Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Alberto Dines

‘Os comentaristas ainda estão divididos na avaliação sobre a cúpula árabe-sul-americana encerrada na quarta-feira em Brasília. José Sarney no seu plantão a serviço do governo – qualquer governo – acha que nem o Dia do Orgasmo no Piauí ofuscou a tremenda repercussão do evento.


Com um pouco mais de compostura, outros observadores procuraram mostrar que na condição de instrumento anti-americano o evento foi um sucesso, mas foi um fracasso como alavanca para o fortalecimento continental e será inócuo como incentivo às nossas exportações para o mundo árabe.


Se a intenção era mostrar ao bom amigo Bush Jr. que o governo brasileiro é avesso às bravatas e, por isso, merece um assento permanente no Conselho de Segurança, produziu-se o efeito oposto. Se o objetivo era firmar a liderança brasileira na América do Sul, a reação independente dos presidentes da Argentina e do Chile (que abandonaram o evento antes do encerramento) foi um claro indício de que estamos no caminho errado.


E se a razão principal do conclave foi incentivar as exportações para o mundo árabe quebramos a cara por que o mundo árabe é vasto e diversificado — estende-se do norte da África, passa pelo Oriente Médio mediterrâneo e chega à península arábica. O mundo árabe é um conjunto de mundos cada um com necessidades próprias e interesses específicos.


Para alguns experts em relações internacionais ficou a impressão de que a diplomacia brasileira ainda não conseguiu libertar-se do terceiro-mundismo e das restrições mentais impostas pela Guerra Fria. Com isso pretendem insinuar que em matéria de política externa estamos atrasados cerca de 50 anos. Exageram, são apenas 30.


Outros analistas mais preocupados com a conjuntura interna deram mais atenção à declaração final onde não existe qualquer referência à democracia – mesmo como ideal distante. O governo estaria assim traindo o seu principal partido, o PT, que surgiu, forjou-se e, em certo momento, representou a pureza dos compromissos democráticos na luta contra a ditadura.


A parolagem do presidente Lula no final do encontro tentando explicar que a omissão era uma maneira democrática de respeitar os participantes não-democratas serviu apenas para tornar gritante o teor de relativismo que impregna o projeto político ora em curso em nosso país.


Traduzindo o elaborado sofisma para o vernáculo, o presidente Lula quis dizer que para sermos coerentes com a democracia temos que respeitar aqueles para os quais a democracia não merece ser respeitada. Em outras palavras: se Severino Cavalcanti é um coronel autoritário sem qualquer apreço pelo Estado de Direito, em vez de combatê-lo é preciso esquecer as diferenças e aceitar as suas pretensões.


Se nos aspectos particulares sobressaem os senões, uma avaliação mais abrangente da cúpula brasiliense revela o seu êxito como uma tomografia capaz de revelar a alma da nossa diplomacia: está contaminada pelo espetáculo. Prova disso são os quatro chanceleres que dividem o seu comando (o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, o seu superior, Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores, o Assessor Especial da Presidência, o professor Marco Aurélio Garcia e, agora, o Ministro-Chefe da Casa Civil, José Dirceu).


Cada um quer fazer o seu número e obter mais aplausos, a ambição de brilhar parece sobrepor-se à eficácia. A magnífica troupe esquece que a diplomacia bem sucedida é a diplomacia que não chama a atenção, invisível. A arte da negociação pode até valer-se de certos recursos da dramaturgia, mas impõe-se a liturgia da discrição. Falta maturidade, sobra exibicionismo na casa que leva o nome de Rio Branco, mas esquece os seus ensinamentos.


A cimeira árabe-sul-americana pretendia ser um bazar, mas foi executada como um circo. Não vendeu coisa alguma e a vedete foi um milongueiro argentino.’




Ferreira Gullar


‘A coisa está branca’, copyright Folha de S. Paulo, 15/05/05


‘Embora todo mundo já tenha escrito sobre a tal cartilha que a Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal elaborou e editou, também vou meter o meu bedelho no assunto. Vocês hão de lembrar que sobre o papa eu não escrevi, que de papa eu não entendo; de cartilha também não, mas querer nos ensinar que pega mal usar expressões como ‘farinha do mesmo saco’ indica que esse pessoal do Lula ou não tem mesmo o que fazer ou está a fim de nos encher o saco (com perdão da expressão politicamente incorreta).


