Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Alberto Dines

‘O decoro parlamentar não é mera formalidade, questão de boas maneiras. Decorum é decência, honradez. Um congressista que desonra o seu mandato, desonra o Legislativo e o conjunto de estruturas que regem a coisa publica. Quebra de decoro é uma agressão contra a nação. Crime contra o Estado.

Quando, em 1946, a Câmara Federal tirou o mandato do deputado Barreto Pinto porque posou para a revista ‘O Cruzeiro’ de fraque e cuecas, o decoro foi entendido como compostura. O que não deixa de ser relevante.

Sessenta anos depois, com o inevitável aperfeiçoamento das idéias e instituições, o decoro ganha uma dimensão ética e jurídica que o coloca entre os principais atributos do homem público. A quebra de decoro por parte de um parlamentar é uma agressão aos seus pares, é uma violência contra os cidadãos que o elegeram, ofensa às regras e à essência do Estado de Direito.

Um parlamentar que recebe uma ‘ajuda’ financeira por qualquer motivo e valor comete uma infração. Não importa a sua periodicidade. Mensalão ou mensalinho são improvisações léxicas que não podem ser levadas ao pé da letra. Eufemismos destinados a maquiar e amenizar o que todos dicionários designam simplesmente como corrupção. E, nesta matéria, não há diferença entre o agente corruptor e o paciente corrompido.

Não deixa de ser tocante a solitária luta do ex-ministro e agora deputado José Dirceu para escapar da degradante companhia dos parlamentares corrompidos. Mas é inequívoca a sua condição de corruptor. Qualquer que seja o nome que se dê ao duto que irrigava o bolso de parlamentares, qualquer que seja a origem destes recursos, não se pode esquecer que trata-se de uma tenebrosa maquina de corrupção da qual participava com igual empenho o governo e o partido do governo. Não importam os objetivos, importa o método empregado: a quebra do decoro do parlamento e o aviltamento do Estado.

Se corrupção é crime, defendê-la é cumplicidade com o crime. Quando o presidente da Câmara pede publicamente um abrandamento das penas que serão impostas aos deputados que desonraram o mandato popular, Severino Cavalcanti assume uma sociedade com os infratores. Deixa de ser aquele farsesco congressista, patético representante da nossa degradação política, para converter-se em parceiro de criminosos. Formação de quadrilha é coisa grave.

Sua alegação de que crime eleitoral é crime menor e crime menor não é crime constitui uma perigosa tentativa para banalizar o mal e torná-lo irrelevante. A entrevista de Severino Cavalcanti à ‘Folha de S.Paulo’ (terça, 30/8)) é uma conclamação à impunidade, apelo ao caos, pura subversão.

Não a fez apenas porque é fisiológico e paternalista, Severino não é bobo, sabe que um processo justo e rigoroso fatalmente chegará até ele. Não é por casualidade que as ratazanas começaram a abandonar o seu partido.

As suspeitas de que embolsou um ‘mensalinho’ oferecido pelo concessionário de um dos restaurantes da Câmara explica a inesperada saída Delfim Netto do PP. Delfim entende de naufrágios, apesar do corpanzil é expert em sobrevivência.

Entende-se a santa indignação do deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) ao abandonar sua postura pacífica, reflexiva, para envergar novamente o uniforme de guerrilheiro e iniciar uma cruzada capaz de nos livrar da humilhação de assistir à quebra do decoro instalada formalmente na cúpula do Congresso.

Severino na presidência da Câmara é uma aberração. É a consagração da bandalheira. O processo de depuração moral finalmente iniciado não pode resumir-se às CPI’s e à Comissão de Ética. Gabeira sabe que a Casa do Povo precisa merecer novamente a confiança popular.

Decoro não é peça decorativa.’



Natuza Nery

‘Empresário nega pagamento de propina a Severino’, copyright UOL (www.uol.com.br), 5/09/05

‘O empresário Sebastião Augusto Buani, proprietário do restaurante Fiorella que funciona no 10º andar do Anexo 4 da Câmara, negou nesta segunda-feira que tenha pago propina ou tentado extorquir o presidente da Casa, Severino Cavalcanti (PP-PE).

