Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Antonio Brasil

‘Esta semana os americanos foram ‘inundados’ com as imagens e notícias sobre o furacão Katrina. Aqui nos EUA, não se fala em outra coisa. Segundo os especialistas, trata-se do pior desastre natural da história recente americana. O número de vítimas ainda é desconhecido e o prejuízo material, incalculável. Toda a atenção do público e todos os recursos disponíveis estão mobilizados para garantir mais uma ‘cobertura de saturação’. Na guerra das mídias, o furacão Katrina se tornou mais uma frente de combate entre a TV e a Internet. No entanto, para os principais interessados, as milhares de vítimas do desastre do século, o grande meio de comunicação de massa é o velho rádio. Em um cenário de caos total que mais se assemelha a uma zona de guerra no Iraque ou terror no Haiti, os habitantes das áreas afetadas só puderam contar com o velho radinho de pilha para sobreviver.

Mas furacão também é muito bom para a televisão. Os preparativos incluíram o deslocamento de grandes unidades móveis, muita tecnologia e grandes equipes. A rede de TV americana NBC, líder de audiência, enviou seu âncora Brian Williams para o olho do furacão. Apresentou seu telejornal diretamente de Nova Orleans, além de manter um relato mais regular em seu blog pessoal. Williams é o primeiro âncora da TV americana a compreender o poder da Internet. Seu blog (ver aqui) é uma das principais razões para a liderança da sua emissora.

Por outro lado, o esforço sobre-humano das equipes de TV é compensado por uma explosão nos índices de audiência. Todos trabalham longas horas em condições dificílimas e perigosas. Além das ameaças naturais – cada passo ou movimento pode significar um desastre – os jornalistas também enfrentam os ataques de gangues armadas de saqueadores igualmente dispostos a faturar com o furacão. Ou seja, lição número 1: furacão não é só bom para televisão.

Mas, apesar das dificuldades e limitações, o sucesso da cobertura de TV está sempre garantido. Em tempos de vacas magras, ainda mais durante o verão, período tradicional de poucas notícias, as redes de TV americanas se prepararam da melhor forma possível. Mobilizaram muitos recursos, conseguiram imagens fantásticas e inesquecíveis. O problema é que a natureza ainda consegue sempre nos surpreender.

Impossível ignorar ou prever o gigantismo do Katrina. Mas o problema desse tipo de cobertura persiste. Principalmente para os repórteres envolvidos nas coberturas ao vivo em canais 24 horas. Afinal, o que dizer, o que acrescentar às imagens tão dramáticas, quando, na verdade, nada sabemos?

Os repórteres de TV não podem apurar as notícias. Estão exaustos, nada funciona e ninguém sabe ou quer dizer o que está acontecendo. Nesses momentos, as autoridades desaparecem. Não querem arriscar dizer mais bobagens. Para isso, contam com a vaidade ou a capacidade inesgotável dos jornalistas de TV de dizer muitas bobagens no ar. E a justificativa para a falta de notícias? Eles precisam estar ‘disponíveis’ o tempo todo para as famigeradas inserções ao vivo. São convocados regularmente pelos apresentadores nos confortáveis e seguros estúdios de TV para mais uma vez dizer a mesma coisa, que não sabem de nada, que estão ‘sem palavras’ para descrever a ‘magnitude do desastre’. Repórter de TV adora aparecer mesmo que seja para dizer bobagem no ar. Prefere pagar mico a dizer que não tem nada a acrescentar. As imagens são soberanas.

Na falta de palavras, é um show de velhos clichês, comentários e perguntas absurdas no gênero ‘Como o senhor está se sentindo aí em cima do telhado da sua casa?’ Depois de uma seqüência de perguntas semelhantes, após inúmeras horas do mesmo e todos os canais, desligo a TV.

