Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Alberto Dines

‘Vem do jargão desportivo, significa trapaça, ajuste maroto entre as partes para evitar drásticas sentenças judiciais. O sábio Juca Kfouri informa que a palavra é uma alusão à sala pesadamente atapetada do presidente do Tribunal de Justiça Esportiva no Rio onde os cartolas do futebol consertavam os resultados do gramado e acertavam as patifarias coletivas.

Cronistas políticos tentaram criar um símile, igualmente magnificado, o acordão, grande acordo, sempre casuísta, intrinsecamente malandro. Ainda não pegou, confunde-se com acórdão, decisão judicial coletiva, legítima e legal. Como os acentos estão em desuso (a crase até já foi abolida) o acordão com duplo sentido dificilmente será consagrado.

Qualquer que seja o neologismo empregado, a verdade é que estamos assistindo a uma perigosa tentativa de abortar o salutar processo purgativo e expurgatório de nossa política. De repente, obedecendo a uma batuta invisível, os diversos naipes da grande charanga nacional começaram a ensaiar a burlesca ária da trégua.

Primeiro veio a manifestação indevida de Nelson Jobim, presidente do STF que perdeu uma ótima oportunidade de preservar a discrição, eqüidistância e isenção inerentes ao cargo. Logo aboletou-se no estribo do bonde outro presidente, o da República, que esqueceu a ensandecida provocação da semana anterior e agora tenta sugerir à oposição um freio no delírio político para evitar a contaminação da economia. Esqueceu que suas recaídas carbonárias e populistas foram as responsáveis pelo nervosismo dos índices e mercados.

Tréguas são válidas como etapas de um percurso para a paz. A bandeira branca só merece credibilidade quando indica o caminho para a mesa da negociação (caso do famoso road-map do Oriente Médio). Um apressado tapetão, acordão ou pactozinho são patranhas, inadmissíveis neste estágio. O banquete antropofágico foi longe demais para ser interrompido, falta o prato principal – conhecer os culpados. Esta generosa trégua não pode substituir a concertação, o grande pacto político para reformar urgentemente o Estado em ruínas e tornar o Legislativo a autêntica representação da sociedade.

No momento em que a palavra ilicitude ganhou tal dimensão que até impôs-se ao moto ‘Ordem e do Progresso’ convém dar-lhe curso: nomear os infratores. Todos. Caso contrário a frustração pode ser avassaladora.

As reinações do deputado ACM Neto não podem sepultar as patranhas políticas do clã do avô no vice-reinado da Bahia. Todas as malas de dinheiro precisam ser investigadas, inclusive as do clã Sarney. A Operação Narciso em S.Paulo não pode arquivar a Operação Lunus no Maranhão. A prisão dos donos da Schincariol não pode nos fazer esquecer os trambiques do Banco Santos protegido por alguns poderosos clientes nos altos escalões da República.

Injusto que apenas as cuecas do PT cearense sejam expostas ao escárnio público. Se o PSDB mineiro inaugurou o valerioduto que seja devidamente investigado e punido. Mas não esqueçamos o propinoduto fluminense do casal Garotinho, nem o dizimão evangélico que está maculando a comunicação eletrônica no país e entregando-a nas mãos de congressistas-pastores-impostores. Está na hora de escancarar armários, gavetas e escovar toda a roupa íntima da política brasileira – ceroulas, calcinhas, anáguas, corpinhos e corpetes.

O diabólico mensalão não é fenômeno isolado, é decorrência do aparelhamento do Estado. A petização do país está presente em todos os níveis e setores da administração pública alijando servidores competentes, interrompendo iniciativas saneadoras, convertendo alianças políticas em pactos com o Diabo. Inclusive na ministério da Cultura, cujo titular é do Partido Verde e só parece preocupar-se com o seu saracoteio pelas Europas.

O dinheiro de Taiwan precisa aparecer, ele foi direto para o PL, partido do Vice-Presidente e ministro da Defesa que de repente assumiu o recato mineiro. Também a grana da Líbia precisa ser contada. A Senhora República em boa hora desencavada pela retórica do Campo Majoritário não pode admitir que o BNDES financie prazerosamente o metrô de Caracas e crie embaraços para a continuação do metrô de S.Paulo.

A bandeira branca da trégua é bem-vinda. Mesmo esburacada e esfarrapada deve ser respeitada. Vai interromper o paroxismo, a truculência, os linchamentos e aposentar os Torquemadas. A conciliação, porém, não pode confundir-se com conluio nem suscitar suspeitas de tapetão. O vassourão não pode parar.’