Buani, no entanto, recusou-se a comentar se Severino pediu propina para garantir a concessão do restaurante.

‘Eu nunca paguei propina. Aliás, eu não tenho dinheiro para pagar as minhas contas, quanto mais propina’, disse Buani a jornalistas, após depor à comissão de sindicância criada pela Câmara para investigar irregularidades no contrato de concessão do restaurante.

‘No momento próprio, vai ser apresentado [à Polícia Federal] o que eu tiver’, acrescentou Buani.

Segundo reportagem da revista Veja desta semana, Buani teria pago R$ 10 mil mensais para manter a concessão na Câmara, quando Severino era primeiro secretário da Casa, responsável pelas questões administrativas.

Na sexta-feira, ao tomar conhecimento da reportagem, Severino negou o recebimento de propina e ainda acusou o empresário de tentar extorqui-lo. O deputado também pediu abertura de inquérito pela PF, o que aconteceu nesta segunda-feira.

‘Se o presidente falou isso, ele vai ter que provar, porque em nenhum momento na minha vida eu fiz isso’, disse Buani, que negou também ter feito a denúncia à imprensa.

Pedido de afastamento

Representantes dos partidos de oposição pediram nesta segunda-feira o afastamento temporário de Severino Cavalcanti. A decisão foi tomada depois de uma reunião entre PFL, PSDB, PPS, PDT e PV. ‘O presidente da Câmara perdeu a autoridade moral e política para presidir esta Casa. Esse é um fato’, afirmou o líder do PSDB, deputado Alberto Goldman (SP).

Severino já mandou um recado: não deixará o seu cargo, segundo relato de José Carlos Aleluia (PFL-BA).

‘Por diversas vezes, Vossa Excelência dirigiu-se à nação anunciando que agiria na condição de magistrado… é novamente hora de demonstrar seu compromisso com a imparcialidade. A nenhum magistrado é dado comandar um procedimento no qual possui interesse direto’, diz o texto dos partidos de oposição.

‘Em nome do que representa o Parlamento brasileiro, solicitamos à Vossa Excelência que se afaste da presidência da Câmara até que as denúncias sejam apuradas com rigor e isenção. Sem essa providência, as investigações estarão comprometidas.’

De acordo com o regimento da Câmara, não há nenhum instrumento que inviabilize a permanência de Severino à frente de suas funções, a não ser pela cassação do seu mandato parlamentar.

A oposição julga que, por enquanto, não há elementos para se enviar uma representação ao Conselho de Ética. Por isso, vai criar uma comissão informal para acompanhar as investigações. Em caso de evidência inequívoca de envolvimento de Severino no episódio denunciado, um processo de cassação deverá ser pedido.

‘Não é para nós compatível que ele seja ao mesmo tempo réu e juiz do processo’, analisou o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), segundo quem haverá uma nova reunião até terça-feira para discutir os rumos das investigações e o posicionamento dos partidos ante a possibilidade de abertura de um processo no Conselho de Ética.

Pelo seu partido, Jungmann avalia a necessidade imediata do pedido de cassação, mas argumenta que só tomará essa decisão em conjunto com outras legendas.

Parlamentares da oposição disseram à Reuters que sua estratégia é enfraquecer Severino e fazer com que ele renuncie à presidência. Dessa forma, nova eleição para o comando da Câmara seria convocada.

Para os oposicionistas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva perderia um importante aliado político caso Severino tenha de se afastar. O objetivo deles é emplacar um de seus nomes para o lugar ocupado atualmente por Severino.

O diretor da PF, Paulo Lacerda, designou o delegado Sérgio Menezes para investigar o que Severino classifica de tentativas de extorsão de Buani, a qual estaria sendo submetido Severino.

O primeiro passo, segundo a assessoria da PF, será ouvir Severino, mas seu depoimento ainda não foi marcado.’