Sempre insisti no sagrado direito de todos os repórteres de TV de falarem bobagens ao vivo. Preferia que em certos momentos tivessem a coragem ou a humildade de ficarem simplesmente calados. De vez em quando, em certas situações extremas, deveriam respeitar o poder das imagens. O silêncio pode descrever uma cena muito melhor do que inúmeras palavras vazias. Se não tem nada a dizer, pelo menos não atrapalhe. Muitas imagens em situações dramáticas prescindem de explicações. Na falta de informações, dizer qualquer bobagem em vez de enriquecer a cobertura, prejudica e compromete.

Também não consigo entender por que os jornalistas de TV não se preparam melhor para esses desastres. Nem tudo na vida é tecnologia. Treinamento deveria ser uma prioridade. Nessas situações, jornalista é como um bombeiro. Televisão não costuma acreditar e não gosta muito de gastar tempo e dinheiro com ‘treinamento’ de suas equipes. Aprender fazendo pode significar cometer sempre os mesmos erros. Por outro lado, nessas situações, os repórteres deveriam contar com equipes de apoio, com produtores experientes em busca de um mínimo de informações coerentes para os ‘ao vivo’ dos repórteres. Mas isso obviamente também significaria gastar dinheiro com gente e com treinamento. Preferimos sempre gastar dinheiro com ‘gadgets’ digitais. Adoramos gastar fortunas com equipamentos modernos que não sabemos utilizar e preferimos continuar cometendo sempre os mesmos erros na cobertura dos desastres. Qualquer coisa, é só culpar a imprevisibilidade do ‘desastre’.

No entanto, nem tudo foi um ‘desastre’ na cobertura do furacão Katrina. Mais uma vez, a Internet mostrou a maturidade e diversidade do meio. Quem buscou mais do que imagens dramáticas acompanhadas de muitas bobagens, conseguiu justificar e recuperar uma velha paixão pelo jornalismo de utilidade pública.

No caminho do furacão Katrina, inúmeros sites emergiram com uma cobertura dedicada a informar o público e prestar serviços. Sites como o Craiglist, por exemplo, especializado em compras e vendas além de reunir pessoas, se tornou um ponto de convergência para localizar parentes, amigos ou ajudar os refugiados. É claro que também tem sempre um engraçadinho que aproveita para cantar uma ‘desabrigada’, oferecer hospedagem em Nova Iorque, mas pedir para enviar uma foto antes. Como disse, furacão é bom oe Internet, rádio e televisão. Mas também pode ser muito bom para quem sabe aproveitar a ocasião.

Infelizmente, as últimas notícias da região atingida pelo Katrina descrevem cenas de violência e terror. As vitimas perdem a paciência com as autoridades e muitas cidades estão sob lei marcial. As tropas americanas, muitas delas a caminho do Iraque, são deslocadas para conter os ‘insurgentes’ americanos. O furacão Katrina talvez nos ensine muitas lições, tanto no jornalismo como em política internacional. Em condições extremas, a estupidez do ser humano não tem limites.

E por falar no poder das imagens, com tantas notÍcias ruins, desastres naturais cada vez mais freqüentes e um clima generalizado de pessimismo no mundo, seria bom relembrar um grande filósofo, o polêmico e iconoclasta Friedrich Nietzsche : Ele [Deus] não criou o mundo a sua própria imagem, ou seja, tão estúpida o quanto possível?

O presidente Bush também tem muito a aprender ou a temer com a estupidez humana ou com mais um desastre de proporções históricas. Após os ataques de 11 de setembro, guerras intermináveis no Afeganistão e Iraque, ele enfrenta o pior furacão da história americana. E como disse um colega jornalista com muita propriedade e senso de humor: aqui entre nós, o presidente Bush é um tremendo pé frio!’



Tania Ralli

‘Polêmica: nas fotos, quem é saqueador?’, copyright O Estado de S. Paulo, 06/09/05

‘Duas fotos recentes transitaram pela internet na semana passada e criaram um debate sobre etnia e mídia noticiosa na esteira do furacão Katrina.

