do ano cultural França-Brasil – uma série de exposições, simpósios, conferências, festivais e exibição de filmes, peças e balés nacionais.

A proliferação de imagens do Brasil não significa que o país tenha caído na boca dos franceses. Que esteja na moda. Na França, nenhuma manifestação cultural tem o condão de se tornar um fenômeno nacional. Ou mesmo parisiense. As coisas ‘acontecem’ em determinados nichos, não se generalizam. A produção cultural é tamanha, são tantos os atrativos, que nada se generaliza. Não há eventos, como a Bienal ou o Festival de Cinema, ambos em São Paulo, que galvanizem a, por assim dizer, opinião pública cultural.

O ano passado, por exemplo, foi o ano França-China. Ouvi falar vagamente das exposições, conferências etc. Ele não serviu em nada para aumentar o meu entendimento da China. Agora mesmo, o ano Brasil-França disputa espaço e prestígio com o Salão do Livro, dedicado à literatura russa. Valdimir Putin e uma penca de escritores da Rússia viram a Paris. Há também os centenários de nascimento de Jean-Paul Sartre e Raymond Aron, que deram ensejo à publicação de dezenas de livros, reportagens, revistas especiais etc. Há uma enorme exposição sobre a última fase de Matisse, no Luxembourg, e outra do mesmo tamanho, sobre o neo-impressionismo, no Orsay, e uma terceira, sobre a arte egípcia no tempo dos faraós, no Instituto do Mundo Árabe.

Ainda assim, uma imagem do Brasil deve estar se formando numa parte da opinião pública francesa. Mas qual?

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Dei uma folheada no que saiu na imprensa. Sobretudo nas edições especiais, o apelo das páginas de propaganda é turístico. E, é claro, institucional, com as empresas estatais à frente. O mecanismo do patrocínio permite algumas esquisitices. Como a longa entrevista, na ‘Paris Match’, de ninguém menos que Aécio Neves… Quem é do meio sabe como surgem essas entrevistas. E mais não conto porque prefiro repetir Wittgenstein: o que não pode ser falado deve ser calado. (Aliás, nessa entrevista o governador de Minas conta que se acertou com o atual presidente: depois do segundo mandato de Lula, ele, o tucano Aécio, será candidato com o apoio do PT.)

Acho que mais de 95% das fotos, artigos e reportagens trazem imagens de música, dança, carnaval, praias, índios, favelas, florestas, nudez feminina e arquitetura de Oscar Niemeyer. Estranhamente, quase nada de futebol. Se fosse possível resumir, segundo a imprensa francesa o Brasil seria um país musical, colorido, jovem, ensolarado, festivo, sensual, pobre e ‘sauvage’ (o que aqui também tem uma conotação positiva). Um bom lugar para passar férias um pouquinho exóticas.

Essas imagens são estereótipos, de viés colonizador, ou correspondem à realidade brasileira? É dessa maneira que os brasileiros se vêem?

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A Bilbioteca Nacional organizou uma grande exposição para comemorar o centenário de nascimento de Jean-Paul Sartre. É uma exposição de fotos, edições antigas e manuscritos. Até aí, nada demais. Só uma observação, quanto a expor fotos do filósofo: Sartre era feíssimo. Vesgo, com pouco mais de um metros e meio de altura, barrigudinho, cabelos ralos (que lhe provocaram uma crise existencial quando começaram a cair, antes dos quarenta anos), ele estava longe de qualquer padrão estético dominante. Para piorar, os biógrafos do filósofo, e mesmo Simone de Beauvoir, informam que Sartre não era chegado num banho. No entanto, em relação às mulheres, era um sedutor irresistível. E tinha um talento monumental para administrar vários casos, ligações, romances e paqueras simultâneos. Divago, divago.

Seguinte: fizeram um cartaz para a exposição, que amplia uma foto razoavelmente conhecida do filósofo. Razoável o bastante para os sartreanos notarem que faltava algo na foto. Faltava o cigarro. Sartre fumava feito uma chaminé. E na foto tinha um à mão.

