Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

André Machado

‘Software livre e de código aberto é um assunto que interessa a muita gente (e incomoda também). O que se quer saber, em todas as rodas que discutem bits e bytes, é a quantas anda no Brasil, de fato, este apaixonante ramo da TI. O Ministério da Ciência e Tecnologia e a Softex, junto com a Unicamp, deram um passo importante para responder à questão revelando quinta-feira, em Brasília, os resultados da pesquisa ‘O impacto do software livre e de código aberto (SL/CA) na indústria de software do Brasil’. O estudo é o maior já feito sobre o assunto num só país e levou um ano para ser completado. Entrevistou via internet 3.657 usuários e desenvolvedores, e levantou informações sobre software livre e open-source em 364 empresas desenvolvedoras e 154 empresas usuárias.

– Nosso objetivo foi proporcionar um maior entendimento desse universo, uma base sobre a qual se possam tomar decisões maduras – afirma Giancarlo Stefanuto, coordenador de planejamento e estudos da Softex e coordenador-geral da pesquisa. – É preciso deixar de lado a emoção e a polarização e analisar o software livre e aberto de forma técnica, ver que reais vantagens oferece (veja entrevista na página 2).

Há hoje no Brasil 195 mil servidores e 561 mil desktops rodando o principal sistema aberto, o GNU/Linux. O mercado estimado do sistema do pingüim é atualmente da ordem de R$ 77 milhões. E o potencial de crescimento, levadas em contas as porcentagens mundiais ao ano e estimativas de empresas como IDC, ficaria entre R$ 192,5 milhões R$ 231 milhões (duas vezes e meia a três vezes o atual) até 2008. Usar um sistema open-source, além disso, poderia representar uma bela economia no pagamento de licenças de software – mais ou menos R$ 85 milhões nos cofrinhos das empresas (e governo) anualmente.

A primeira coisa que se depreende da pesquisa é que o software livre e de código aberto permanece bem longe do desktop, apesar das melhorias nas interfaces gráficas para usuários nos últimos anos. Na verdade, a maioria dos usuários individuais se encontra nas próprias comunidades de software livre e aberto, o que os aproxima do perfil dos programadores em open-source.’

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‘Comunidade open-source é azeitada e alcança a ordem em meio ao caos’, copyright O Globo, 2/05/05

‘O motivo para tão poucos usuários finais entre o público doméstico é mesmo a falta de maturidade dos ambientes gráficos. Segundo o estudo, o low-end será um dos últimos filões a serem contemplados pelo software livre. Em compensação, na parte empresarial o quadro é bem mais animador. Grandes (e médias) empresas – em especial os setores de TI, governo, comércio, educação e comunicação – estão usando software aberto. Sessenta e quatro por cento delas têm faturamento maior do que R$ 1 milhão por ano e 65%, mais de 99 funcionários.

O principal motivo para usar SL: economizar dindim

A motivação para usar SL/CA, naturalmente, passa a uma bela distância da ideologia do software livre. As empresas querem primeiro cortar despesas e depois incrementar suas habilidades técnicas ao trabalhar com diferentes sistemas operacionais. Entre as usuárias do Linux (notadamente na parte de infra-estrutura) estão nomes como Petrobras, Itaú, Embrapa, Metrô (de SP), Pão de Açúcar e multinacionais como Wal-Mart e Carrefour. Ainda assim, o Windows continua a ganhar em número de servidores no país: são 60% contra 12% de servidores Linux. Em termos de navegador internet, então, o mundo das janelas ainda ganha de goleada nos números: são 88,9% de Internet Explorers mundo afora, contra 7% de Mozilla. Por outro lado, se em 2003 o Linux respondeu por 9% do mercado mundial de sistemas operacionais, a estimativa é de que até 2007 alcance os 18%.

Já as empresas desenvolvedoras de software livre são de três tipos: as fundadas nos anos 80 e 90, antes concentradas no mundo proprietário, mas que mudaram para o livre por exigências do mercado; algumas mais recentes, já voltadas para o mundo SL/CA; e grandes multinacionais que ingressaram neste ecossistema (como a IBM). Também estão neste universo as empresas públicas de processamento de dados.

O perfil dos desenvolvedores brasileiros surpreendeu os pesquisadores. Segundo Giancarlo, eles são muito qualificados e a comunidade trabalha de modo eficaz, apesar de ser um modelo de ordem dentro do caos.