A primeira, tirada por Dave Martin, um fotógrafo da Associated Press em New Orleans, mostra um jovem negro caminhando com dificuldade com água até o peito. Ele está segurando uma embalagem com refrigerantes e puxando uma grande sacola flutuante. A legenda fornecida pela AP diz que ele tinha acabado de ‘saquear um supermercado’. A segunda, também de New Orleans, foi tirada por Chris Graythen para a Getty Images e distribuída pela France Presse. Mostra um casal de brancos com a mesma água imunda até o peito. A mulher está arrastando algumas embalagens de comida. A legenda diz que eles são mostrados ‘depois de encontrar pão e refrigerante num supermercado local’. Ambas as fotos apareceram na terça-feira no Yahoo News, que apresenta automaticamente artigos e fotos de serviços de informação eletrônicos.

Pouco depois, um usuário do site de compartilhamento de fotos Flickr justapôs as imagens e legendas numa mesma página que atraiu links de muitos blogs. O blog de esquerda Daily Kos, fazia link com a página com o seguinte comentário: ‘Não é saque, se você é branco.’ O contraste entre as duas legendas de foto, que para muitos indicou um duplo padrão de comportamento, gerou uma ira generalizada com a mídia noticiosa que rapidamente se espalhou para além da internet.

Na sexta-feira à noite, o rapper Kanye West ignorou o teleprompter durante uma transmissão ao vivo da NBC de um concerto de ajuda às vítimas do furacão aproveitando a oportunidade para fustigar o presidente Bush e criticar a mídia noticiosa: ‘Odeio a maneira como eles nos retratam na mídia’, disse. ‘Você vê uma família negra, ela diz que eles estavam pilhando. Você vê uma família branca, ela diz que eles estão procurando comida.’ Muitos bloggers foram rápidos em assinalar que as fotos vieram de duas agências diferente. E por isso não refletiam o preconceito de uma única empresa de mídia. Mas para alguns, a diferença de tom sugere viés racial, implícito ou não.

Segundo as agências, cada fotógrafo legendou a própria foto. Jack Stokes, um porta-voz da Associated Press, disse que os fotógrafos são solicitados a descrever o que viram ao escrever uma legenda. Ele acrescentou que a AP tinha diretrizes anteriores ao furacão Katrina para distinguir entre ‘pilhar’ e ‘levar’.

Se um fotógrafo vê alguém entrar numa loja e sair com bens, isso é descrito como pilhagem. Se não a AP chama de carregar. Stokes diz que Martin viu o homem em sua foto entrar no supermercado e sair com refrigerantes e saco, por isso, pela definição da AP, o homem tinha pilhado.

O fotógrafo da Getty Images, Graythen, disse numa mensagem de e-mail que na legenda ele se ativera ao que tinha visto. E pensara muito no assunto antes de escrevê-la. Graythen descreveu ter visto o casal perto de uma loja de esquina do alto de uma via elevada. A porta da loja estava aberta e havia várias coisas flutuando na rua. Ele não pôde conversar com o casal, por isso, nas suas palavras, teve de ‘tirar conclusões próprias’. Nas condições extremas de New Orleans, diz Graythen, tirar artigos de primeira necessidade como comida, remédios e água para sobreviver não pode ser considerado roubo.’



Sérgio Dávila

‘Na dúvida, mundo se informa por blogs’, copyright Folha de S. Paulo, 4/09/2005

‘Se o 11 de Setembro foi o evento marcado pelos recados nos celulares e pelos e-mails enviados pelas vítimas e o período oficial da Guerra do Iraque não viu mais do que meia dúzia de diários virtuais narrarem os acontecimentos do front (como Salam Pax), a tragédia do furacão Katrina entrará para a história como o dia em que a imprensa tradicional cedeu lugar aos blogs.

A começar pelo principal jornal de Nova Orleans e região, o ‘The Times-Picayune’, que, impedido de rodar em papel, passou os últimos dias tirando suas edições virtualmente, até sexta, quando voltou ao normal -mas há dúvidas sobre sua sobrevivência financeira, assim como a de diversas empresas de diversos setores de lá.