Daniel Piza

‘Mais notas pós-diluvianas’, copyright O Estado de S. Paulo, 31/07/05

‘Duda Mendonça mandou o presidente Lula investir nas classes C, D e E, já que A e B foram para o beleléu nas pesquisas. E tome acusação às elites, à imprensa, aos donos de diplomas, e tome exaltação ao coração, à esperança, à origem humilde. Bem, o povo pode ser ignorante, mas sabe para o que Lula foi eleito. Parece ser uma questão de tempo para que os protestos se multipliquem e para que a imagem de Getúlio, digo, de Lula se deteriore até o ponto em que ele veja ainda mais reduzidas suas chances de reeleição – o fim que tanto temia, como declarado no filme Entreatos: o de Lech Walesa. Um sindicalista engolido pela máquina pública que tanto sonhou comandar.

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Dias depois, porém, a estratégia parece outra: agora o presidente diz que a economia ainda é ‘muito vulnerável’. Não era um espetáculo de crescimento? Mas o objetivo é claro: Lula quer dizer que, se não continuar sendo ‘blindado’, o Brasil vai passar maus bocados, como se viu na alta do risco-país na segunda-feira. Ou seja: apela às mesmas elites que antes acusou. E elas – do STF ao mercado, da mídia ao PSDB – o estão poupando enquanto podem, pelo simples fato de que não querem que José Alencar ou Severino Cavalcanti assuma. Melhor um Lula na mão do que duas maritacas voando.

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No dia em que alguém escrever sobre o 18 Brumário de Lula Bonaparte, não poderá deixar de transcrever a seguinte passagem do livro de Karl Marx: ‘Torna-se imediatamente óbvio que num país (…) onde o Estado enfeixa, controla, regula, superintende e mantém sob tutela a sociedade civil; (…) onde, através da mais extraordinária centralização, esse corpo de parasitas adquire uma ubiqüidade, uma onisciência, uma capacidade de acelerada mobilidade e uma elasticidade que só encontram paralelo na dependência desamparada, no caráter caoticamente informe do próprio corpo social – compreende-se que em semelhante país o Congresso Nacional perde toda a influência real quando perde o controle das pastas ministeriais, se não simplifica ao mesmo tempo a administração do Estado (…) e não deixa a sociedade civil e a opinião pública criarem órgãos próprios, independentes do poder governamental. Mas é precisamente com a manutenção dessa dispendiosa máquina estatal em suas numerosas ramificações que os interesses materiais da burguesia estão entrelaçados da maneira mais íntima.’ Isso foi escrito em 1852 e, portanto, quando fala em ‘dependência desamparada’, Marx não se refere explicitamente ao Fome Zero…

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Há indícios de que alguns representantes do braço mineiro da aliança PSDB-PFL usaram a Lavanderia Valério. Que sejam punidos, caso se comprove, e que esses partidos não venham com a desconversa de que ‘já é história’. Isso não muda o fato de que o PT fez dessa lavanderia o aqueduto central de seu esquema paralelo, a matriz de sua rede de desvios e propinas, estendendo-a do saque a estatais até o saque de deputados. Deu sistemática, volume e alcance amazônicos à estrutura, ainda tão cheia de igarapés que não podemos medir com exatidão. E afogou o pouco que restava de espírito à máquina.

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Ninguém vai dizer o quanto a Justiça e a imprensa ficam mal na fita depois que se soube que um personagem tão tentacular como Marcos Valério jamais viera à luz?

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CPIs costumam se perder pelo teatro. Ver essa gente interrogando, quando muitos deveriam ser também interrogados, é aflitivo. Falta objetividade, clareza, serenidade, consistência. E a demora para tomar medidas, como pedir a prisão de Valério? Enquanto isso, a operação ‘abafa, esconde e queima’ – que já acontecera em Porto Alegre, Santo André e no caso Waldomiro – continua ativa nos bastidores e no Brasil afora. Mas ainda podemos ser salvos pela ópera. Não fosse o gosto de Roberto Jefferson por drama lírico, os R$ 3 mil de Maurício Marinho não teriam virado os R$ 200 milhões (?) de Marcos Valério. E ainda dizem que a cultura é inútil…

