Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Andréa Michael

‘‘Faria de novo. Estava fazendo o meu trabalho’, disse ontem à Folha o subprocurador-geral José Roberto Santoro. Ele reconhece, no entanto, que sua ação, ‘diante da conjuntura’, ‘criou dificuldades’ para o Ministério Público.

Santoro está no centro da polêmica em torno da gravação de diálogos, ocorridos nos dias 8 e 9 de fevereiro, em que tenta obter do empresário de jogos Carlinhos Cachoeira o vídeo de 2002 no qual o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência Waldomiro Diniz, auxiliar do ministro José Dirceu (Casa Civil), pede propina e doações para campanhas políticas ao empresário.

Nos diálogos, já eram 3h quando o subprocurador alertou para a possibilidade de o procurador-geral, Claudio Fonteles, chegar ao prédio e, diante da cena, inferir que o grupo tramava contra o governo. Ele dizia que, se chegasse, Fonteles veria ‘um subprocurador-geral empenhado em derrubar o governo do PT’.

Santoro nega ter tido motivação política. ‘Não houve política. Tem que ter em conta que, o tempo todo, o Carlinhos falava que temia sofrer represálias. É como está na nota [refere-se à nota divulgada anteontem para dar sua versão sobre o contexto das gravações]: isso [o medo como pressão, técnica de negociação] foi usado pelos procuradores.’

O subprocurador diz que sua intenção era, conseguindo que Cachoeira se tornasse um réu-colaborador, garantir que não houvesse possibilidade de contestação da fita como prova judicial. ‘Quem é do meio sabe que, para conseguir a colaboração de um réu, temos que ser incisivos.’ Santoro diz que já possuía uma fita passada pelo senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), mas queria uma prova encaminhada pelo autor da gravação -Cachoeira.

A ‘conjuntura’ e as ‘dificuldades para o Ministério Público como instituição’ a que ele se refere configuram-se no debate que hoje se trava em relação à restrição dos poderes do órgão, cuja atuação já foi questionada publicamente, em mais de uma vez, por Dirceu.

O órgão enfrenta batalhas pela manutenção de suas atribuições em pelo menos duas frentes. No Congresso, para impedir que a Lei da Mordaça volte à pauta -hoje, só é necessária a aprovação do Senado para entrar em vigor. No Supremo Tribunal Federal, para evitar que, em julgamento prestes a se realizar, a decisão seja negar a competência de investigação.

Santoro nega a possibilidade de ter cometido um erro no caso: ‘Não [houve erro]. Ele [Cachoeira] é o sujeito que gravou a fita, falou que estava disposto a colaborar -era um réu-colaborador. Sabia o contexto do diálogo’.

Mesmo diante das dificuldades institucionais, prossegue Santoro, a polêmica em torno do que ele chama de ‘técnicas de negociação’, usadas para pressionar Cachoeira, deveria ser analisada de forma paralela. ‘É importantíssimo ter clareza de que a discussão que está posta agora não muda o fato de que há crimes a apurar.’

‘Agora, minha opção é pelo silêncio, até para que a apuração interna chegue a suas conclusões’, disse, referindo-se ao pedido encaminhado por Fonteles à Corregedoria do Ministério Público Federal para apurar se ele e os procuradores Marcelo Serra Azul e Mário Lucio de Avelar cometeram falta funcional grave ou ato de improbidade administrativa.

Avelar colheu, juntamente com Santoro e Serra Azul, os dois primeiros depoimentos relacionados à investigação.’



Kennedy Alencar e Raquel Ulhôa

‘PT diz que errou no passado com Ministério Público’, copyright Folha de S. Paulo, 2/04/04

‘Numa espécie de mea culpa histórico, o presidente do PT, José Genoino, disse ontem que membros do PT cometeram ‘erros no passado, com exageros na relação com o Ministério Público’. Já o ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) defendeu ‘ajustes’ e ‘correção de rota’ no papel do Ministério Público para evitar ‘desvios’ na conduta de procuradores e promotores.

Ao comentar o fato de que, no poder, o PT passou a criticar o Ministério Público depois de ter se aliado a procuradores e promotores quando o partido estava na oposição e investigava acusações contra o governo, Genoino respondeu: ‘Integrantes do PT cometeram erros no passado, com exageros na relação com o Ministério Público. Posso falar com autoridade porque nunca propus esse tipo de parceria com o Ministério Público. Alguns integrantes do partido o fizeram. E isso foi um equívoco’. Ele não citou nomes.

Para Genoino, ‘a democracia não pode tolerar manobras conspiratórias’. Ele julga que a gravação de um encontro do empresário de jogos Carlinhos Cachoeira com o subprocurador da República José Roberto Santoro revelou uma uma ‘manobra conspiratória’ contra o governo e o PT, fazendo eco a Thomaz Bastos.

Na gravação, Santoro pressionou Cachoeira a lhe dar uma cópia da fita que, dias depois, deflagraria o caso Waldomiro Diniz. Santoro nega intenção política. Diz que cumpriu seu papel de investigador. Na gravação, porém, afirma que ação na tentativa de persuadir Cachoeira a colaborar com uma investigação poderia ser interpretada como atitude para ‘ferrar’ Dirceu.