Seu blog -termo que é uma abreviatura de weblog, diário virtual-, porém, continuava um dos mais visitados na sexta-feira à noite, principalmente o fórum das pessoas desaparecidas, criado na última quarta. Só nas primeiras 24 horas, o endereço recebeu 7.400 mensagens.

A característica da tragédia explica a dificuldade de a imprensa tradicional chegar até o local, o que levou os diretores de notícias das três principais emissoras de TV norte-americanas (ABC, CBS e NBC) a fazerem um mea-culpa coletivo no fim da semana.

Estradas interrompidas, telefones e celulares em pane, eletricidade incerta e dificuldade de acesso: os mesmos problemas afligiram e estão afligindo tanto o resgate do governo como o repórter.

Presos

Assim, a agilidade dos blogs reside numa palavra: ‘wireless’ (sem fio, em inglês). Muitos dos cidadãos, jornalistas ou não, que continuaram a escrever in loco lançaram mão do serviço de conexão para computador, que prescinde de meios tradicionais.

Foi o caso, por exemplo, do Humid City (cidade úmida), e do Nola View (Nola, acrônimo de New Orleans e LA, por sua vez sigla daquele Estado americano, Louisiana), dois dos mais vistos. O último trazia na sexta à tarde uma mensagem desesperadora:

‘Sexta, 2 de setembro de 2005

Presos em Bayou Road

16h03

Nome: Siddika Jacson

Assunto: Minha história do furacão – Presos na Bayou Road

História: Há pelo menos 5-6 pessoas presas numa casa no número 1735 da Bayou Road. Alguém por favor os ajude!!!!’

Até mesmo brasileiros entraram no ar. Um deles é o Liberal, Libertário, Libertino, de Alex Castro, 31, estudante de pós-graduação na Universidade de Tulane, uma das mais atingidas, e que comoveu o mundo virtual ao narrar o sumiço de seu cachorro, o Oliver (até a conclusão desta edição, não se sabia o destino do poodle). No meio da crise, seu site completou um milhão de ‘page views’.

Outro, Idelber Avelar, fez de seu O Biscoito Fino e a Massa um necessário centro de divulgação de nomes de pessoas, a maioria brasileiros, que se encontravam no centro do furacão e, passado o pior, já deram sinal de vida ou continuam desaparecidas.

Ele relata: ‘Conversei com dois sobreviventes hoje à noite: se o que você está vendo na televisão é horrendo o suficiente, você não imagina o que são os relatos dos que escaparam. Pelo que pude avaliar até agora: Ninth Ward, Chalmette, St. Bernard Parish não existem mais, simplesmente. Airline Highway e West End continuam submersos. O Oakwood Mall foi incendiado. Há partes do French Quarter que não estão submersas, mas lá é onde os saques (e inclusive incêndios) campeiam. Nossa cidade, a mais brasileira de todas as cidades americanas, está literalmente sendo destruída. A sensação de impotência aqui é muito grande.’

Até um grande jornal inglês, o ‘Guardian’, resolveu abrir seu metablog emergencial, um blog que cobre os blogs que estão cobrindo a catástrofe, como os citados acima. Chama-se ‘A Fúria de Katrina’ e está sob a chancela ‘reportagens especiais’.’

***

‘Furacão também é desculpa para fraudes virtuais’, copyright Folha de S. Paulo, 4/09/2005

‘Assim como a rede ajuda a informação numa situação como a de um desastre das proporções do causado pelo Katrina, ajuda também os que querem ganhar dinheiro de maneira fraudulenta. Caixas de entrada de computadores do mundo inteiro foram inundadas com mensagens eletrônicas maliciosas de duas categorias.