O que esperamos de um livro de ensaios, gênero hoje tão esquecido no Brasil? O prazer de conversar com gente inteligente, num ambiente muito menos ritualizado que o de uma sala de aula, e mesmo que você não concorde com suas idéias políticas. É o que se tem em Lições dos Mestres, do grande George Steiner (Record), em que discute a relação entre professores e discípulos (notando, por exemplo, como o físico Richard Feynman conseguiu humanizar a matemática pelo uso do desenho); Gentle Regrets, do crítico inglês Roger Scruton (Continuum), em que narra suas experiências com livros e viagens (e confessa seu conservadorismo como ‘busca daquilo que se perdeu’); e Tempo Presente, de Beatriz Sarlo (José Olympio), ensaísta argentina já citada aqui (e que diz nesse livro de textos curtos que ‘a paixão despertada pelo Mundial não é uma paixão pelo futebol, mas pela vitória ou a derrota de uma nacionalidade’). São professores que escrevem sobre vários assuntos e se dirigem ao leitor interessado; nem por isso deixam de fazer de seus livros a parte mais trabalhada de seu pensamento.

CADERNOS DO CINEMA (1)

Como de costume em Spielberg, a primeira meia hora de Guerra dos Mundos é muito boa, cinematicamente falando: os efeitos, o ‘timing’, a câmera ora subjetiva ora panorâmica, a cumplicidade que cria com o espectador que vive o mesmo medo e fascínio dos personagens diante da seqüência de acontecimentos inesperados. Mas o desenvolvimento deixa a desejar, tal a obsessão de fazer do protagonista um herói nacional. Só Tom Cruise age no meio do caos, movido por sua necessidade de se redimir como pai relapso e baseado em seus conhecimentos técnicos sobre motores e magnetismo. Embora Spielberg pareça ironizar a paranóia e a monocultura dos americanos, seu filme é tipicamente americano do início ao fim, em seu estilo ‘assustar e depois confortar’.

Além disso, poucos saem do filme tendo entendido a história, tendo entendido que os invasores, por não ter anticorpos para os alimentos encontrados na Terra, começam a ter o sangue coagulado. Ou seja: o que nos salva é sermos produtos de um meio biológico; o que nos salva é o que nos condena. H.G. Wells leu muito Darwin, e os críticos não leram nem Wells nem Darwin.

CADERNOS DO CINEMA (2)

Por falar em darwinismo, há uma cena antológica no apenas mediano Madagascar, da turma que fez Shrek. Os quatro animais fugidos do zôo de Nova York atravessam a floresta em câmera lenta ao som de What a Wonderful World enquanto uma planta carnívora come um inseto, uma cobra ataca um coelho e um gavião agarra um passarinho.

TERROR & TEORIA

A prisão de pessoas sem processo judicial em Guantánamo e a morte de inocentes como o brasileiro Jean Charles de Menezes em Londres não são subprodutos lamentáveis da guerra ao terrorismo. São atentados contra os direitos civis e as liberdades individuais, valores humanistas pelos quais Inglaterra e EUA tanto fizeram ao longo da história. São tudo que o terror quer.

POR QUE NÃO ME UFANO

Para as pessoas que acham que o extremismo islâmico é como o extremismo de qualquer religião ou região, ou para aquelas que acham que a ‘jihad’ é resposta contemporânea ao colonialismo ocidental, vale lembrar uma passagem de Massa e Poder, do grande ensaísta e memorialista búlgaro Elias Canetti, cujo centenário é comemorado agora: ‘A bipartição da massa no islamismo é absoluta: ela separa o amontoado dos fiéis daquele dos infiéis. O destino de ambos, que permanecerá apartado para sempre, é combater um ao outro. A guerra da fé é tida por um dever sagrado, de modo que, já nesta vida, prefigura-se a cada batalha – ainda que de uma maneira menos abrangente – a massa dupla do juízo final.’ O Islã não é incompatível com democracia, paz e modernidade, mas há mais suportes para o terror em sua tradição cultural.’



Marco Aurélio Weissheimer

‘Veja, os tucanos e Marcos Valério’, copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br), 27/07/05

‘Dados do TSE mostram que Editora Abril, proprietária da Veja, financiou campanhas de candidatos tucanos em SP, entre elas, a de Alberto Goldman. Nada ilegal, mas não custa avisar ao leitor. Ajuda a entender a linha editorial. E o que tudo isso tem a ver com Marcos Valério?