– Existe um conceito de ‘coopetição’ dentro dessas comunidades, que são muito bem organizadas. Eles cooperam no desenvolvimento de um software, mas também buscam sobressair-se, querem ser os melhores em sua participação. Porque ela é como uma vitrine para o programador – diz.

No início, eram os micreiros que programavam em software livre. Hoje, diz a pesquisa, isso fica a cargo de profissionais. A maior parte do código-fonte é elaborada, hoje, por programadores empregados em grandes empresas como a própria IBM. Claro, há disparidades significativas entre o perfil dos programadores brazucas e os programadores da comunidade internacional. A principal delas é o nível de escolaridade. Enquanto no Primeiro Mundo 70% dos desenvolvedores têm nível superior, aqui essa porcentagem cai para 42%. Lá, portanto, há mais engenheiros de software; aqui abundam técnicos e administradores de rede.

Geograficamente, a turma do software aberto se concentra nas regiões Sul e Sudeste. Especialmente no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Estão nessas regiões 84% dos usuários individuais do pingüim e outros sistemas e 78% dos desenvolvedores individuais. Também se encontram aí 85% das empresas usuárias e 81% das empresas desenvolvedoras.

Há mesmo desenvolvedores de software proprietário que dedicam uma pequena parte de seu tempo a trabalhar com software open-source. Mas quem bota mesmo a mão na massa são os programadores avançados em SL, que dedicam 40 horas semanais a ele e costumam liderar os projetos.

Para Giancarlo, o estudo vai ser um recurso precioso para avaliar melhor as áreas em que o SL é bem-sucedido.

– Ele pode ter amplos impactos sociais, como na inclusão digital e no e-gov. Prefeituras descapitalizadas, por exemplo, conseguiram se informatizar usando o software livre – explica, lembrando que licença livre não é só a GPL do Linux. – É preciso lembrar que há uma plêiade de licenças que permitem usar o código de diversas maneiras, até mesmo fechando-o para determinados fins. [ Quem pensou em Creative Commons ganha um doce.]

Uma ferramenta estratégica para dar um gás à indústria

Para o secretário de Políticas de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia, Marcelo Lopes, o mais relevante é a possibilidade de fazer negócios com SL para atingir as metas da política industrial.

– Ele tem grande aplicabilidade quando é embedded (seja num telefone celular, reduzindo custos de licenças de aplicativos, ou na área de bens de capital, para diminuir custos do produto final em eletrônica de consumo). O software livre é uma ferramenta estratégica para uma política pública que torne esses setores mais competitivos.

Isto não significa que o software proprietário esteja fora da jogada.

– Pelo contrário, a pesquisa deixa claro que o SL é mais uma possibilidade dentro do escopo do desenvolvimento de software, onde há espaços tanto para sistemas abertos quanto proprietários – diz Marcelo.’

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‘‘O software livre e aberto não é uma brincadeira’’, copyright O Globo, 2/05/05

‘Coordenador de planejamento e estudos da Softex e responsável pela coordenação geral da pesquisa sobre software aberto, Giancarlo Stefanuto diz que as empresas precisam se adaptar à cultura da comunidade open-source para entender o modelo que ele representa.

Quais foram as maiores surpresas da pesquisa?

GIANCARLO STEFANUTO: Descobrimos que o mundo open-source é bem mais complexo que imaginávamos. Não basta, não é suficiente tratar o software livre pensando em coisas como: é bom? É ruim? Funciona? Não funciona? É preciso ver onde ele trabalha melhor, onde tem mais impacto. E o jeito como as comunidades se organizam não tem precedente na indústria de software, porque não existe uma centralização nelas… É como uma ordem no caos, um sistema complexo que se auto-organiza. Funciona muito bem: eles têm uma metodologia própria. O software livre não é uma brincadeira. Além disso, encontramos nos usuários, especialmente os corporativos, um grau de satisfação bem elevado, principalmente do ponto de vista técnico.

E do ponto de vista do usuário individual, o que encontraram?

GIANCARLO: O usuário individual do software open-source não é um usuário final como eu e você. É um usuário mais bambambã. E o perfil de nossos desenvolvedores é excelente. Temos uma massa pronta para ser aproveitada. Foi graças a essa massa, aliás, que conseguimos fazer dessa pesquisa um marco: ela foi o maior estudo individualizado do mundo. Há um estudo internacional, o FLOSS (Free/Libre/Open Source Software Survey) que envolve 2.700 desenvolvedores, mas de vários lugares: EUA, Europa e Japão. Nós abordamos só no Brasil 1.953 desenvolvedores (juntando com os usuários, dá os 3.657 pesquisados). Então, temos um grande potencial no Brasil, uma capacitação técnica, um produto que é muito bom tecnicamente e promove redução de custos.

