Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Alberto Dines

‘Neste exato momento temos quatro chanceleres operando a política externa e um interino no ministério do Planejamento. Tanto a pletora numa esfera como a vacância na outra não impedem que o Brasil seja visto como uma história de sucesso em matéria de exposição internacional e solidez nos fundamentos econômicos.

Mas quem lavrou um tento foi a Argentina. Tocando em clave baixa e trocando o tango pela milonga, nossos hermanos anunciaram o fim da moratória de quatro anos e um corte de 65% na sua dívida externa. Para a galera, uma goleada, ganhou a catimba, a manha. Continuamos donos da mais vistosa banda de música da nossa história recente mas corremos o risco de convertê-la em melancólica charanga pelo excesso de maestros e carência de partituras.

O ministro José Dirceu sabe disso e entrou em campo para abafar: juntou-se à trinca chanceleresca (Celso Amorim, Samuel Pinheiro Guimarães e Marco Aurélio Garcia) mas sua vocação é de spalla, chefe de naipe ou mesmo solista.

Dono da Casa Civil, espécie de primeiro-ministro, gerente de meia centena de grupos de trabalho, coordenador político depois do expediente, doutor em sobrevivência na selva, sua recente e assumida paixão pela Secretária de Estado americana, Condoleeza Rice revela não apenas um extraordinário fôlego mas um imbatível senso de oportunidade.

O ministro das mil pastas, quase converteu-se em ministro sem pasta no ano passado e, agora, horas antes de começar a fritura que antecede a reforma ministerial, o ex-revolucionário aparece como mestre da real-politik capaz de dialogar com a Casa Branca e garantir o seu lugar como sucessor do Barão do Rio Branco.

Passou o Carnaval em Cuba, seu cicerone no périplo americano foi o ex-financista Mario Garnero — por sua vez parceiro de Bush Senior – José Dirceu mostra-se perfeitamente capaz de emular Henry Kissinger e produzir um lance tão espetacular como a viagem de Nixon à China. Por coincidência, seu amigo Fidel Castro absteve-se de comparecer à grande festa da esquerda latino-americana no Uruguai para comemorar a posse de Tabaré Vázquez e a retórica de confrontação de Hugo Chávez dá sinais de que começa a cansar o governo brasileiro.

Imaginar que a equipe Lula vai permanecer estatelada, ruminando vinganças por causa do vexame na Câmara dos Deputados ou vai nivelar-se ao rastaqüera Severino Cavalcanti é desconhecer o fenômeno da dinâmica política: na cabine da locomotiva, qualquer que seja o maquinista de plantão, o único relógio visível é o da contagem regressiva. A punição ‘light’ imposta ao insurgente Virgílio Guimarães revela que Outubro de 2006 impõe uma velocidade de cruzeiro que não permite vacilações: desviar ou frear equivale a descarrilar.

Isto significa que ao governo não resta outra alternativa senão surpreender. Enquanto Antônio Palocci com o seu jeitão de médico da roça garante o feijão-com-arroz e, diante da inevitável lerdeza da máquina administrativa que leva pelo menos um ano até acomodar-se aos novos operadores, descortina-se um cenário favorável aos golpes de impacto. De preferência, na esfera palaciana bem próxima do Planalto, a conveniente distância do pântano parlamentar.

A oposição está assanhada mas no plano federal continua ciscando a ração que lhe oferece o governo, incapaz de antecipar-se. E, no plano estadual, aguarda passivamente a reforma ministerial para só então apresentar o seu elenco de candidatos. Esquece que antes do embate eleitoral, joga-se o grande jogo político.

Ano real recém-começado, verão prestes a acabar, convém olhar o calendário mas também o tabuleiro: o xeque-mate começa no primeiro lance.’



Vera Rosa e Tânia Monteiro

‘Porta-voz vai centralizar a comunicação do governo’, copyright O Estado de S. Paulo, 5/03/05

‘O Palácio do Planalto vai centralizar toda a comunicação do governo no gabinete do porta-voz André Singer. Às vésperas da reforma ministerial, o Planalto decidiu unificar as atividades da Secretaria de Imprensa e Divulgação da Presidência (SID) com as do porta-voz, que agora acumulará as duas funções. Escaldado pela polêmica em torno da criação do Conselho Federal de Jornalismo, o governo nega que a mudança tenha o objetivo de controlar a informação e chama a medida de ‘ajuste organizacional’.

Na nova estrutura, parte das atribuições da Secretaria de Comunicação do Governo (Secom) passará para a SID, que deve coordenar as informações repassadas pelos ministérios no dia-a-dia. Sucessor do jornalista Ricardo Kotscho, que deixou o governo em novembro, o atual secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência, Fábio Kerche, entregará o cargo.

A unificação começou a ser analisada logo depois da saída de Kotscho, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ministro-chefe da Secom, Luiz Gushiken, disse que o objetivo da medida é racionalizar e simplificar as estruturas de assessoramento de imprensa da Presidência, além de assegurar mais agilidade nos processos diários de atendimento aos profissionais de imprensa.