As informações são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e foram obtidas pelo gabinete do deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR). A Editora Abril S/A, proprietária da revista Veja, entre outras publicações, doou, nas eleições de 2002, R$ 80,7 mil a dois candidatos do PSDB e a um candidato do PPS. O deputado federal Alberto Goldman (PSDB-SP) recebeu doações de R$ 34,9 mil da editora naquele ano. O deputado federal licenciado Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, recebeu uma quantia mais modesta, R$ 15,8 mil. Ferreira é hoje secretário de governo do prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB). Já o candidato Emerson Kapaz (PPS-SP), que já exerceu mandatos pelo PSDB antes de trocar de partido, recebeu R$ 30 mil. Segundo a assessoria do deputado Dr. Rosinha, essas foram as únicas doações a políticos feitas pela Editora Abril em 2002.

Até aí morreu Neves. Nenhuma ilegalidade e também nenhuma surpresa. A informação é útil, porém, para ver com mais clareza as opções editoriais da revista Veja, que chegou a recorrer à Justiça para ter o direito de chamar a ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, de ‘perua do mensalão’, sem apresentar qualquer prova que justificasse essa agressividade verbal. As afinidades político-partidárias dos donos da revista talvez forneçam uma explicação mais razoável para tanta fúria.

A Editora Abril também foi identificada como responsável por um depósito de R$ 303 mil reais em uma conta da DNA Propaganda, empresa de Marcos Valério, segundo dados obtidos pela CPI dos Correios e divulgados pela mídia. Os integrantes da CPI também identificaram dois depósitos da TV Globo, somando R$ 3,6 milhões, e dois da Globosat, somando R$ 180 mil. Segundo a assessoria da DNA, nestes dois últimos casos, os depósitos correspondem ao pagamento de comissões e bônus pela veiculação de publicidade em emissoras de televisão aberta e a cabo. Em princípio, também não há nada de ilegal nisso. Mas será interessante ver qual será o tom da cobertura destes veículos sobre tais depósitos. Merecerão manchetes e destaques de capa?

Nos últimos dias, as revelações de que candidatos tucanos e de outros partidos da oposição também receberam dinheiro de contas de Marcos Valério pegaram muita gente de surpresa, desafiando a grande mídia a adotar novas inflexões em suas coberturas. O próprio presidente nacional do PSDB, Eduardo Azeredo, teve que vir a público para dar explicações. O ex-presidente FHC apressou-se a dizer que é preciso investigar tudo, mas teve mais pressa ainda em dizer que é importante não perder o foco olhando para o passado, ou seja, para o seu governo. Ao contrário de FHC, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, mostrou-se preocupado com o passado e pediu esclarecimentos a quatro assessores do governo estadual que receberam dinheiro das contas de Marcos Valério para campanhas eleitorais em 1998. Aécio também parece preocupado com rumores que apontam para tucanos paulistas como responsáveis por denúncias que estão caindo em seu colo. A rivalidade tucana na corrida presidencial para 2006 ainda vai dar o que falar.

E a revista Veja, o que diz de tudo isso? Em sua edição on-line desta quarta-feira (27), a revista anuncia que ‘o presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG), reagiu rapidamente às denúncias de que teria recebido recursos das empresas de Marcos Valério para sua campanha de reeleição ao governo de Minas em 1998’. E informa que Azeredo já se colocou à disposição da CPI dos Correios para explicar as denúncias, rejeitando qualquer comparação entre a campanha em Minas e as denúncias contra o PT, apuradas pela CPI dos Correios. Nenhuma linha sobre o depósito de R$ 303 mil reais feito pela Editora Abril na conta de uma das empresas de Valério. Em nota oficial, não publicada pelo site de Veja na tarde de quarta, o Grupo Abril afirma que ‘mantém relacionamento comercial com a grande maioria das agências de publicidade do país e que pagamentos de comissões em nome de agências fazem parte das práticas normais da atividade’. De fato, fazem parte, mas a discrição e o silêncio no site da revista são duas características estranhas à linha editorial da publicação quando se trata de alguma denúncia contra qualquer coisa que tenha ‘cheiro de esquerda’. Neste caso, qualquer denúncia ganha destaque imediato.