Mas ele tem um modelo de negócio bem diferente…

GIANCARLO: Sim, ele se choca com os modelos de negócio tradicionais da indústria de software. E não só no Brasil. Lá fora também. Pois toca num ponto nevrálgico: ao abrir o código, já não se pode cobrar do cliente o valor que se cobrava na licença antes. E isso se direciona para o serviço. Para que isso se torne uma competência do Brasil para inserção internacional, é preciso que haja um trabalho paralelo. Afinal, o software livre continua inserido na indústria de software, não é algo à parte. As empresas continuam tendo os mesmos problemas de antes, tais como necessidade de capital, capacitação… Isso não foi eliminado. E essa capacitação pode ser mais rápida via uma interação com a comunidade. As empresas precisam saber trabalhar com a comunidade open-source, entender sua cultura. O software livre exige uma nova postura, onde não se ganha de imediato. Então existem estratégias que já começam a surgir na Europa, como oferecer o código para o cliente dar uma olhada e ver se está de acordo com suas necessidades e vale o investimento – aí contratando os serviços e suporte da desenvolvedora.

Em que o SL beneficiaria o país?

GIANCARLO: O o software livre pode servir como uma bandeira para firmar lá fora a imagem do Brasil como produtor de software, algo a que o país ainda não é associado. A dificuldade da exportação reside em parte nesse desconhecimento.’

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‘MS: usuários devem ser livres para escolher’, copyright O Globo, 2/05/05

‘E o que a Microsoft pensa do estudo sobre software livre? Perguntamos a eles o que acham de uma fatia do governo apoiar o SL. Quem respondeu foi Roberto Prado, gerente de estratégias de mercado da MS Brasil, via email:

‘Acreditamos que governos e usuários de tecnologia devem ser livres para usar qualquer software e outras tecnologias que melhor atendam a suas necessidades’, diz Prado. ‘Quando somados todos os custos e benefícios, acreditamos que a Microsoft ainda oferece a melhor opção de valor, integração, interoperabilidade e suporte, sem complexidade, custos embutidos ou dependência adicional em serviços que geralmente ocorrem com o software aberto.’

E que iniciativas a MS oferece em resposta ao SL? Roberto citou o Next Generation, que trata de subsídios à tecnologia e da criação de treinamentos gerenciais para empresas brasileiras; os centros de tecnologia em parceria com universidades e empresas; e o Microsoft Partner Program, para afiar as parcerias mundiais. Mas e a segurança? As falhas no Windows e no Internet Explorer não teriam causado um interesse no Linux?

‘O ambiente open-source também sofre ataques de vírus e leva muito mais tempo para prover uma solução do que um sistema comercial como o da Microsoft. Estudo da Forrester Research apontou que a MS lidera no item ‘tempo entre a descoberta pública da vulnerabilidade e a correção disponibilizada pelo fornecedor’ com média de 25 dias, enquanto a Red Hat e a Debian demoram 57 dias.’’

Renato Cruz

‘Documento digital quer ser popular’, copyright O Estado de S. Paulo, 1/05/05

‘O contador Nivaldo Cleto, sócio da Clássico Consultoria, precisava retificar o documento de arrecadação de um cliente na Receita Federal. Foram cinco minutos para solicitar a mudança, via internet, meia hora de espera, e mais cinco minutos para acessar a resposta positiva. Tudo isso usando seu e-CPF, um certificado eletrônico que lhe permite se relacionar com a Receita via rede mundial.

A alternativa seria pedir para um funcionário do escritório ir até a Receita às 3 ou 4 h da madrugada e ficar na fila, para pegar uma senha, dar entrada no pedido, e depois voltar à repartição para saber do resultado. ‘O que levaria dois dias de trabalho de um office boy, resolvi em 40 minutos’, afirmou Cleto, que usa o e-CPF e o e-CNPJ, a versão para empresas do documento eletrônico, desde 2004. ‘Os certificados digitais podem acabar com esse negócio de ir ao balcão.’