Indagado se achava que o presidente do PSDB, José Serra, poderia estar por trás da ‘manobra conspiratória’, Genoino disse: ‘Eu não fulanizo. Não tenho elementos para acusar ninguém’. Em discurso anteontem no Senado, a líder do PT, Ideli Salvatti (SC), insinuou ter havido participação de Serra, o que ele nega.

No entanto, Genoino afirmou: ‘Há muitas coincidências, como a fita ter chegado a um senador do PSDB [Antero Paes de Barros] que imediatamente pediu CPI e afastamento do Zé Dirceu’.

Thomaz Bastos

O ministro da Justiça voltou a defender o controle externo do Ministério Público, um dos itens da reforma do Judiciário em tramitação no Senado, mas descartou retomar neste momento a discussão da proposta da chamada Lei da Mordaça -proibindo juízes, membros do Ministério Público e autoridades policiais de darem informações sobre investigações em andamento.

‘Eu não creio que um desvio eventual de procuradores contamine uma instituição. O Ministério Público vem cumprindo um papel muito importante designado pela Constituição de 88. Mas acho que é preciso fazer ajustes. Os abusos servem para mostrar uma correção de rota’, disse o ministro sobre o caso ‘Santoro’.

‘Sempre fui a favor da chamada Lei da Mordaça. Mas ela não está na agenda nesse momento. Acho que o Ministério Público tem condições de resolver esse problema tópico’, afirmou.

O ministro reafirmou ter considerado uma ‘espécie de conspiração’ a atitude de Santoro na reunião com Cachoeira. ‘O que se estava pretendendo ali, pelo subtexto, pelo inconsciente, pelo verbo e pela gramática do subprocurador Santoro não era esclarecer o caso Waldomiro, era destruir o ministro Dirceu e derrubar o governo. Poderia ser brincadeira, mas é isso que está falado ali’, afirmou.’



João Domingos e Mariângela Gallucci

‘Planalto e Congresso apressam controle sobre MP’, copyright O Estado de S. Paulo, 4/04/04

‘Independente, ousado e muitas vezes acusado de exagero na forma de investigar, o Ministério Público não escapará de mudanças. Por causa dos últimos episódios em que se meteram os procuradores da República José Roberto Santoro, Mário Lúcio de Avelar e Marcelo Serra Azul nas negociações com o empresário Carlos Ramos, o Carlinhos Cachoeira, na investigação do caso Waldomiro Diniz – em que se fala até na ‘derrubada do governo do PT’, – vem aí uma reação conjunta do Palácio do Planalto e do Congresso para que seja estabelecido algum tipo de controle sobre a instituição. Embora todos a defendam e destaquem seu papel fundamental para a democracia, é consenso que é preciso estabelecer limites e regras mais rigorosas para a atuação dos procuradores.

O primeiro ataque sairá do Senado – a emenda constitucional que promove a reforma do Judiciário cria o Conselho Nacional do Ministério Público, que terá, entre suas funções, a de fazer o controle externo do MP. Esse conselho poderá aprovar processos administrativos e até determinar a perda do cargo do procurador ou promotor. A emenda já foi aprovada pela Câmara e atualmente está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Depois da Semana Santa, o senador José Jorge (PFL-PE), relator da reforma do Judiciário, apresentará seu parecer à Lei de Abusos de Autoridade (1965), com o acréscimo dos artigos que criam a chamada Lei da Mordaça. Ele tende a ser favorável à proibição de que juízes, procuradores, promotores e policiais dêem entrevistas ou vazem documentos a respeito daquilo que investigam.

‘Deve haver um instrumento que crie regras de controle para o Ministério Público’, diz José Jorge, um dos senadores do PFL que mais clamam pela instalação de uma CPI para investigar a atuação do ex-assessor parlamentar da Casa Civil Waldomiro Diniz. O fato de ser da oposição não deverá mudar o pensamento de José Jorge.

O mesmo acontece com o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC). de um projeto que estabelece normas e penas para o magistrado, o membro do Ministério Público, do Tribunal de Contas, a autoridade policial ou administrativa que permitir que cheguem ao conhecimento de terceiro ou aos meios de comunicação fatos ou informações de que tenha ciência em razão do cargo e que violem o sigilo legal, a intimidade, a vida privada, a imagem e a honra das pessoas, Bornhausen luta para estabelecer normas para o MP há anos. Seu projeto foi anexado ao de iniciativa do Executivo, conhecido por Lei da Mordaça, porque são muito parecidos.

Bate-boca – Em 2003, depois de um bate-boca com o procurador Luiz Francisco de Souza, que o acusava de ser dirigente de uma instituição financeira, Bornhausen perdeu a paciência e mandou o desafeto ‘calar a boca’. A cena foi divulgada pelas emissoras de TV para todo o Brasil. No mesmo dia, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, alcançou Bornhausen por telefone, no aeroporto de São Paulo.