Essa coisa de censurar palavras e expressões nascidas do falar popular é uma mania que de vez em quando aflora. Não faz muito, surgiu uma onda exigindo que se expurgassem dos dicionários palavras como ‘judiação’ ou ‘judiar’, sob o argumento de que são expressões anti-semitas. Bastava pensar um pouco para ver que tais palavras não se referem aos judeus, e sim a Judas Escariotes, isto é, à malhação do Judas no Sábado de Aleluia. Judiar ou fazer judiação é submeter alguém a maus-tratos semelhantes aos que a molecada faz com o boneco de Judas.


Outra expressão que a ignorância rancorosa considera insulto racista é ‘a coisa está preta’, que, na verdade, como se sabe, alude ao acúmulo de nuvens negras no céu no momento que precede as tempestades. Assim, quando alguém pressente que as coisas estão se complicando, usa aquela expressão. Pois acreditem vocês que um conhecido meu, pessoa talentosa, me disse que em sua casa está proibido dizer ‘a coisa está preta’; lá se diz ‘a coisa está branca’! Pode?


Essa cartilha -que o governo promete consertar, como se tal coisa tivesse conserto- pode abrir caminho para restrições à liberdade de expressão, se não em termos de lei, mas por induzir pais de família e professores a discriminar textos literários ou jornalísticos e, conseqüentemente, seus autores. No que me toca, já estou de orelha em pé, pois acabo de lançar um livro para crianças (!!) cujo título é ‘Dr. Urubu e Outras Fábulas’. Para azar meu, o poema que dá título ao livro começa assim: ‘Doutor Urubu, a coisa está preta’.


Temo ser levado ao Tribunal da Inquisição por incorrer em duplo delito, pois, além de usar a expressão condenada, ainda dou a entender que a frase alude à cor negra da ave, e logo que ave! Um urubu, bicho repugnante, que só come carniça! Adiantaria alegar que não fui eu quem pintou o urubu de preto? Minha sorte é que vivemos numa democracia, e o nosso povo, por índole, é pouco afeito ao fanatismo desvairado, em que pesem as exceções.


Exagero? Pode ser, mas, se exagero, é de propósito, para pôr à mostra o que há de perigoso e burro nesses defensores do politicamente correto, porque, se não há o perigo da fogueira, há o perigo do império da burrice ir tomando conta do país. E tudo devidamente enfeitado de boas intenções.


Sim, porque, conforme alegou o autor da cartilha, ela foi concebida com o propósito de resguardar a suscetibilidade de brancos e negros, de judeus e muçulmanos, de cearenses e baianos, de palhaços e beatas… Até os comunistas foram beneficiados sob o pretexto de terem sido vítimas de graves calúnias. Não sei se a Secretaria de Direitos Humanos acha natural chamar a outros de fascistas ou nazistas; quanto a acoimá-los de vigaristas, creio que não, pois isso ofenderia os vigários em geral. Não posso afirmar se a cartilha resguarda também a suscetibilidade dos chifrudos, dos pançudos, dos narigudos, dos cabeludos e dos cabeçudos; dos pirocudos, acredito que não, pois isso é tido como elogio. Mas e as moças de pouca bunda e poucos seios (do tipo Gisele Bündchen), que o pessoal apelida de ‘tábua’? E o gorduchos, apelidados de ‘bolão’? Os magricelas, de ‘espeto’? E os baixotes, chamados de ‘meia porção’? Isso sem falar num respeitável senador da República a quem seus confrades -acredito que sem malícia- apelidaram de ‘lapiseira’.


Estou de acordo com que não se deva tratar pessoa nenhuma por apelidos depreciativos. Por exemplo, num papo com Bin Laden, eu teria a cautela de não chamá-lo de terrorista, especialmente se ele estivesse acompanhado de um homem-bomba. Do mesmo modo agiria com o juiz Nicolau, a quem nunca trataria de ‘meritíssimo Lalau’, embora certamente não lhe revelasse a senha de meu cartão de crédito.