A primeira pede ajuda financeira para as vítimas do furacão Katrina. Nesse quesito, existem duas variações, a que exige os dados bancários e pessoais dos doadores -que depois serão vítimas de golpes bancários- e a que simplesmente aponta uma conta de uma fundação-’laranja’, que receberá o dinheiro doado por alguns dias e que, logo depois, provavelmente desaparecerá. Ambos os golpes foram muito comuns já na época do maremoto que atingiu a Ásia, segundo autoridades norte-americanas.

Já a segunda categoria de fraude existe desde que surgiu o e-mail e volta sempre com nova roupagem. No caso do Katrina, o internauta recebe uma mensagem com títulos atrativos em seu interior, como ‘fotos exclusivas e proibidas das vítimas do furacão’, e um link, que o levará a instalar, sem saber, um vírus em seu próprio computador. Está feito o estrago.’



Folha de S. Paulo / Le Monde

‘Imprensa reflete perplexidade americana’, copyright Folha de S. Paulo / Le Monde, 3/09/2005

‘A imprensa americana se pergunta qual será a razão da lentidão do governo em socorrer as vítimas do furacão Katrina. Como explicar a falta de preparo do governo George W. Bush diante de uma catástrofe previsível?

‘Como é possível que o governo estivesse tão pouco preparado para uma crise tão anunciada?’, indagou o ‘Washington Post’. Enquanto Bush adotava ontem um tom fatalista para dizer que ninguém poderia ter previsto que os diques que deveriam proteger Nova Orleans pudessem estourar, o jornal replicou: ‘Já faz tempo que os especialistas lançavam alertas sobre a topografia única da cidade e sua vulnerabilidade’.

A resposta das autoridades ‘enfureceu e amargurou dezenas de milhares de pessoas que esperam por ajuda, sendo a maioria delas negras e pobres, e, com frequência, idosas e doentes’, acrescenta o jornal. O ‘USA Today’ sublinhou o fato de que os negros e pobres são os mais atingidos pela crise humanitária no sul dos EUA, especialmente na Louisiana. Para o jornal, a responsabilidade pelo caos cabe ao Estado.

‘A maioria dos pobres não tem carro, o que os impediu de deixar a cidade. Sem dinheiro, muitos se viram sem ter para onde ir. Pouco instruídos, muitos não compreenderam a importância da ameaça. Com a saúde fraca, muitos eram fracos demais para sobreviver’, diz o ‘USA Today’.

Mesmo o ‘Wall Street Journal’, próximo da administração republicana de Bush, avalia que as autoridades são em parte responsáveis pelo caos. ‘Os americanos às vezes esperam demais de seu governo -como, por exemplo, que ele garanta combustível a preço baixo-, mas eles têm o direito de esperar que ele lhes garanta pelo menos segurança, talvez especialmente, em momentos de crise.’

O ‘New York Times’ apontou o dedo da culpa ao fato de a Guarda Nacional ter sido enviada ao Iraque. Um terço dos integrantes da Guarda Nacional da Louisiana está hoje combatendo no Iraque e não pôde participar dos trabalhos de socorro, diz o jornal.

No exterior, estupefação

A imprensa européia é unânime em afirmar que o furacão Katrina trouxe à tona a enorme defasagem entre a superpotência tecnológica dos Estados Unidos e sua incapacidade de garantir a segurança após a devastação provocada pelo Katrina.

‘Estarrecida e consternada, a América vê um Terceiro Mundo dentro de suas próprias fronteiras, fracassado e violento’, escreve o jornal alemão ‘Die Welt’. ‘Saqueadores armados humilham os policiais, que trabalham em número inferior ao que é necessário’, acrescenta o jornal conservador.

Para o britânico ‘Daily Mail’, a impotência dos EUA é a mesma que o país demonstra no Iraque. ‘Eis uma superpotência que pode derrubar uma ditadura quando bem entender, mas que está tão afundada nas conseqüências da guerra que se vê incapaz de responder de maneira adequada às dificuldades de dezenas de milhares de seus cidadãos atingidos por uma catástrofe natural.’

