Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Alberto Dines

‘Carpir é verbo venal, carpideiras vertem lágrimas por qualquer coisa, inclusive dinheiro. Chorar é diferente, pressupõe tristeza, emoção, aflição, desgraças, infortúnios. Choram-se perdas e dores _ físicas e morais.

Na noite de quarta-feira, quando manifestava-se em plenário sobre a CPI dos Correios, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), engoliu um soluço de emoção e não teve vergonha de tirar o lenço do bolso para enxugar os olhos.

Foram horas tensas e intensas: na madrugada anterior apelara por e-mail ao presidente Lula para que o governo não se opusesse à instalação da CPI, durante a tarde, anunciou que se curvaria à decisão do partido mesmo que dela discordasse; horas depois, seis senadores do partido – ele inclusive – combinaram que subscreveriam o requerimento às 23h30 (meia hora antes do prazo fatal), quando a CPI seria um fato consumado. Mas o próprio Suplicy não gostou daquele tipo de rebelião equívoca e disfarçada, condenada a parecer despistamento.

Às 20 horas subiu à tribuna para declarar que decidira rever a sua posição e por uma questão de consciência assinaria o requerimento mesmo sabendo que o seu gesto equivaleria ao veto do partido à sua reeleição ao Senado em 2006. O futuro embargo embargou a voz, neste momento chorou.

Céticos e cínicos alegarão que Suplicy emocionou-se ao pressentir uma interrupção na sua carreira parlamentar. Pura perfídia, uma figura como ele encontrará facilmente abrigo em qualquer legenda de esquerda ou centro-esquerda.

Na noite anterior, numa recepção na embaixada da China, Suplicy ouviu o senador Ney Suassuna, líder do PMDB, reclamar mais verbas e mais cargos públicos para convencer os parlamentares renitentes a desistir da CPI.

Não há menor dúvida: Suplicy chorou pelo PT. Chorou pela agremiação que, como ele, havia optado pela ética e pela decência. Chorou diante da degradação pública de um projeto político nas mãos de um bando de companheiros na melhor das hipóteses, incompetentes e, na pior, levianos.

Suplicy chorou ao constatar a esdrúxula fusão PT-PTB. Os dois partidos até então antípodas igualaram-se magicamente há 10 dias quando o presidente da República num dos seus perigosos rompantes estendeu um habeas-corpus solidário ao partido liderado pelo deputado Roberto Jefferson. Naquele exato momento, as maracutaias do PTB nos Correios passaram a ter o endosso do PT e a letra ‘B’ deixou de distingui-los, passaram a ser a mesma coisa, confundiram-se agarrados ao palanque do poder – um para locupletar-se, outro para tirar proveito da orgia que patrocina.

A CPI não visava inicialmente qualquer membro do PT, agora visa o governo inteiro por mais malabarismos que se faça para circunscrever o inquérito à esfera de uma estatal. O governo inteiro tornou-se suspeito de ocultação e prevaricação.

A ‘operação-abafa’ foi desastrada desde as primeiras reações à divulgação pela revista ‘Veja’ do vídeo da propina. Não foi gravado por jornalistas mas por empresários ávidos para vingar-se da direção dos Correios por causa de interesses contrariados. Era uma clara disputa entre corruptores e corrompidos, igualmente bandidos. Agora, sem ajuda de qualquer ventilador, espalhou-se a lama em todas as direções e a enorme distância. Pode comprometer a segunda parte do primeiro mandato de Lula e liquidar suas pretensões ao segundo.

Quando em agosto de 2003, o então presidente do PTB presenteou o Ministro-Chefe da Casa Civil com um Rolex falso o assunto ficou na esfera da galhofa. Ninguém enxergou o seu ingrediente patético. Ninguém pressentiu o seu potencial profético.

Agora o novo presidente do PTB recoloca o PT na condição de receptador. Ludibriou-o, seqüestrou a sua honorabilidade. Suplicy chorou por isso.’