Como se vê, isso de falar politicamente correto envolve muitos problemas, porque não se trata de engessar apenas o humor (bom ou mau) das pessoas, mas de engessar o próprio idioma. Falar, de certo modo, é reinventar a língua, já que o que se diz estava por ser dito e, ao dizê-lo, damos-lhe uma forma imprevisível até para nós mesmos. Além disso, há pessoas especialmente dotadas de verve, que nos surpreendem (e a si próprias) com expressões às vezes irônicas, sarcásticas ou simplesmente engraçadas. Criam modos de dizer inusitados, apelidos, ditos, tiradas, que nos divertem e enriquecem o nosso falar cotidiano. É que falar é um exercício de liberdade (para o bem ou para o mal), que não cabe nos preceitos de uma cartilha ou de um código de censura.


Aliás, para terminar, sugiro que se mudem os nomes de certos insetos como barata, formiga e piolho, por coincidirem lamentavelmente com os sobrenomes de algumas respeitáveis famílias brasileiras.’




José Paulo Lanyi


‘Correspondentes se queixam do Planalto’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 12/05/05


‘O presidente Lula está às voltas com mais uma crise com os estrangeiros. Desta vez, não se trata de colocar panos quentes em uma pendenga como a que opôs a Argentina ao Brasil, no âmbito do Mercosul. Mas o esforço de realinhar os humores é similar, diante das críticas da Associação dos Correspondentes Estrangeiros de São Paulo (ACE) à política de comunicação do Governo.


Na análise da associação, a vida dos correspondentes não tem melhorado muito, nem mesmo depois do recuo da tentativa de despachar o americano Larry Rohter, aquele repórter do jornal ‘The New York Times’ que provocou ‘frissons etílicos’ ao se referir a supostos hábitos do presidente da República, há um ano (no dia 11 de maio de 2004 o Ministério da Justiça anunciou a expulsão de Rohter, mas, sob pressão, o Palácio do Planalto voltou atrás).


De acordo com uma fonte da ACE, ‘o atendimento tem piorado depois que voltou a se concentrar na SID [Secretaria de Imprensa e Divulgação], em março deste ano’. Antes, teria sido um pouco melhor: ‘O atendimento estava dividido entre a SID e a SECOM [Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica], que nos facilitou o acesso aos ministros no ano passado’.


Os correspondentes se queixam da entrevista coletiva do presidente Lula, concedida em 29 de abril. Apenas uma das 14 perguntas foi destinada à imprensa estrangeira. No mesmo dia, a presidente da ACE, a peruana Verónica Goyzueta, enviou uma carta aos associados, publicada na íntegra pelo site ‘Observatório da Imprensa’:


‘Caros Correspondentes, assistimos hoje a uma primeira entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à imprensa nacional e estrangeira em mais de dois anos de governo, sem a participação da imprensa estrangeira. A entrevista foi convocada com apenas um dia de antecedência, mesmo sendo do conhecimento do governo que os jornais e revistas estrangeiros não têm representantes em Brasília e precisam resolver questões de traslado para participar de um evento como esse. Os organizadores abriram espaço para apenas uma pergunta da imprensa estrangeira em nome da Associação dos Correspondentes de Brasília, de um total de catorze perguntas. Muito pouco, considerando que há mais de 250 correspondentes no Brasil. Segundo nosso colega Santiago Farrell, presidente da Associação de Correspondentes em Brasília, a imprensa estrangeira não teria direito a perguntas na coletiva e ontem, às 22h30, depois de pelo menos dois contatos com André Singer, ele obteve a resposta de que haveria direito a apenas uma pergunta. Segundo Farrell, a SID (Secretaria de Imprensa e Divulgação) fez o sorteio dos jornalistas com direito a pergunta e da ordem das perguntas. Estamos aguardando que os nossos colegas de Brasília terminem suas matérias, para conversar sobre as dificuldades que eles tiveram. Depois disso devemos redigir uma carta conjunta das três associações para protestar sobre a forma em que a imprensa estrangeira foi desconsiderada nesta primeira coletiva do presidente. Pedimos a todos que enviem e-mails sobre as dificuldades que tiveram desta vez e de outros problemas de acesso que tenham tido com o Planalto para incluí-las na mensagem que enviaremos a Brasília.