O mesmo refrão é repetido na Espanha. ‘O governo Bush parece estar atolado em sua própria incompetência’, escreveu o ‘El País’, sublinhando que ‘essa tragédia também tem uma leitura social’.’



O Estado de S. Paulo

‘Jornais também criticam resposta de Bush à tragédia’, copyright O Estado de S. Paulo, 3/09/05

‘EDITORIAIS FEROZES: Os principais jornais americanos não pouparam o presidente George W. Bush pela tardia reação aos efeitos do furacão Katrina. ‘Impotentes, muitos cidadãos americanos se perguntam se as operações de resgate ficaram comprometidas pelo fato de um terço do contingente da Guarda Nacional da Louisiana e uma porcentagem ainda maior da força do Mississippi estarem a 11 mil km de distância, combatendo no Iraque’, afirma The New York Times.

‘Como pode o governo estar tão mal preparado para enfrentar uma crise tão amplamente prognosticada?’, pergunta The Washington Post. O cineasta Michael Moore, ácido crítico de Bush, enviou uma carta ao presidente. ‘Onde diabos o sr. enfiou os nossos helicópteros militares? Tem alguma idéia de onde estão nossos soldados da Guarda Nacional? Por que não estavam ali?’, indaga, ironicamente, referindo-se ao contingente que está no Iraque.’



CHIRAC DOENTE
O Globo

‘Segredo em torno de Chirac é criticado’, copyright O Globo, 5/09/2005

‘É bom o estado de saúde do presidente Jacques Chirac depois de passar a segunda noite no hospital militar Val-de-Grâce em Paris, segundo um boletim médico divulgado ontem, que considerou encorajadores os resultados dos exames. Chirac, de 72 anos, cancelou os compromissos por uma semana ao ser internado vítima de um acidente vascular na região ocular que afetou levemente sua visão.

A notícia de que o presidente francês passou uma noite no hospital sem que o primeiro-ministro ou o líder de seu partido fossem inicialmente informados provocou críticas em relação à transparência no governo. Desde que assumiu, em 1995, Chirac recusa-se a emitir boletins regulares sobre sua saúde alegando que seu antecessor, François Mitterrand, o fazia apenas para encobrir um câncer.

De acordo com especialistas, o acidente vascular pode ter causado sangramento ou coágulo perto do olho, provocando visão dupla ou a outros distúrbios visuais. A maioria das pessoas acometidas pelo problema se recupera facilmente, mas o médico que tratou de Mitterrand considerou o problema um sinal de que o presidente deve diminuir o ritmo.

O acidente vascular é um golpe para Chirac depois de uma série de derrotas políticas que o deixaram isolado e quase impotente para conter uma luta pela supremacia entre seus próprios colegas de partido. Ansioso para mostrar que o presidente continua no comando do governo, o gabinete de Chirac disse ontem que ele recebeu funcionários no hospital e solicitou que o atualizassem sobre o novo incêndio em Paris.

Até agora não houve menção a qualquer transferência de poder. De acordo com a lei francesa, em caso de incapacidade do chefe de Estado, o presidente do Senado assume interinamente.’



CHINA
Jim Yardley

‘Jornalista cai no abismo legal chinês’, copyright O Estado de S. Paulo / The New York Times, 4/09/05

‘Durante os mais de 11 meses que está preso, Zhao Yan tem sido mantido num dos mais sombrios buracos negros do sistema legal chinês por causa da acusação de ter passado segredos de Estado a seu empregador, o jornal The New York Times. A acusação, que Zhao e o Times negam, priva um réu na China de quase todos os seus direitos. Zhao ainda não teve uma audiência. Nenhuma explicação pública foi dada para a sua prisão. Ele está proibido de ver a família. Os esforços de estabelecer uma fiança foram negados não por um juiz, mas pelo próprio Ministério de Segurança do Estado, o organismo que o prendeu.