A informação levantada por Dr. Rosinha teria algo a ver com essa postura? Para o parlamentar petista, há fortes evidências de que sim. ‘Essas doações a dois caciques tucanos, feitas pela editora proprietária de Veja, revelam uma relação íntima mantida entre a revista e o PSDB’, declarou. Dias atrás, Dr. Rosinha apontou ligações entre o instituto de pesquisa Ipsos-Opinion (multinacional com sede na França) e o PSDB. Segundo ele, a revista usou dados do instituto para publicar capas ofensivas contra o presidente Lula. Qual a relação entre as duas entidades? O Ipsos trabalha para o PSDB desde o início de sua atuação no Brasil em 2001, apontou o deputado petista.

Ele também tira algumas conclusões a partir da confirmação do financiamento, pela Editora Abril, de candidaturas tucanas, especialmente no caso de Alberto Goldman. ‘Além de ter relatado a Lei Geral de Telecomunicações durante o governo FHC, Goldman também presidiu a comissão que tratou da flexibilização do monopólio do petróleo. O principal beneficiado pelas doações da Editora Abril foi ainda ministro dos Transportes, quando deu início ao processo de privatização das rodovias e portos brasileiros’, informa material produzido pela assessoria do parlamentar. E vai mais além. ‘Uma das maiores editoras do Brasil, a Abril possuía um endividamento líquido, em 2002, de R$ 699,5 milhões. Em julho de 2004, fundos de investimento em empresas de capital privado da Capital International Inc. associaram-se ao grupo Abril, beneficiando-se da Lei Geral de Telecomunicações, relatada por Goldman’.

Ainda segundo Dr. Rosinha, essa negociação permitiu à editora um aumento de capital de R$ 150 milhões – parte desse valor teria sido utilizada no abatimento da dívida. ‘O negócio corresponde a 13,8% do capital da Abril. A dívida atual da editora chega a R$ 485,9 milhões’, acrescenta, concluindo: ‘Como se vê, mesmo endividada, a empresa não deixou de contribuir com campanhas tucanas. Onde fica o princípio de imparcialidade e a independência jornalística dos veículos ligados à editora?’, questionou o parlamentar.

A revista Veja tem denunciado com vigor as relações entre políticos do PT e a iniciativa privada, relações estas que financiariam o esquema do mensalão. Não resta sombra de dúvida de que a democracia brasileira só vai merecer este nome quando, entre outras coisas, as relações entre os setores públicos e privados ficarem transparentes para a população. A Editora Abril e a revista Veja poderiam dar o exemplo e explicar com que interesse financiaram campanhas eleitorais de candidatos tucanos. E se esses interesses se manifestam, de algum modo, em suas escolhas e ênfases editoriais. Afinal de contas, a falta de transparência nas relações entre o público e o privado é um dos fatores causadores da atual crise política. Ou não?

Marco Aurélio Weissheimer é jornalista da Agência Carta Maior (correio eletrônico: gamarra@hotmail.com)’

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‘Internet é meio para monitorar políticos e doações a campanhas’, copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br), 29/07/05

‘A crise política que se arrasta há meses despertou, junto à população, um renovado interesse sobre o tema do financiamento das campanhas eleitorais. O que pouca gente sabe é que já existe uma página na internet, onde qualquer cidadão pode acessar informações sobre o financiamento de todas as campanhas eleitorais de 2002, que atualmente são também objeto de polêmica. A fonte desse material é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde os mesmos números também podem ser encontrados, embora com menor riqueza analítica. Uma iniciativa da organização Transparência Brasil, dirigida por Cláudio Weber Abramo, o site Às Claras traz dados sobre o perfil do financiamento das campanhas eleitorais com base nas informações fornecidas pelos candidatos em suas prestações de contas à Justiça Eleitoral.

Nele, qualquer cidadão pode consultar, livremente, informações sobre o volume e a origem dos recursos arrecadados para as campanhas eleitorais. Mais ainda. Isso pode ser feito individualmente, ou seja, verificando as doações para cada candidato (eleito ou não), ou comparando-se valores médios de arrecadação por Estado, partido ou tipo de cargo (deputado estadual, federal, senador, presidente). Estão disponíveis ainda análises sobre o impacto do financiamento sobre o sucesso eleitoral e a intensidade das relações financeiras entre candidatos e doadores. Há várias possibilidades de cruzamento de informações, o que enriquece a capacidade analítica da iniciativa.