O certificado digital é um conjunto de informações eletrônicas que permite uma comunicação segura, usando técnicas de criptografia. Ele pode ser armazenado num computador, no chip de um cartão inteligente ou num token criptográfico USB, dispositivo de portátil que parece um chaveiro e pode ser ligado ao micro. O e-CPF e o e-CNPJ seguem as diretrizes da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), encabeçada pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), da Casa Civil. As autoridades certificadoras que credenciadas pela ICP-Brasil são a Serasa, a CertiSign, a Caixa Econômica Federal, a Presidência da República, a Secretaria da Receita Federal, o Serpro e a AC-Jus, da Justiça Federal.

‘É muito importante para a redução de fraudes’, afirmou Dourival Dourado, diretor de Operações e Serviços da Serasa, empresa especializada em informações financeiras. Ele não revelou quantos certificados a Serasa já emitiu, mas garantiu ser responsável por 80% dos documentos eletrônicos usados pelo Sistema de Pagamentos Brasileiros (SPB), que conecta as instituições financeiras e o Banco Central. Entre as autoridades registradoras ligadas à Serasa, que atendem diretamente ao público, estão a Itautec, do Itaú, e a Scopus, do Bradesco.

O certificado digital serve como assinatura eletrônica, reconhecida pela Justiça. O documento assinado com o e-CPF tem valor legal. Além disso, o certificado garante uma comunicação segura, impedindo que terceiros tenham acesso a informações sigilosas, ou possam modificá-las. O preço, no entanto, ainda é alto. Um certificado com duração de um ano, sem cartão, costuma sair por R$ 100. O de 2 ou 3 anos, com cartão e leitora, custa mais de R$ 300.

Na entrega da declaração de Imposto de Renda Pessoa Física, que terminou sexta-feira, foi possível, pela primeira vez, assinar o documento com um certificado digital. Quem fez isso, pode acompanhar passo a passo o processamento da declaração, e terá prioridade na hora da restituição. Desde março, as 10 mil maiores empresas do País, com faturamento acima de R$ 30 milhões ao ano, precisam entregar a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) via internet, usando um certificado digital.

‘O certificado digital combate a sonegação’, disse o diretor de Infra-Estrutura do ITI, Renato Martini. ‘No lugar de ficar na repartição para receber papel, o auditor pode ir a campo fiscalizar empresas.’ Martini destacou, porém, que o movimento não se restringe à Receita. ‘A tecnologia está sendo adotada numa velocidade que nem nós esperávamos.’

Em janeiro, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a Receita e o ITI assinaram um protocolo para que o e-CPF e o e-CNPJ passem a ser utilizados nos sistemas de banco via internet. O Programa Universidade para Todos (Pro-Uni), do Ministério da Educação, que concede bolsas de estudo para professores da rede pública em universidades privadas, adotou o certificado digital para o relacionamento entre universidades e governo. O Programa Juro Zero, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que oferece financiamento para pequenas e médias empresas inovadoras, também utiliza a tecnologia. O Banco Central definiu que os contratos de câmbio eletrônicos precisam ser assinados com o certificado digital.

‘Estão surgindo grandes projetos de massificação’, destacou Martini. Em parceria com o Laboratório de Sistemas Integráveis, da Universidade de São Paulo, o ITI montou um laboratório para homologar equipamentos de certificação em Alphaville. Uma iniciativa de massificação é o acordo fechado pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), do Ministério da Fazenda, com o Correio, que venderá os certificados em suas agências. O projeto começou com o piloto em São Paulo e o objetivo é chegar ao fim do ano com mais de 100 agências.

O Serpro já emitiu cerca de 20 mil certificados. O software que sustenta a operação do Serpro é nacional e tem código aberto. Ou seja, pode ser modificado de acordo com a necessidade da empresa. ‘Desde 1998 usávamos um software proprietário’, explicou a diretora de Tecnologia do Serpro, Luíza Koshino. ‘Em 2003, tivemos de fazer uma atualização, que custaria R$ 6 milhões.’ A empresa abriu concorrência e comprou uma solução nacional que custou, somando-se os programas e o equipamento, R$ 1,6 milhão. Sem limite de certificados emitidos, como acontecia com o sistema importado.

‘A massificação é um processo gradual’, afirmou o presidente da Certisign, Sérgio Kulikovsky. A Certisign já emitiu 250 mil certificados digitais, sendo que cerca de 20 mil no formato ICP-Brasil. ‘Ela já está acontecendo’.’

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‘Certificação digital garante segurança’, copyright O Estado de S. Paulo, 1/05/05

‘PELA REDE

VERIFICAÇÃO: Cada aplicação que usa o certificado digital confere, de uma lista atualizada periodicamente pela autoridade certificadora, se o documento é realmente válido, que não foi cancelado pelo seu detentor.