‘Conte comigo, com minha solidariedade. O MP não pode agir assim’, disse o ministro. Na quinta-feira passada, ao deixar o Senado, Bastos repetiu:

‘Sempre defendi essa lei que vocês chamam de Lei da Mordaça.’

Para o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), haverá algum mecanismo de controle. Ele acha que a reforma do Judiciário resolverá tudo, com a criação do conselho, mas não concorda com a mordaça, como quase todo o PT. ‘Regras sim, mordaça jamais’, afirma o presidente do PT, José Genoino.

‘Acho que, se passar, a mordaça cai no Supremo Tribunal Federal (STF), porque ninguém pode ser proibido de dar entrevistas’, afirma o deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), procurador de carreira.

‘Temos de encontrar mecanismos de controle porque as instituições, assim como o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, têm de estar em constantes mudanças e adequações aos novos tempos’, diz o líder do PT na Câmara, Arlindo Chinaglia (SP). ‘Não pode ser 8 ou 80, mordaça ou poderes absolutos como hoje.’ Para ele, o debate é permanente, necessário e tornou-se urgente agora por causa das negociações em que os procuradores propuseram perdão judicial a Cachoeira.

Exagero – O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio Neto (AM), deverá optar, como Genoino, Biscaia e Mercadante, pelo Conselho Nacional do Ministério Público, não pela Mordaça. ‘Prefiro o Ministério Público com algum exagero do que nenhum Ministério Público’, afirma Virgílio.

O presidente da CCJ, senador Edison Lobão (PFL-MA), aliado do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que defende um controle rigoroso do MP, e do Palácio do Planalto, que no momento vive às turras com os procuradores, é a favor da mordaça. ‘Não se trata de amordaçar ninguém, apenas de estabelecer as responsabilidades de cada um.’

O procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, acha que é preciso debater mais. Ele opina pelo acompanhamento externo das atividades do MP. ‘A expressão controle externo não está juridicamente adequada. Ela vale para o MP, que detém o controle externo da polícia. Significa que o MP, como destinatário do trabalho investigatório da polícia, controla esse trabalho.

Ele pode dizer: eu quero que a investigação seja feita nessa linha. Isso é controlar, ou seja, quem controla pode apontar para o controlado a direção a ser assumida.’

Para ele, a fórmula de acompanhamento externo deve diferente da sugerida pela reforma do Judiciário, que prevê um conselho com dez representantes. ‘O Senado indicaria um nome, o STF um ministro e o conselho federal da OAB um advogado. Esse triunvirato acompanharia e fiscalizando, o desempenho do MP.’’



João Domingos

‘‘Esse grupo age totalmente fora da lei’, diz Eduardo Jorge’, copyright O Estado de S. Paulo, 4/04/04

‘O ex-secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge Caldas Pereira está processando os procuradores Luiz Francisco de Souza e Guilherme Schelb na Corregedoria do Ministério Público da União. Ele, que se diz uma vítima do ímpeto de procuradores, acusa os dois de várias irregularidades, entre elas a de terem enganado um juiz, contrabandeando o número de seu telefone para uma lista em que pediam grampo nos aparelhos de acusados pelo escândalo que ficou conhecido por Marka/FonteCindam.

Eduardo Jorge diz que não se surpreendeu com a atitude dos procuradores José Roberto Santoro, Mário Lúcio de Avelar e Marcelo Serra Azul, nas negociações com Carlinhos Cachoeira. ‘Nada do que vi me surpreendeu, porque esse grupo de procuradores usa mesmo esses métodos. Todo mundo do MP sabe que eles não têm vergonha quando tentam atingir alguém, não se inibem de quebrar princípios éticos, legais e de cometer crimes.’

Ele diz que, uma vez, numa retaliação sem precedentes, os procuradores incluíram o CPF de um advogado do qual eram desafetos entre os de pessoas que deveriam ter o sigilo quebrado. ‘Esse grupo age totalmente fora da lei’, acusa. ‘Chegaram a destruir e a trocar documentos públicos.’

Para Eduardo Jorge, um dos servidores do governo de Fernando Henrique que mais penaram nas mãos do MP, os interrogatórios das madrugadas são método comum nesse grupo de procuradores. ‘Eles fazem isso para intimidar. Comigo, encerraram os trabalhos numa sexta-feira e, na segunda, um 7 de setembro, estavam enviando informações falsas ao Judiciário.’

Apesar das críticas aos métodos de alguns setores do MP, Eduardo Jorge acha que as negociações entre os procuradores e Carlinhos Cachoeira de forma nenhuma devem desviar as atenções do caso Waldomiro Diniz. ‘É importante que não haja nenhum obstáculo para as investigações. É preciso ir a fundo para descobrir como é que atuava o Waldomiro dentro do Planalto.’

O ex-secretário cobrou coerência do PT. ‘Acho que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o senador Aloizio Mercadante e o ministro José Dirceu devem agir com coerência e deixar uma CPI investigar todo o caso Waldomiro’, disse. ‘Fui voluntariamente ao Congresso, abri meu sigilo e me calei. Só depois de comprovada minha inocência é que resolvi agir (processar os procuradores).’’