O polêmico tema do caixa dois

Obviamente, o site não traz informações sobre eventuais ‘caixas dois’ de campanhas, uma vez que o que define essas doações é justamente o fato de que elas não são declaradas. Segundo a legislação eleitoral brasileira, todas as contribuições devem ser incluídas nas prestações de contas. A lei é clara: os gastos finais da campanha não podem ser superiores aos valores arrecadados. Quando surgem indícios sobre arrecadação proveniente de outras fontes não declaradas ou de gastos incompatíveis com os valores informados ao TSE, a prestação de contas pode ser contestada.

Os criadores do site Às Claras admitem que ‘a influência do caixa 2 em eleições é assunto controverso e de resolução muito difícil, senão impossível’. E apontam uma hipótese ‘neutra’ para tentar avaliar a extensão dessa prática: ‘a porcentagem de caixa 2 sobre o total de financiamentos recebidos, caso seja de fato relevante nas campanhas, tenderá a ser equivalente ao menos para aqueles situados nas faixas superiores de voto e de recepção de doações’.

Os recentes acontecimentos que marcam a crise política parecem reforçar essa hipótese. Depois de o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, ter admitido que a prática do caixa dois é generalizada no país, nos últimos dias surgiram novas informações nesta mesma direção. Em entrevista publicada quinta-feira (28), pelo jornal Folha de São Paulo, o presidente regional do PSDB de Minas Gerais, Narcio Rodrigues, admitiu que houve um esquema paralelo de financiamento no segundo turno da campanha eleitoral para governo do Estado, em 1998, quando o então governador Eduardo Azeredo disputou a reeleição. ‘Faço conjectura de que houve uma ação de campanha no segundo turno. Houve aporte de recursos numa ação paralela de fortalecimento da campanha, para reversão do quadro, mas que não era uma coisa institucionalizada nem dentro do PSDB, nem na campanha majoritária do governo à reeleição’, declarou Rodrigues. Essas declarações, em tom confessional, começam a abrir, para a população, uma caixa preta que até então era um tema escamoteado.

O que é possível monitorar

As análises desenvolvidas pela equipe da Transparência Brasil indicam que o ‘o volume de financiamento tem relação direta com a chance de o candidato se eleger’. ‘Não haveria grande problema com a ligação entre recursos financeiros e votos caso os cidadãos tivessem um peso igual em relação a ambos. Contudo, na medida que indivíduos, entidades e empresas contribuem de forma desigual para campanhas, a representação democrática se deteriora’, avalia um dos textos disponíveis no site.

Sintéticos e escritos de forma clara e direta, esses textos podem ajudar os eleitores e os cidadãos em geral a entenderem um pouco melhor os tortuosos caminhos do voto e suas relações com as fontes de financiamento. Não há respostas prontas para os problemas. A pergunta sobre se dinheiro doado em campanha compra favores dos políticos eleitos, por exemplo, é difícil de ser respondida, reconhecem os idealizadores da iniciativa. Mas eles apontam um caminho para quem quiser monitorar esse tema: ‘deve-se verificar se os representantes eleitos retribuem o apoio financeiro com favores, o que exige um monitoramento individual de cada caso’.

Mesmo que o caixa dois seja uma prática generalizada na política brasileira, o que até agora não foi provado embora muitos políticos admitam como uma prática comum, as prestações de contas oficiais já oferecem elementos para algum tipo de controle. O site Às Claras destaca alguns desses elementos. ‘A partir da estrutura do financiamento é possível avaliar os riscos e o grau de dependência entre doares e financiadores. É inevitável depreender que candidatos que recebem grande parte dos recursos de poucos financiadores dependerão mais destes do que outros, que contem com fontes diversificadas. Igualmente, recursos de pequeno volume podem ser substituídos com mais facilidade do que grandes doações. Tais relações são retratadas nos gráficos junto às informações a respeito de cada candidato’, diz um texto que orienta o internauta a navegar pela página.

Se alguns financiadores forem, por exemplo, beneficiados de modo desproporcional com contratos públicos ou obtiverem outros favores, é possível, com base nas prestações de contas oficiais, questionar o comportamento de parlamentares e governantes. Na mesma direção, qualquer cidadão pode obter informações úteis sobre prestações de contas eleitorais e sobre candidatos que não apresentaram tais prestações, ou estão inadimplentes, no site do TSE. Para quem estiver verdadeiramente interessado neste tema, essas duas páginas na internet são verdadeiras minas de ouro.