SIGILO: A mesma tecnologia usada no e-CPF e no e-CNPJ também é adotada nos sites seguros da internet. Eles também usam um certificado digital, que garante que as informações durante uma sessão não serão acessadas por outras pessoas além do usuário conectado.

ACESSO: O certificado digital pode substituir, com vantagens, os sistemas que exigem a digitação de nome de usuário e senha para identificação.

E-MAIL: Aplicado ao correio eletrônico, o certificado digital impede que outras pessoas, que não o destinatário, leiam as mensagens. É como se criasse um envelope digital, que só pode ser aberto pela pessoa certa. Para os outros, a mensagem torna-se incompreensível.

IDENTIDADE: A certificação digital garante a identidade da pessoa que assinou um documento digital ou mesmo uma mensagem de e-mail. Não existe como a pessoa negar que assinou um texto eletrônico, pois a assinatura tem validade jurídica.

INTEGRIDADE: A assinatura digital garante que o documento eletrônico não será adulterado, enquanto trafega pela rede, e que chegará ao destino em sua forma original.’

WEBJORNALISMO
Mario Lima Cavalcanti

‘O e-mail como ferramenta para fazer entrevistas’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 27/04/05

‘Em várias das entrevistas que fiz para a coluna, usei o e-mail para obter depoimentos ou pelo menos fazer um primeiro contato com os entrevistados. Isso se deu por vários motivos, entre eles a distância (o entrevistado era de outro país, o que, numa época quando o Skype ainda não era popular, faria minha conta de telefone aumentar um bocado) ou falta de tempo do próprio entrevistado.

Os mais conservadores podem defender o uso do telefone ou até mesmo o olho no olho. E é verdade que cada um desses métodos tem suas vantagens. Porém, a idéia aqui é – passando longe de defender o e-mail como um meio cômodo para aqueles que não gostam de sair da frente do computador – pensarmos em qual situação seria realmente a melhor opção, não deixando, entretanto, de analisar também suas deficiências.

Para Renata Aquino, jornalista free-lancer do Yahoo! Brasil, o e-mail é muito válido em alguns casos, mas é preciso ter cuidado com falsa identidade: ‘Por um lado, quando é necessário fazer muitas entrevistas em pouco tempo, como uma espécie de ‘povo fala’, o e-mail é muito útil. Quando o entrevistado nega-se a dar entrevistas, o e-mail também é bastante útil para receber pelo menos esclarecimentos sobre pontos principais que o entrevistado teria que responder, mas, por outro lado, também é preciso ter cuidado com falsa identidade. Existem assessores de imprensa que não entendem que não podem simplesmente responder pelo entrevistado. Uma entrevista por e-mail não vale a não ser que o jornalista tenha absoluta certeza de que foi respondida pela pessoa certa’, diz.

Abaixo, relacionei brevemente em tópicos alguns prós e contras do uso do e-mail como ferramenta para coletar informações e depoimentos.

Os prós e os porquês:

– Salvo urgência do repórter, o entrevistado responde quando tem tempo;

– Tendo tempo para responder com calma, o entrevistado pode garantir um depoimento com qualidade e passar melhor suas idéias. Em sumo, dizer o que quer dizer;

– É uma alternativa para quando o jornalista não consegue encontrar o entrevistado pelo telefone;

– É um meio rápido para se entrevistar quem trabalha com Internet ou escreve para o ambiente online;

– Hoje em dia, o e-mail é acessível a partir de muitos dispositivos digitais com acesso à Internet (laptop, smartphone, PDA etc.);

– As opções de locais para se acessar e-mail (cybercafés, lanhouses, terminais públicos etc.) não param de crescer;

– Para quem trabalha com o auxílio do computador, depoimentos via e-mail significam redução de tempo com o trabalho que se teria de transcrição;

– Pode ser uma boa opção para se fazer entrevistas em outro idioma. Por ter tudo por escrito, o entrevistador não perde informação como poderia perder pessoalmente ou por telefone, se não tivesse domínio da conversação;

Os contras:

– Como sugerido pela Renata Aquino, existe a questão da falsa identidade. O jornalista deve ter certeza de que a entrevista foi respondida pela pessoa certa;

– Mesmo que o entrevistado prefira responder perguntas via e-mail, isso demanda tempo. É muito provável que o entrevistador não tenha as respostas de imediato;

– Não é prático quando se precisa fazer uma contra-pergunta (nesse caso, temos como opção os comunicadores instantâneos (AIM, ICQ, MSN Messenger etc.), mas, para muitos, programas desse tipo são vistos como de uso pessoal;

– Não se percebe a expressão facial do entrevistado, o que, dependendo do foco da entrevista, seria importante para o repórter entrevistador;

Enfim, cabe ao entrevistador refletir sobre a melhor maneira de se fazer uma entrevista. A adaptação às novas formas de comunicação, e, melhor que isso, saber aproveitá-las e reconhecer nelas a melhor alternativa, também faz parte da vida do comunicador social. Como dito no início do artigo, cada método, assim como cada meio, tem suas vantagens e desvantagens. Até a próxima!