Carlos Heitor Cony

‘Mata e esfola’, copyright Folha de S. Paulo, 29/05/05

‘Recebo e-mail de um leitor, com a cópia da mensagem que enviou a um colunista da Folha, um dos mais ilustres, lidos e respeitados do país (evidente que não sou eu). O leitor reclama dele as restrições que faz ao governo Lula, atribuindo-lhe uma ligação inexistente com o governo do ex-presidente FHC, ligação que explicaria suas críticas ao atual governo.

Tem mais: ignorando o pluralismo que um jornal deve manter, ele reclama do colunista por estar ao lado de outros ‘colunistas’ -e cita alguns dos articulistas que, periodicamente, escrevem na página A3, dedicada, como diz o seu título, a ‘Tendência/Debates’. De forma explícita, declara que o colunista não mais merece credibilidade, dada a má companhia de outros ‘colunistas’ que exercem ou exerceram atividade pública que ele, leitor, execra e acredita que todos execram.

É comum o equívoco, e até mesmo a ignorância de alguns leitores, sobre a necessidade da imprensa de abrigar os contraditórios, as opiniões que ficam sob a responsabilidade de quem as emite. Opiniões e comentários que não representam, em absoluto, a opinião do jornal. E muito menos a dos colunistas, que não devem ser confundidos com os articulistas da página A3.

Há leitores que formam uma opinião sobre determinado fato ou personagem da vida pública e exigem linchamentos na base do ‘mata e esfola’. Não admitem o outro lado, a versão que, falsa ou verdadeira, eles têm o direito de expressar, não apenas na mídia, mas na polícia ou na Justiça, se a causa chegar até lá.

Evidente que há um certo consenso sobre alguns personagens que ocuparam cargos públicos, desde a Presidência da República a ministérios, governos estaduais e prefeituras importantes como a de São Paulo. Alguns leitores desinformados e radicais, se pudessem, enforcariam liminarmente aqueles que julgam no lado do mal. E ficam irritados, clamando por sangue, exigindo a ditadura da opinião única.’



Eleno Mendonça

‘A crise, agora, é geral’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 23/05/05

‘Desde a semana passada, todas as certezas do governo caíram por terra: a de que estava praticamente reeleito, de que era possível conduzir bem a economia, de que mesmo aos solavancos seria razoavelmente fácil conviver com a oposição. A somatória de problemas políticos e econômicos, associada à novidade da inevitável CPI dos Correios, criou para o governo Lula o pior dos cenários. A partir de agora, a oposição passou a ter munição para azedar ainda mais a situação política e dificilmente a economia sairá ilesa. A contaminação será igualmente inevitável e o desgaste produzirá quase com certeza indicadores tão ruins quanto índices de rejeição ao presidente. Certamente, será a pior fase do governo e justo quando ele se encaminha para preparar a reeleição.

A situação política há tempos não vinha bem. O PT deu à sociedade muitas mostras de que não estava se dando tão bem com o poder. Não se trata apenas de fazer como fez esta semana o ministro José Dirceu, de vir a público e dizer que tudo não passa de armação para desestabilizar o governo, nem do presidente publicamente debochar da situação e, em tom de escárnio, dizer-se pouco preocupado. O tempo das bravatas passou e Lula, se não está, deveria sim estar preocupado e muito. Agora será preciso agir, bem rápido.

As várias derrotas no Congresso, a maior delas para Severino Cavalcanti, o recuo na MP que reajustava os impostos, a falta de acordo com os partidos, a incompatibilidade e falta de traquejo em gestão por parte da equipe de governo e a reforma ministerial, várias vezes adiada, ajudaram bastante a compor esse cenário. Há em tudo uma apatia sem precedentes no Executivo. Casos típicos, como o do ministro Aldo Rebelo, da pomposa Pasta Secretaria da Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República, são típicos e de manutenção inexplicável. Ninguém compreende o porquê de ele e outros ministros ainda estarem no governo.