Confira:

Às Claras: www.asclaras.org.br

TSE: www.tse.gov.br’



D. Eugenio de Araujo Sales

‘A imprensa e a religião no combate à corrupção’, copyright Jornal do Commercio in Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 26/07/05

‘Com uma dolorosa freqüência, a imprensa noticia desvios de verbas e a apropriação ilícita de somas, aliás vultosas, por parte de quem deveria zelar por sua honesta aplicação. Essa é uma benéfica missão da imprensa, quando o faz, retamente na defesa do bem público e não apenas por mera divulgação de escândalo. Sem a atuação dos meios de comunicação social, dificilmente viriam ao conhecimento da coletividade esses crimes contra a mesma.

O ‘Catecismo da Igreja Católica’ ensina: ‘Na sociedade moderna, os meios de comunicação social exercem um papel primordial na informação, na promoção cultural e na formação. (…) A informação dada pelos meios de comunicação social está a serviço do bem comum’ (nO 2493 e ss). Sem dúvida, cabe à imprensa papel importante na descoberta de criminosos, entre eles, os corruptos.

A corrupção é o elemento propulsor do aproveitamento pessoal e ilegítimo dos bens que pertencem à comunidade. Esse procedimento está incluído na proibição do Deuteronômio: ‘Não roubarás’ (5,19). São Paulo é explícito ao incluir, na lista dos excluídos do Reino de Deus, os que se apropriam do que não lhes pertence: ‘Não vos enganeis: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem maldizentes, nem os que se dão à embriaguez, nem salteadores possuirão o Reino de Deus’ (1 Cor 6,10).

Devemos ir às raízes dessa degenerescência para melhor e mais facilmente vencer o clima que nos entristece e tanto prejudica a Nação e seu povo. Refiro-me à corrupção administrativa, que induz e facilita o roubo no exercício dos cargos públicos. O Episcopado Latino-Americano, reunido em Puebla, de 27 de janeiro a 13 de fevereiro de 1979, com a presença do Papa João Paulo II, em sua primeira viagem ao exterior após a elevação ao Pontificado, repetidas vezes aludiu ao problema da corrupção em vários países do Continente: ‘Os cruéis contrastes de luxo e extrema pobreza (…) agravados pela corrupção que freqüentemente invade a vida pública e profissional’ (nO 494). (…) ‘No quadro político social se verifica o peso da crise institucional e econômica, claros sintomas de corrupção e violência’ (nO 508). (…) ‘Exortamos a todos que lutem contra a corrupção econômica nos distintos níveis, tanto da administração pública como dos negócios particulares, pois ela causa graves prejuízos’. Estas citações, colhidas quase a esmo, já revelavam, naquela época, a grande inquietação do Episcopado com o problema e, para resolvê-lo, os leigos são chamados a lutar. Também na III Assembléia, esse mesmo Episcopado reunido em outubro de 1992 em Santo Domingo, manifestou-se de modo incisivo, preocupado com a corrupção.

Infelizmente, nas últimas semanas, pelo que divulgou a imprensa – e parece ser apenas a ponta de um ‘iceberg’ – esse mal é uma real ameaça à nossa Pátria. A solução não está apenas nas mãos da Justiça e da Polícia, mas pede a urgente regeneração do tecido da vida pública e política. Os sinais apontados a seguir indicam, com clareza, o grau da decomposição moral reinante que se transforma em graves obstáculos ao combate à corrupção. Eles são ora efeito ora causa, dificultando um real saneamento por uma legislação adequada.

Aparentemente são assuntos diferentes, mas na realidade, bastante interligados. Falta de pudor e decoro no afrontamento do luxo exorbitante diante daqueles que sobrevivem nos cortiços, nas ruas das cidades, nas vielas insalubres das favelas, vítimas da miséria e da violência. Falta de pudor e decoro nos depoimentos contraditórios e nas mentiras pronunciadas diante de toda a nação estarrecida. ‘Sem a luz da verdade, mais cedo ou mais tarde cada pessoa está, de fato, condenada a duvidar da bondade de sua própria vida e das relações que a constitui, do valor do seu compromisso para construir com outros algo em comum’ (Discurso do Papa Bento XVI, na abertura do Congresso Eclesial Diocesano na Basílica de São João de Latrão). Também a imoralidade e a crescente pornografia, à medida que desaparece o pudor pelo livre uso de palavrões até em artigos de pessoas aparentemente respeitáveis e em matéria publicitária. Tentam justificar apelando falsamente para a preservação da liberdade de imprensa.