Em tempo:

Você já precisou fazer alguma entrevista por e-mail? Conhece outros prós e contras? Utilize a área de comentários abaixo e deixe sua colaboração registrada.’

INTERNET
Yves Eudes

‘Os marqueteiros da web’, copyright Folha de S. Paulo, 1/05/05

‘Um jovem técnico em informática de Seattle descobriu por acaso, numa manhã de setembro de 2004, que sua tranca de bicicleta, de marca Kryptonite, podia ser aberta com a ajuda de uma simples caneta esferográfica. Achando graça da situação mas também um pouco irritado, ele decidiu informar o fato aos leitores de seu blog favorito, um jornal coletivo escrito em rede e que reúne aficionados da eletrônica.

Juntamente com sua mensagem, ele anexou um vídeo que o mostra abrindo seu dispositivo anti-roubo com a caneta. Em pouco tempo, o blog se encheu de comentários incrédulos. Dezenas de leitores donos de dispositivos semelhantes tentaram abrir os seus com canetas; muitos o conseguiram e passaram a fazer circular a novidade. Em questão de horas o vídeo chegou aos fóruns de clubes de ciclistas, depois até associações de consumidores em toda a Europa e na Ásia.

Pega de surpresa, a Kryptonite reagiu publicando na internet um comunicado mal formulado, o que acabou por agravar sua situação. Finalmente, a empresa tentou iniciar um diálogo real, mas o mal já tinha sido feito e ela tinha sido atingida naquilo que, hoje em dia, é o mais precioso para qualquer empresa: sua imagem.

Nessa mesma época, centenas de sites, blogs e fóruns recebiam um clipe publicitário de animação glorificando o leitor musical portátil da Apple, o iPod. Sem questionar coisa nenhuma, internautas passaram a transmitir o clipe a seus amigos e colegas. Em poucas semanas, o clipe deu a volta ao mundo. Os profissionais do marketing apreciaram sua qualidade e eficácia, mas observaram que não seguia os padrões gráficos da Apple. Intrigados, descobriram que tinha sido criado por um amador solitário, um professor californiano de 36 anos apaixonado pela animação.

Esses admiradores hiperativos, muitas vezes trabalhando em grupos, já têm um nome no jargão do marketing: são os ‘clientes missionários’, dispostos a difundir com fervor quase religioso o apreço que sentem por esta ou aquela marca. A direção da Apple não reagiu publicamente: ela sabe que nada mais poderá impedir a circulação do clipe, já promovido ao status de obra ‘cult’, inclusive no Japão.

Hoje, esse tipo de miniacontecimento se repete em grande escala. A internet se tornou o vetor de um boca-a-boca eletrônico planetário e instantâneo, o chamado ‘buzz’, que provoca efeitos passageiros poderosos e influi sobre a imagem das empresas. Ademais, militantes de todos os tipos atacam grandes marcas, desenvolvendo discursos políticos, sindicais ou consumidores que alcançam um público internacional grande. Uma enxurrada de louvores, boatos, críticas, ataques, paródias e delírios percorre continuamente os fóruns e os sites freqüentados por milhões de consumidores.

Domesticando boatos

Às vezes, as marcas atingidas pelo ‘buzz’ -positivo ou negativo- se contentam em constatar o que está acontecendo. Outras, porém, optam por intervir, na esperança de explorar os boatos ou ‘domesticá-los’.

Dessa maneira, sites comerciais que vendem viagens, eletrônicos ou produtos culturais criam fóruns nos quais seus clientes podem divulgar suas opiniões, embora os sites se reservem o direito de censurar as opiniões indesejáveis. Eles publicam ‘web revistas’ que misturam informações técnicas com avaliações e mistos de publicidade e reportagem. Aliás, na cultura da internet, a separação entre informação e promoção freqüentemente é vista como um conceito superado.