Atenciosamente,


Associação dos Correspondentes Estrangeiros de São Paulo


(www.ace.jor.br)’


Em 2 de maio, a associação reiterou as críticas em mensagem ao secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência:


‘Prezado Sr. André Singer:


Assistimos à primeira entrevista aberta à imprensa brasileira e estrangeira concedida pelo Ilmo. Sr. Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, em dois anos e quatro meses de governo, com a surpresa de ver que a imprensa estrangeira, com quase 300 representantes no país, teve direito a apenas a uma das 14 perguntas realizadas nessa ocasião. Os correspondentes da imprensa estrangeira de São Paulo não nos sentimos representados na entrevista do dia 29 de abril e acompanhamos as dificuldades enfrentadas pelos colegas de Brasília para negociar o direito a apenas uma única pergunta para todos. Não podemos considerar, portanto, que esta foi uma entrevista aberta à imprensa nacional e estrangeira. Não concordamos também com a forma em que a entrevista foi convocada, sendo avisados apenas na véspera. Infelizmente, os jornais e revistas da imprensa estrangeira estão em São Paulo e Rio de Janeiro e precisamos de mais tempo para comunicar os nossos editores e preparar a viagem a Brasília.


Tendo em vista que estão se considerando novas coletivas com o presidente em outros estados, gostaríamos de convidá-lo para um encontro com os membros da Associação dos Correspondentes Estrangeiros (ACE) de São Paulo para conversarmos sobre as necessidades da imprensa estrangeira e de como poderíamos organizar essa entrevista em São Paulo.


Gostaríamos também de aproveitar essa ocasião para lhe expor as nossas necessidades, nossos problemas burocráticos e, principalmente, para conversar sobre como retomar as entrevistas com ministros que estávamos tendo até antes da reestruturação da comunicação do governo. É importante que o governo melhore a comunicação com a imprensa estrangeira, pois sem essa ação a nossa cobertura fica difícil e limitada à repercussão das notícias que chegam a nós pela imprensa nacional. Esperamos que Vossa Senhoria e a sua equipe considerem o nosso convite e revejam os procedimentos de atendimento à imprensa estrangeira.


Atenciosamente,


Verónica Goyzueta


Presidente ACE’


Thierry Ogier


Vice-presidente ACE’


A resposta do Governo só viria nesta quarta-feira (11/05). Ao ser informado do teor desta reportagem, o secretário telefonou para Goyzueta e prometeu facilitar o trabalho dos jornalistas estrangeiros. Solícito, marcou uma reunião com os correspondentes em São Paulo para a primeira semana de junho. Haverá também um encontro de André Singer com os jornalistas do Rio. Um dos assuntos tratados foi a barreira entre os repórteres e os ministros. ‘Os correspondentes de São Paulo e do Rio de Janeiro precisam de uma abertura maior porque não têm acesso direto e acabam repercutindo o que é divulgado em Brasília’, observou Goyzueta.


Colegas argentinos


Como no episódio Brasil-Argentina, o Governo se mostrou conciliador e reforçou a chamada agenda positiva. ‘Queremos ter contato estreito com os correspondentes’, salientou Rodrigo Baena Soares, porta-voz-adjunto da Presidência da República. Diplomata de carreira, Baena diz ter grande interesse em ajudar os repórteres de outros países. Ele confirmou a reunião do secretário Singer com os correspondentes no Rio de Janeiro e em São Paulo. A secretaria também se dispõe a abrir as portas dos ministérios para os jornalistas estrangeiros das duas capitais. ‘O nosso interesse de colaborar é total’.


O correspondente do jornal argentino ‘La Nación’, Luis Esnal, fez críticas severas ao Governo, no relato que enviou a esta coluna. A mídia argentina estaria sendo tratada a pão e água:


‘Em dois anos e meio de governo, o governo Lula atendeu jornalistas norte-americanos em exclusiva -’Washington Post’ e ‘New York Times Magazine’-, conversou com jornalistas franceses, atendeu o jornal ‘El País’ de Madri, atendeu jornalistas norte-americanos numa minicoletiva oferecida em Washington. Eu sou absolutamente consciente de que cada governo arma sua estratégia de comunicação como bem lhe parece, mas eu sinto a seguinte curiosidade: por que, se a política externa supostamente tem na Argentina seu principal parceiro na América do Sul, sua área de expressão, Lula jamais atendeu um jornalista argentino ou sul-americano? Em dois anos e meio fazendo essa mesma pergunta para diferentes figuras do governo, sempre obtive risinhos como resposta.