Zhao, de 42 anos, que trabalhava como pesquisador para o escritório do jornal em Pequim, tinha familiaridade com o ministério quando o pegaram em 17 de setembro numa loja Pizza Hut em Xangai. Os trabalhos anteriores como jornalista investigativo e ativista rural lhe valeram visitas regulares de agentes e abriram caminho para especulações de que sua vida pregressa era a razão da prisão. Mas um relatório confidencial do ministério e entrevistas confirmaram que Zhao foi alvo de uma investigação de alto nível que teve início em resposta a um artigo no Times de 7 de setembro.

O artigo, que citava duas fontes anônimas, dizia que o ex-presidente Jiang Zemin havia decidido inesperadamente renunciar ao último cargo de liderança que ocupava, o de chefe militar. A reportagem mostrou-se exata quando Jiang se aposentou, em 19 de setembro.

Em muitos outros países, a informação sobre o futuro de um líder político seria considerada de domínio público. Mas até quando os líderes autoritários chineses prometem um sistema legal mais imparcial, eles continuam a usar a vagamente definida lei de segredos de Estado para isolar inimigos políticos e impedir jornalistas de interferir nos trabalhos internos da cúpula do Partido Comunista.

O Times declarou que Zhao não forneceu nenhuma informação sobre a renúncia de Jiang. E o relatório confidencial do ministério, que foi descrito por Jerome Cohen, um conselheiro do jornal para auxiliar na defesa de Zhao, não o acusa de fazê-lo. Em vez disso, a principal evidência citada é uma fotocópia de uma nota que Zhao escreveu dois meses antes do artigo e não faz menção à renúncia.

A nota original continua no escritório do Times de Pequim, levantando questões sobre se os agentes do ministério induziram um empregado chinês do escritório a fornecer uma cópia sem autorização ou conduziram uma busca sem permissão. Em qualquer caso, de acordo com a lei chinesa, a fotocópia seria inadmissível como prova. O conteúdo da nota destaca a amplitude da definição que a China dá para segredo de Estado. São alguns parágrafos de fofoca política sobre uma disputa entre Jiang e seu sucessor, Hu Jintao, sobre a promoção de dois generais. A informação foi incluída no fim do artigo de 7 de setembro. Os promotores ainda estudam se vão indiciar Zhao sob a acusação de revelar segredo de Estado e outra, mais leve, de fraude, acrescentada mais tarde na investigação.

O caso pode ser levantado pelas autoridades americanas quando Hu visitar Washington. A visita estava prevista para quarta-feira, mas foi adiada por tempo indeterminado por causa dos efeitos do furacão Katrina. O caso já provocou protestos da secretária de Estado Condoleezza Rice.

Para Zhao, uma condenação significaria 10 anos ou mais na prisão. Seu advogado, Mo Shaoping, argumentou em petições aos promotores que ambas as acusações não têm mérito. Ele apontou que os investigadores não apresentaram provas de que Zhao recebeu quaisquer documentos oficiais ou falou com funcionários do governo. Mo também argumentou que discutir uma possível rusga entre generais não deveria constituir um segredo de Estado: ‘Partimos do pressuposto de que os cidadãos têm o direito fundamental de saber sobre as mudanças no pessoal estatal.’

Zhao está preso no centro de detenção do Ministério de Segurança em Pequim. Ele perdeu 10 quilos e pediu uma biópsia para várias manchas na pele. ‘Psicologicamente, ele está bem, mas está muito emotivo’, disse Mo. ‘Está muito abalado com as acusações. Ele as considera absurdas.’

A prisão de Zhao foi o fim de uma seqüência improvável de acontecimentos. Furioso depois de achar uma barata en sua salada no Pizza Hut, ele reclamou em vão com o gerente e depois ligou seu celular para pedir que um repórter fosse até o local. Dias antes, havia desligado o telefone como precaução. Freqüentemente ele contava a amigos que agentes de segurança rastreavam seus movimentos através do telefone celular. Logo depois de ter ativado o telefone, três agentes chegaram e o levaram embora. Tradução de Alessandro Giannini’