Alguns sites comerciais conseguiram reunir comunidades virtuais, criando exércitos de clientes missionários. Christophe Poupinel, diretor do site comercial de vinho francês Chateauonline, resume seu trabalho da seguinte maneira: ‘O comércio eletrônico é o casamento entre a venda e a ação editorial. Graças ao rastreamento informatizado, sabemos quem são nossos clientes e podemos contatá-los a qualquer momento para informar-lhes ou aconselhá-los. Também pedimos suas opiniões deles e as levamos em conta. Eles têm o sentimento de freqüentar um clube’.

Além do comércio on-line, a internet se tornou indispensável às marcas de vocação internacional, sobretudo às que querem integrar seu nome e seu logotipo à nova cultura globalizada da juventude urbana dos países ricos. Antes de tudo, elas precisam conhecer o teor do ‘buzz’ e, para isso, encomendam de agências especializadas um ‘marketing à antiga’, acompanhando o conteúdo dos sites e fóruns em que seu nome aparece.

A segunda etapa consiste em intervir diretamente, para alimentar o ‘buzz’. Executivos da empresa em questão participam de fóruns para defender sua marca. Alguns criam seus sites próprios e procuram fazer deles pontos de encontro e discussão. A firma californiana Six Apart, que produz softwares com os quais internautas podem criar seus blogs pessoais, vê esses blogs de empresa como um mercado promissor.

O presidente da filial francesa da Six Apart, Loïc le Meur, tem como tarefa convencer os empresários franceses da idéia: ‘Para eles, é uma revolução cultural, mas eles vão chegar lá. Se um cliente tem vontade de criticar um produto, quando ele o faz diretamente para você, você pode reagir. Quando um consumidor insatisfeito recebe uma resposta personalizada no mesmo dia, ele se sente valorizado; sua disposição muda’.

De vez em quando a empresa se vê diante de um site independente que conseguiu reunir os melhores clientes e os melhores especialistas em seus produtos. ‘É o caso do Treonauts’, diz Le Meur, ‘um site especializado criado por um inglês apaixonado pelos telefones Treo. Não adianta a empresa tentar concorrer com o site, pois então já será tarde. Eu recomendaria à Treo comprar o site, simplesmente’.

Também é possível facilitar o nascimento de sites autênticos de fãs. Essa é a especialidade da agência parisiense Heaven. Seu presidente, François Collet, que já integrou o contingente francês das forças de manutenção da paz da Organização das Nações Unidas na Bósnia, hoje divide seu tempo entre a militância alternativa de choque e operações de marketing para multinacionais.

Fãs dos concorrentes

Ele criou uma das primeiras ‘campanhas de influência’ na internet de língua francesa, para o console de videogame XBox, da Microsoft. ‘Em vez de convencer a Microsoft a montar um site oficial glorificando o XBox, nós a convencemos de que seria mais eficaz tomar nota dos sites que seus clientes já freqüentavam e levar sua mensagem para mais perto desse público’, diz Collet. A Heaven encontrou apenas três sites franceses dedicados ao XBox.

‘Entramos em contato com eles para parabenizá-los por seu trabalho e lhes propor assistência. Num primeiro momento, sentiram muito orgulho por terem sido observados -isso é algo que os valoriza, eles poderão se impor como líderes de sua comunidade de jogadores. Num segundo momento, alguns reagiram com desconfiança -eles sentiram medo de serem manipulados-, mas nós os tranqüilizamos: em hipótese nenhuma queríamos intervir em seu conteúdo editorial. Isso acabaria com a eficácia de nossa abordagem. Nós os ajudamos no nível do design e desenvolvimento, lhes fornecemos domínios para se alojarem gratuitamente, garantimos que seriam mencionados nos motores de busca, encontramos um pouco de público pagante, lhes passamos informações exclusivas. Eles fazem o papel de repórteres. E, quando os outros jogadores vêem a qualidade de seus sites, isso gera respostas.’

Hoje a Heaven administra uma rede informal de cerca de 50 sites franceses voltados ao XBox, que recebem ao todo 800 mil visitantes por mês. É claro que a Microsoft não tem apenas amigos, e o XBox também é muito criticado pelos fãs de consoles concorrentes. ‘É bom que todo mundo possa se expressar’, diz François Collet. ‘Não procuramos censurar a crítica, e sim diluí-la em meio a um mar de ‘buzz’ positivo.’

A Heaven já administrou outras campanhas de tipo semelhante, especialmente o lançamento do perfume Bimen, de Thierry Mugler.