PORTAS

‘A estrutura estava fragmentada e tinha muitas portas de entrada. Eram três’, afirmou Gushiken, numa referência à Secom, à SID e ao gabinete do porta-voz. ‘Vamos diminuir essas portas e simplificar a estrutura de informação da Presidência. Estou muito otimista.’

Cuidadoso com as palavras, Singer insistiu que não há ‘nenhum conteúdo de centralização’ na mudança. O porta-voz observou, ainda, que haverá um ‘esforço de coordenação’ por parte da SID, respeitando a autonomia das assessorias de imprensa de cada ministério. Singer afirmou que vai conversar com Fábio Kerche. ‘Gostaria que ele continuasse trabalhando conosco’, disse.

Desde a saída de Kotscho, Gushiken quer alterar radicalmente a estrutura de comunicação do governo. Os dois não se davam bem, mas Lula bancava Kotscho, um jornalista premiado e seu amigo há 25 anos. Kerche entrou no lugar dele, mas nunca teve acesso direto ao presidente, como Singer.’



Tânia Monteiro

‘Governo mantém imprensa longe do presidente’, copyright O Estado de S. Paulo, 6/03/05

‘Os cercadinhos onde foram colocados os jornalistas que faziam cobertura da posse do novo presidente do Uruguai, Tabaré Vásquez, podem ter surpreendido os repórteres de outras partes do mundo, menos os brasileiros. Desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, essa prática vem sendo adotada para impedir que jornalistas se aproximem do presidente ou de outras autoridades nas cerimônias.

Para fugir do cerceamento, os jornalistas têm um truque: escondem a credencial de imprensa e se misturam ao povo para poder chegar mais perto de Lula. Também levam vantagem repórteres que não fazem cobertura do dia-a-dia do Palácio do Planalto e são pouco conhecidos dos assessores presidenciais ou seguranças.

As relações entre o atual presidente e a imprensa são muito diferentes daquelas do tempo em que ele era candidato. Na oposição, Lula e demais petistas que ocupam hoje o primeiro escalão ou lugar de destaque na hierarquia do governo eram mais disponíveis para falar com imprensa.

Depois de mais de dois anos de governo, nenhuma entrevista coletiva nos moldes tradicionais, como ocorria em governos anteriores, seja de prestação de contas, de balanço, seja para avaliar situações pontuais. Somente no final do ano passado vieram as primeiras aproximações: a inauguração das novas instalações do comitê de imprensa, recém-reformado, e um café da manhã, no Planalto, quando o presidente conversou com os jornalistas, mas nada podia ser gravado por determinação do então secretário de imprensa, Fábio Kerche.

Nas viagens ao exterior, Lula normalmente só se dirige aos jornalistas nas conferências de imprensa preparadas pelo governo do país visitado. E poucas vezes o presidente responde ao ser provocado.

Uma das exceções ocorreu na viagem a Georgetown, na Guiana. Somente depois de pelo menos cinco investidas de jornalistas para obter uma palavra sobre a derrota do candidato do governo, deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), nas eleições para a presidência da Câmara, é que Lula aceitou justificar o ocorrido. Depois de 12 horas do resultado.

ACESSÍVEIS

No governo anterior, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não perdia uma oportunidade para conversar com os jornalistas, tanto nas viagens nacionais quanto nas internacionais. No exterior, era comum sentar-se ao final do dia para conversar descontraidamente com os jornalistas. Em Brasília e pelo Brasil afora, concedia inúmeras entrevistas.

Seu antecessor, o ex-presidente Itamar Franco, foi o mais acessível. Não passava um dia sem conversar com jornalistas. Entrava e saía pela portaria privativa térrea do Planalto, mas nunca sem dirigir uma palavra que fosse a quem estivesse ali. Também convidava repórteres, com freqüência, a visitarem seu gabinete e chegou a mostrar a vários deles a sala de descanso que existe ao lado da sala de trabalho.

Nas viagens, Itamar costumava convidar os jornalistas para participarem de almoços ou jantares a seu lado e, várias vezes, os convidava a pegar carona no avião presidencial. Já no governo Lula, as caronas oferecidas são no avião reserva, nunca naquele em que o presidente está. Fernando Henrique deu várias caronas a jornalistas em viagens internacionais e, sempre que havia repórteres no vôo, trocava a ala vip pela econômica para conversar com convidados.

Foi no governo do ex-presidente Fernando Collor que a circulação nos andares do Palácio do Planalto foi fechada para a imprensa. O acesso está proibido até hoje. Até o governo do ex-presidente José Sarney, assim como no governo do general João Figueiredo, os jornalistas transitavam sem restrição pelo terceiro andar do Planalto (onde fica o gabinete presidencial). No tempo do ex-presidente Sarney, os repórteres entrevistavam autoridades assim que saíam do gabinete presidencial, no mezanino do terceiro andar, local de plantão da imprensa.

No tempo de Collor, muitos chamavam a cobertura de imprensa de olímpica, porque várias entrevistas eram concedidas ao final da prática de algum esporte, normalmente corridas. Uma coletiva realizada na sala de briefings do Planalto, no entanto, ficou famosa, quando uma jornalista perguntou a Collor se ele estava com aids, pois havia emagrecido e estava abatido. Collor, rindo, sem demonstrar irritação, disse que não.’