Homens provectos abrem a porta para o assassinato de um feto, condenando-o à morte por razões eugênicas. Na Igreja doméstica, que deveria ser a Família como demonstra o Concílio, cada vez mais a autoridade paterna se dilui na pessoa de um bom amigo, – não que não o deva ser – compreensivo, ou melhor, cúmplice da permissividade no lar. Pelas novelas, às vezes, o pai de família é simplesmente o oposto do que deveria ser. O mesmo se pode dizer quanto ao papel da mãe e esposa. Apresentam como modelo uma família em decomposição. Os valores religiosos se enfraquecem, enquanto se fortalece o pretenso direito a ser feliz neste mundo, mesmo às custas da integridade do lar e do sofrimento da prole. Para apoiar essa atitude, há uma opinião pública que desconhece os elementos fundamentais de uma vida religiosa e cívica.

Há uma relação entre a família e o bem-estar da coletividade. O indivíduo vive em sociedade e não é escolha sua observar ou não normas morais. Estas nascem de princípios eternos, queiram ou não os que arrogam a si o direito de determinar seu procedimento. Igualmente, as pesquisas ou experiências no ser humano não podem ser feitas em detrimento da dignidade da pessoa e à margem dos ensinamentos divinos.

O que vem ocorrendo, recentemente, com a utilização da internet por parte da juventude para fomentar a imoralidade, é como injetar na sociedade fatores degenerativos. Grave é a responsabilidade dos legisladores. Todo esse raciocínio vai além da crença católica e se aplica a tudo o que destrói ou enfraquece o tecido social. Assim, na atitude diante do aborto, jogatina, nudismo, má utilização do dinheiro público e dos desvios criminosos, o comportamento do cidadão não deve ser algo independente, mas julgado à luz da lei natural gravada por Deus nas criaturas humanas.

Aos homens de bem desta Nação compete lutar pelo bem-estar da sociedade, pela paz entre os povos e pelo progresso dos cidadãos, que muito dependem do reto uso da liberdade.

Com a intercessão de nossa Padroeira, Nossa Senhora Aparecida, que Deus nos ajude!

(*) Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro’



Eleno Mendonça

‘Alerta laranja’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 25/07/05

‘Eu não gostaria de escrever essa quase constatação, mas parece que a blindagem em torno do presidente está sendo posta de lado. Tanto que ele mudou o discurso, agora vai mais à esquerda, tenta sensibilizar militantes que ainda estejam do seu lado ou do lado bom do PT. Fica, também, cada vez mais complicado saber até que ponto Lula não sabia de nada e, se sabia, por que não agiu rápido.

Tudo isso, lógico, vai minando o frágil terreno em que se firma no momento o governo. Aos poucos, decepção após decepção, nomes importantes do PT e do Congresso vão aparecendo, Jefferson foi ao Boris e, como que querendo mandar recado, reafirmou que por duas vezes avisou o ministro Palocci. A cada caixa que se abre dos bancos também aparecem novas e surpreendentes revelações.

Todo esse conjunto de coisas, associado a uma reforma ministerial fraca e sem representatividade, mexe e muito na economia. Na sexta-feira os mercados começaram a sentir. Há alguns dias as agências de risco, que analisam a perspectiva do ponto de vista da credibilidade de um país ou de uma empresa, começaram a rebaixar as notas do Brasil ou então a não recomendar com tanta veemência a compra de papéis brasileiros.

Lá atrás, quando começou a crise, eu dizia que a economia estava sim sendo afetada. A imprensa, ainda agora, se recusa a mostrar esse cenário. Lógico que não é interesse nem deles nem meu de colocar fogo no circo, mas desde o princípio investimentos foram adiados, empregos deixaram de ser postos na praça, compras passaram a ser colocadas de lado. A inflação que cai, e é comemorada por todos, nada mais é que uma desagradável queda de consumo, que vai refletir no PIB, no emprego, no alento das pessoas.

O governo está, e parece finalmente ter reconhecido isso, numa complicada e difícil situação. Nos resta apenas uma coisa: torcer para que os processos sejam rápidos, que o governo mesmo fraco termine seu mandato e que possamos ingressar numa nova fase econômica, que não seja apenas baseada no modelo de exportação, que é sim muito, mas muito importante, mas não posso crer que um país se sinta saciado e satisfeito se seu povo, se seu consumo doméstico, vai mal, se esse mesmo povo produz apenas para inglês ver.’