Mas Collet quer muito mais: ‘O próximo mercado do marketing de influência será o das campanhas eleitorais’. Recentemente a Heaven foi consultada pelo UMP (o partido governista francês). O pedido não foi atendido, já que os líderes do partido de Jacques Chirac [presidente da França] queriam atingir seus próprios militantes, no contexto de uma competição interna. ‘Era algo focalizado demais para nós. Mas haverá outras oportunidades.’

Às vezes, Collet encontra alguma dificuldade em fazer seus clientes franceses compreenderem seu trabalho: ‘Alguns imaginam que tudo é fabricado, que montamos sites fajutos e que eles poderão controlar tudo. Recusamos esse tipo de operação: é perigoso demais, complicado demais. Alguns meses atrás a Pepsi criou um falso site independente para lançar um refrigerante novo. A empresa foi desmascarada, e o efeito foi desastroso’.

Marketing guerrilheiro

Nem todos concordam com seu diagnóstico. Algumas agências norte-americanas e britânicas desenvolveram os conceitos de marketing ‘clandestino’ ou ‘furtivo’, até mesmo de ‘marketing guerrilheiro’.

A primeira técnica consiste em explorar a moda dos pastiches e ‘brincadeiras’ de informação falsa que circulam na internet. Os publicitários sabem que as publicidades desviadas e as fotos e os vídeos paródicos criados por artistas independentes freqüentemente exercem impacto positivo sobre a marca visada, mesmo que sejam irreverentes ou provocantes.

Há pouco tempo, circulou na internet uma série de fotos de moda dos tênis Puma, mostrando uma jovem ajoelhada diante de um rapaz, em pose sugestiva. Os dois calçavam tênis Puma. As fotos deram a volta ao mundo, suscitando um ‘buzz’ intenso, tanto positivo quanto negativo. A Puma negou qualquer envolvimento no caso e ameaçou prestar queixa contra quem continuasse a divulgar as fotos. Apesar disso, muitos profissionais suspeitam de que a empresa seja a origem da campanha. Um gerente da agência Heaven que acompanhou o caso não quis se pronunciar sobre a questão, mas avaliou que, na prática, a Puma se beneficiou do caso.

Para ele, o público reagiu bem, e a marca ganhou uma imagem anticonformista que a valoriza junto da juventude urbana antenada. Essas práticas parecem estar começando a se implantar na França. Laurent, de cerca de 30 anos e que acaba de criar em Paris uma miniagência em sociedade com dois amigos, não fornece o nome de seus clientes, pois afirma que seus contratos com eles incluem cláusulas de confidencialidade, mas descreve uma campanha típica: ‘Se meu cliente está enfrentando um site de protestos, eu começaria por fazer um ‘web lobby’. Eu me inscrevo anonimamente no site em questão, faço perguntas incômodas, lanço dúvidas sobre a competência das pessoas que fazem intervenções no site, forneço algumas informações favoráveis à marca’.

A idéia de criar um falso site independente não é descartada: ‘O melhor seria montar um site especializado, aparentemente neutro, e usá-lo para divulgar informações positivas, em doses razoáveis. Em seguida, criam-se sites pessoais que remetem ao site especializado, citado como referência indiscutível’. Laurent chega a cogitar o oferecimento de ajuda a um site de protesto voltado contra um concorrente de seu cliente: ‘Pode-se gerar um ‘buzz’ positivo em torno de um site, mesmo sem a participação de seus autores’.

Os jovens interessados em lançar-se na profissão se diferenciam dos profissionais mais velhos, importando esses novos conceitos desenvolvidos nos Estados Unidos. Damien, que trabalha em regime de meio período como consultor de uma grande agência local, precisou idealizar uma campanha para uma cadeia de hotéis. ‘Para começar, crio um blog verdadeiro-falso de viajantes, cujos autores viajam de verdade. Eles não falam dos hotéis do meu cliente, mas dão destaque aos destinos onde a rede de hotéis está presente e os quais ela precisa que sejam valorizados. Em seguida, crio um fórum aberto onde o nome da cadeia de hotéis é mencionado de vez em quando, sendo associado a esses lugares paradisíacos.’ Ao mesmo tempo, ele lança uma campanha clássica junto da imprensa para atrair jornalistas para seus sites. ‘O círculo se fecha; a grande imprensa legitima meus sites, e vice-versa. Tudo muito clean. Ou, pelo menos, é tecnicamente clean.’

Este texto foi publicado no ‘Le Monde’. Tradução de Clara Allain.’