Deonísio da Silva

‘O jagunço Fernando Gabeira’, copyright Jornal do Brasil, 6/09/05

‘Moacyr Scliar tem um livro cujo título resume o ofício do escritor: Exército de um homem só. Na História, várias vezes um homem ficou sozinho contra todos e em muitas delas foi um escritor.

Antes que entre nós a literatura fosse enredada no cipoal da mídia, o escritor tinha voz e tribuna, não por ser celebridade, destaque em outro campo, empresário ou cantor, colunista deste ou daquele veículo, mas pela qualidade do que escrevia vale dizer, do que dizia. Não é à toa que quando citamos um autor, dizemos ‘Fulano diz tal coisa no livro tal’. Não dizemos ‘escreve’, dizemos ‘diz’. E ainda que tenha dito há muito tempo, não dizemos ‘disse’. Dizemos ‘diz’, atualizando sua declaração. Machado diz dos olhos de Capitu: ‘traziam não sei que fluído misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca’.

Uns escrevem e dizem como Machado, na moita, cobertos de sutilezas. Outros não insinuam, declaram, fremem. Foi fremindo, utilizando não mais do que o poder seco de si mesmo, como um jagunço de Guimarães Rosa, que o jornalista Fernando Gabeira, agora deputado, desembainhou a arma branca da palavra imaculada, incorruptível, desatrelada de acordos e acordões, e, dedo em riste, disparou golpe certeiro no coração de Severino Cavalcanti, presidente da Casa: ‘Vossa Excelência é um desastre!’. Ouviu em resposta que se recolhesse à sua insignificância.

Ao falar e escrever, escolhemos as palavras que nos parecem mais adequadas para expressar o que queremos e às vezes dizemos sem querer o que muitos queriam dizer. Foi o caso de Fernando Gabeira. Disse ‘desastre’. Foi um desastre a eleição daquele homem para presidir a Câmara.

Fernando Gabeira escolheu a palavra perfeita: é de desastre que se trata, no sentido que já tinha no provençal antigo, de ser ‘contra os astros’, pois os antigos pensavam que as grandes desgraças e calamidades decorriam de desordens entre os astros, impedidos momentaneamente de zelar pelas coisas terrenas, como explico em De onde vêm as palavras (Editora A Girafa).

Já o deputado Severino Cavalcanti escolheu ‘insignificância’ para definir a condição de seu igual na Casa. Ele seria insignificante por não ocupar nenhum cargo? Ou por não representar a ninguém, além de si mesmo?

Vejamos as opções que Fernando Gabeira tem nos dicionários para entender insignificância. Entre outras, as seguintes: borra, chorumela, droga, mexinflório, mixaria, ninharia, nulidade, porcaria, titica, trampa e nonada.

‘Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja’. Assim começa João Guimarães Rosa a sua obra-prima, Grande sertão: veredas. Riobaldo, o narrador, dirá no final: ‘comprar ou vender, às vezes, são ações que são as quase iguais…’.

Ao reler o trecho, dêem uma olhadinha nos vendedores e compradores de votos no Congresso. O sociólogo Bolívar Lamounier me disse certa vez que quando a Justiça falha, podemos lançar mão de saberes jurídicos complementares e examinar o que definiu como ‘a cara do bruto’.

Sem nenhum preconceito, como lembrou outro dia, neste mesmo jornal, Augusto Nunes, ninguém enganava a Tom Jobim no olhar, nem mesmo Marlon Brando. Pois neste mistério doloroso por que passa o Brasil, contemplamos como Fernando Gabeira encarou a Severino Cavalcanti e disse que ele era um desastre para o Brasil. Na quinta-feira seguinte à polêmica intervenção, o presidente Lula condecorou 140 personalidades com a Ordem de Rio Branco, das quais 139 foram aplaudidas quando receberam a comenda. Na vez de Severino Cavalcanti, baixou um inusitado silêncio, provavelmente inspirado no conselho de Sêneca: ‘é uma grande coisa saber falar e silenciar na hora certa’.