Tudo caminhava mal na política e o que se via era um governo sem ação. Para piorar, a economia de novo dá sinais contraditórios em relação ao discurso governamental. A despeito de as autoridades garantirem um crescimento expressivo, na faixa de 5%, os juros básicos de quase 20% ao mês são a maior prova de que isso será praticamente impossível. Os empresários desaceleraram, estão preferindo investir no mercado a desengavetar projetos; os estrangeiros estão vindo com capital volátil para também aproveitar a fase e essas taxas, as maiores do mundo; com isso, há dólares demais e as cotações caem; exportadores fazem o mesmo, fecham o câmbio e trazem os dólares para aplicar nos fundos e compensar a queda do dólar. E, o que é pior, em nome da meta inflacionária o governo sequer ensaia desembarcar da política monetária.

Todo esse cenário transforma o País da promessa produtiva e do pleno emprego, das campanhas eleitorais, numa grande roleta mundial de especulação e de elevação da dívida pública. E, para piorar, vem essa onda de corrupção.

Nesta semana, tomamos conhecimento de dados que nos afligem ainda mais. Há no País 14 milhões de pessoas vivendo da informalidade. Se a população economicamente ativa está estimada entre 55 milhões e 60 milhões de pessoas, significa que um em cada quatro brasileiros está inserido nessa realidade. Isso quer dizer menos impostos, menos empregos e empresas. Mas a arrecadação da Receita Federal não bateu novo recorde? Sim e bate todo mês, seguidamente, e isso quer dizer, apenas comprova, que a carga tributária sobre quem paga realmente está exagerada. Joelmir Beting, de fonte certamente idônea, informa que os novos juros elevaram os custos para quem toma empréstimo para perto de 70%, no caso das empresas, e 140% para a pessoa física. Produzir, nessa conjuntura, é algo realmente incompatível.

Todo esse emaranhado de números, mais a crise na política, levaram o governo a buscar uma reação e anunciar nesta semana o que está sendo chamada de a MP do Bem. São cinco providências destinadas a reduzir a carga tributária das empresas, principalmente das que exportam. Essa é a tentativa de reverter as críticas em torno da obstinada política de juros de Henrique Meirelles (que, diga-se de passagem, ajuda a compor o lado ruim com a investigação em torno de seu nome pelo Ministério Público). Na área política a tropa de choque está na rua na tentativa de fazer políticos tirarem suas assinaturas do requerimento da CPI dos Correios. Nessa hora a história nos mostra péssimos exemplos. No exercício do toma-lá-dá-cá, muita coisa pode acontecer e cabe à imprensa fiscalizar. O certo é que o governo tenta reagir, só não se sabe se ainda há tempo.’



VEJA vs. MARTA
Última Instância

‘Ex-prefeita Marta Suplicy perde ação contra a revista Veja’, copyright Última Instância (http://ultimainstancia.ig.com.br/), 30/05/05

‘A Justiça paulista negou, nesta segunda-feira (30/5), pedido de indenização por danos morais feito pela ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, à Revista Veja. O processo foi movido contra a revista devido a uma matéria intitulada ‘Perua na Lama’. Marta alegou, em seu pedido, que a ‘chamada’ para a reportagem não tinha relação com o seu conteúdo.

O valor do pedido era de R$ 15 mil. A Editora Abril, que publica a revista Veja, sustenta que, por ser Marta uma pessoa pública, não haveria razão para que a indenização fosse concedida. Os advogados da revista afirmam ainda que o adjetivo ‘perua’ seria cabível à ex-prefeita porque ela ‘faz questão de vestir-se com a mesma espalhafatosa elegância, seja para falar a uma população carente, seja para falar a executivos e empresários no prédio da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo)’.

Na sentença, o juiz Airton Pinheiro de Castro afirma haver um confronto entre o princípio constitucional da liberdade de expressão e os direitos da personalidade. Castro afirma que ‘a matéria denota, por sem dúvida, conteúdo crítico da postura da autora, enquanto pessoa pública’. O magistrado sustenta que ‘a característica pessoal da autora assim destacada pela ré, a bem da verdade, é notoriamente conhecida, jamais em tom pejorativo, mas sim jocoso, não extrapolando os limites do razoável’.

Marta poderá recorrer da sentença ao Tribunal de Justiça de São Paulo.’