No governo anterior, com o qual todos sabemos que a imprensa nacional e internacional era bastante crítica inclusive eu-, tínhamos acesso completo ao governo. O Itamaraty era uma fonte de informação muito valiosa, e simplesmente bastava ligar para obter a fonte para falar do assunto que fosse. Hoje o Itamaraty ficou um lugar impossível de obter nformação. Imagine como é para um correspondente fazer uma obertura num país onde o serviço exterior não atende orrespondentes e não fala nunca quais as políticas do país para com o país do correspondente.


Em dois anos e meio de governo o embaixador brasileiro na Argentina, Mauro Vieira, se negou todas as vezes a atender os pedidos de conversa -off ou on- dos correspondentes argentinos no Brasil. Negou-se no começo, quando as relações Brasil e Argentina viviam uma lua-de-mel, negou-se quando este correspondente e o meu jornal concorrente [Clarín] publicamos matérias elogiosas sobre sua figura (matérias que o tempo mostrou erradas) e se nega agora. Depois querem que alguém acredite quando eles falam ‘as nossas relações são excelentes’, quando os próprios governos decidem, deliberadamente, não atender os jornalistas do país vizinho? Por que não começam por deixar a retórica mentirosa de lado e começar a dar explicações dos atos, algo básico de qualquer república séria?’.


Ao que parece, os governos do Brasil e da Argentina convergem na forma como tratam os jornalistas do outro lado da fronteira. Esta nota saiu no jornal ‘O Estado de S. Paulo’, em 4 de maio:


‘El Pingüino’ detesta os jornais brasileiros


RECUSA: ‘O presidente Kirchner não quer falar com a imprensa brasileira. Nem ontem, nem hoje, nem no futuro. Não falará nunca com a imprensa brasileira, jamais.’ A frase, disparada em julho do ano passado, durante a reunião de cúpula do Mercosul realizada na pequena cidade argentina de Puerto Iguazú, é do porta-voz de Kirchner, Miguel Nú‡ez. Apesar dos insistentes pedidos dos correspondentes brasileiros em Buenos Aires, Kirchner nunca quis dar entrevistas.


Encurralado por um substancial grupo de jornalistas brasileiros, entre eles do Estado, o assessor do presidente não explicou os motivos da repulsa de Kirchner à imprensa que mais publica diariamente sobre a Argentina em todo o mundo, isto é, os jornais brasileiros. Os motivos dessa ojeriza não foram explicados pelo porta-voz. Os brasileiros não são o único alvo da indiferença de El Pingüino (O Pingüim), como é conhecido. ‘Os maus-tratos são iguais para todos’, diz Carmen De Carlos, do jornal espanhol ABC.’


Esta semana, na Cúpula América do Sul-Países Árabes, a correspondente do ‘Clarín’, Eleonora Gosman, fez uma das perguntas ao presidente Lula. Um dado curioso: apesar de reclamar da suposta indiferença do Governo, a argentina não tem o hábito de responder a pedidos de entrevista, ao longo de vários meses. Nem mesmo um ‘não’, ainda que por gentileza ou educação.


O porta-voz Rodrigo Baena Soares citou algumas entrevistas de Lula para reforçar a alegada proximidade da Presidência com os correspondentes. Além da coletiva do dia 29 de abril, pinçou a de 27 de abril de 2003, sobre o encontro com o G8, a de 22 de agosto de 2003 e, por fim, a de 27 de novembro de 2003, cuja pauta foi a viagem de Lula ao Oriente Médio. Relatou, também, um encontro recente de Singer com o presidente da Associação de Correspondentes Internacionais de Brasília- ACI-DF, Santiago Farrell, interpretado como um gesto de boa-vontade do Governo. ‘Comunique-se’ não conseguiu localizar o jornalista.


Diversamente de certos embates diplomáticos, na contenda entre os interesses dos Estados, o diálogo será suficiente para resolver o impasse. Desde que conversem os correspondentes, o presidente da República e os seu auxiliares. E que daí resulte o que os jornalistas de todos os quadrantes esperam: notícia. ‘Vamos a ver’…’