Deonísio da Silva escreve às terças-feiras no JB’



Agência Câmara

‘Nardes pede mesmo espaço para desmentido de empresário’, copyright Agência Câmara (www.camara.gov.br), 5/09/2005

‘O deputado Augusto Nardes (PP-RS) disse há pouco, em plenário, que a imprensa deveria dar espaço para o desmentido do empresário Sebastião Augusto Buani em relação às denúncias contra o presidente Severino Cavalcanti. ‘Ele negou todas as acusações contra Severino e isso precisa ser mostrado à opinião pública’, afirmou.

De acordo com Nardes, a Câmara não pode fazer um pré-julgamento de Severino, pois há o risco de repetir a injustiça que resultou na perda do mandato de Ibsen Pinheiro, ex-presidente da Câmara. ‘Ibsen foi condenado antecipadamente, pela Câmara, com base em uma matéria da Veja que depois foi totalmente desmentida. Praticamente acabaram com a vida dele’, recordou.

Naquele episódio, segundo Nardes, a Câmara se baseou apenas na imprensa e não fez uma investigação profunda. ‘Por isso, respeito os parlamentares que querem fazer investigações, mas não podemos cometer novas injustiças. Quando se agride um parlamentar sem qualquer substância na acusação e sem provas concretas, toda a Casa é atingida’, afirmou.

Na avaliação de Augusto Nardes, as denúncias contra Severino têm apenas o objetivo de vender jornais.

Mesmo destaque

O deputado Cleonâncio Fonseca (PP-SE) também sugeriu que a imprensa dê ao desmentido do empresário Sebastião Buani o mesmo destaque que foi dado às denúncias contra o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti.

‘Queria que a imprensa, que deu tanta ênfase a essas injustiças lançadas contra o presidente da Casa, homem de vida pública ilibada, destaque com a mesma ênfase a entrevista em que o senhor Sebastião Buani nega taxativamente que tenha pago propina a Severino Cavalcanti’, afirmou.’



Folha de S. Paulo

‘Severino Sob Ataque’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 05/09/2005

‘Vai-se complicando a situação do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), acusado de receber mesada de R$ 10 mil para favorecer a empresa que administra o restaurante da Casa. A história teria sido registrada em anotações pelo próprio dono da firma, que relata em detalhes como fazia os pagamentos.

A denúncia, cuja proporção parece adequada à estatura política do deputado, o colheu num momento crítico. Pouco antes, em entrevista à Folha, Severino havia despertado fortes reações por considerar que não existiu o esquema do ‘mensalão’ e defender penas brandas para os envolvidos no uso eleitoral de recursos de caixa dois. Interpretada como um sinal de que estaria em curso um acordo acomodatício para conter as punições aos envolvidos, a entrevista gerou críticas de oposicionistas e levou o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) a uma reprimenda exemplar, formulada em plenário, na qual sugeriu a deposição de Severino.

Essa hipótese ganhou mais corpo com as declarações do presidente da Câmara acusando o PFL e o PSDB de estarem ‘por trás’ da denúncia contra ele. A oposição reúne-se hoje para discutir uma linha de atuação.

A favor de Severino, deve-se ressaltar que não foi apresentada nenhuma prova e ele próprio tomou a iniciativa de pedir uma investigação.

A questão, obviamente, encerra uma dimensão política, alimentada pela percepção geral de que o deputado tem feito jus ao epíteto de ‘rei do baixo do clero’. Desde sua eleição, comporta-se como o que realmente é: um político provinciano, fisiológico, oportunista e desprovido dos requisitos básicos para exercer de maneira satisfatória a função para a qual foi escolhido -com o apoio, diga-se, de parte da oposição ‘responsável’ que agora o enfrenta.

Embora pública e notória, a inadequação de Severino não basta para removê-lo do cargo. Um movimento nesse sentido precisaria estar amparado em fatos sólidos e observar com rigor as normas constitucionais, caso contrário não passará de uma tentativa de golpe.’