No ‘Libération’, um comentarista reclamou. Falou primeiro da prática stalinista de apagar das fotos oficiais os personagens que o Pai dos Povos havia matado. Disse também que, em letras miúdas, o cartaz poderia registrar que a foto havia sido adulterada. E por fim lembrou que a manipulação não era nova: também já haviam apagado um cigarro das mãos de André Malraux, na célebre foto de Gisèle Freund, no cartaz comemorativo da ida das cinzas do escritor para o Panthéon. Nem a Biblioteca Nacional nem o autor do cartaz quiseram entrar na confusão. De modo que lá está Sartre, nas livrarias e faculdades, com uma mão boba, sem o seu tão querido cigarrinho.

De modo que se a França, por meio de uma de suas venerandas instituições, a Biblioteca Nacional, não consegue transmitir uma imagem material de Sartre (uma foto!) que reflita quem ele era, o que esperar da imagem de um Brasil difundida no bololô de um ano cultural?

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Implico com tudo desse tal ano Brasil-França. A começar pelo título da empreitada, ‘Brésil, Brésis’, e pela teorização que a embasa, a velha mistura de ‘homem cordial’ com tropicalismo. Há também essa eterna folclorização, essas fotos racistas de mulatas em poses lascivas, essa falsa alegria carnavalesca, essa filosofice mistificadora. Acho tudo jogada para a galera, maneira de uns poucos espertalhões ganharem dinheiro. Tanto que uma multinacional de cerveja aproveitou para lançar uma marca supostamente brasileira, cujo marketing se apóia na ‘ginga’. A melhor parte do esquema é que um monte de brasileiros (cineastas, pintores, atores, músicos) poderá passear na França de graça.

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Foi com esse espírito (de porco) que, ciente de minhas obrigações profissionais, dirigi-me ao Grand Palais para acompanhar a inauguração da mostra ‘Brésil indien – les arts des Amérindiens du Brésil’. Rabujice agravada pela certeza de que teria de encontrar com o ministro da Cultura. Nada de específico contra o nosso prolixo ministro. Ele é apenas mais uma autoridade nacional de passagem. Mas é que ele já passou tantas vezes por Paris, e tive escutá-lo tantas vezes, que enjoei dos seus ternos Armani, da sua verborragia fácil, da sua defesa de que tudo-se-liga-a-tudo, a-internet-acompanha-o-arado-e-vice-versa, o-Brasil-é-a-ponta-de-lança-de-uma-nova-civilização-que-se-encontra-no-passado, das suas tranças, do seu cabelo pintado à lá Sarney.

O ambiente da inauguração também não era dos melhores. Estavam lá dois ministros franceses, o das Relações Exteriores e o da Cultura, uma espanhola, empresário brasileiro (fabricante de calcinhas) que é figura fácil nessas ocasiões, umas grã-finas, nós da imprensa, dezenas de fotógrafos, uns burocratas culturais, diplomatas. Mas o Lévi-Strauss apareceu lá para receber os ministros e, rapidamente (uma vez sábio, sempre sábio), se mandou. Não o vi porque ele foi engolfado pelos fotógrafos. E estava também Jack Lang, o ex-ministro socialista, que é uma das figuras mais impagáveis da cena política francesa. Em matéria de fatuidade, de esperteza gáulica, de vazio intelectual, de malandragem política, de savoir-vivre, Lang é um mestre. Como faz sempre, Lang estava à cata de jornalistas para comentar a exposição: ‘magnifique!’ E estava também Jorge Ben (recuso-me a usar o seu nome atual), que é uma simpatia.

Apesar do tumulto, deu para ver a mostra. Será preciso revê-la com calma. Mas é possível afirmar que ela é ótima. Cocares, vasos, potes, adereços, pinturas, cabaças, redes, peneiras, instrumentos, máscaras – quase tudo é deslumbrante. Não por serem ‘primitivos’. Nem por terem sido feitos por povos trucidados. São objetos belos em si mesmos. E não têm nada a ver com o Brasil e suas imagens.’