Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Antonio Carlos Prado

‘Os jornalistas podem ser alvos da ciranda de grampos e averiguações telefônicas que roda pelo Brasil. O delegado da Polícia Federal de Brasília Francisco de Assis Guimarães Sobrinho assim se remeteu ao Tribunal Regional Federal de São Paulo (ofício 318/2003): ‘(…) entendemos (…) a necessidade de averiguação de ligações telefônicas entres aqueles que tinham o conhecimento dos documentos sob sigilo (…) e os jornalistas que obtiveram esses dados e os reproduziram publicamente por intermédio de todos os meios de comunicação.’ Os documentos aos quais o ofício se refere são da chamada Operação Anaconda: aquela que grampeou e denunciou juízes, advogados, policiais e empresários como supostos integrantes de uma suposta quadrilha de venda de sentenças – chegando a confundir vozes e números de telefones, denunciando um morto e levando por 11 dias um inocente para a cadeia.

A ‘averiguação de ligações telefônicas’ daqueles que poderiam estar ‘vazando’ e reproduzindo informações incluiria automaticamente não apenas os jornalistas, mas também representantes do Ministério Público e até os próprios policiais – enfim, todos os envolvidos na operação poderiam potencialmente ser os informantes. Necessariamente, também os advogados teriam de ser averiguados. Assim, o direito constitucional do jornalista ao sigilo de fonte e o direito constitucional do advogado ao sigilo de comunicação com o seu cliente estariam sepultados. Detalhe: advogado grampeado fere o mais elementar do direito à ampla defesa. Pode-se argumentar que o delegado tentasse dessa forma impedir a execração pública dos grampeados. Pode-se argumentar que também nessa linha poderá seguir o anteprojeto do Ministério da Justiça que agora se envia ao Congresso. O anteprojeto vai para votação após o caso de espionagem envolvendo a agência internacional Kroll, no qual foram grampeados telefones e interceptados e-mails. O anteprojeto tenta colocar chão firme na areia movediça que é a Lei de Interceptação (9.296/96) ao ditar parâmetros mais claros e restritivos para que o grampo seja autorizado – e isso é bom. Mas num ponto o anteprojeto continua patinando: o de punir com até quatro anos de reclusão quem revelar o conteúdo de interceptações que estejam sob segredo de Justiça.

A casca de banana que está sob os pés do anteprojeto é a seguinte: se mesmo com a imprensa divulgando erros nos grampos, grampos e erros continuam ocorrendo, o que aconteceria se não houvesse tal divulgação? Detalhe: geralmente são os próprios responsáveis pelas escutas que se autodetonam na Justiça ao dizerem que não têm certeza dos fatos que imputaram aos grampeados. Punir a imprensa pela divulgação significa melhorar a acuidade auditiva dos que ouvem as conversas? Vozes e nomes deixarão de ser trocados? As conversas deixarão de ser editadas por quem as ouve e serão apresentadas na íntegra à Justiça, coisa que hoje não acontece? Juízes deixarão de determinar interceptação direta por 30 dias enquanto a lei prevê no máximo 15 dias, renovável por igual período de tempo? Mudar a lei é bom porque pode brecar a arapongagem, mas apenas mudar a lei não implica aumentar a responsabilidade dos que escutam as conversas. E aí entra a importância da imprensa: a de mostrar que muitas vezes aqueles que são grampeados nada têm a ver com atividades criminosas e que as conversas escutadas não coincidem com o que é transcrito no papel. Eis alguns casos cuja publicidade jornalística convém ao Estado Democrático de Direito:

• Ofício 174/2002 do juiz federal Sebastião José Vasques de Moraes ao gerente-geral da TIM: ‘Solicito (…) a prorrogação da interceptação da linha celular 9977… pelo prazo de 30 dias (…) solicito também a interceptação por igual prazo (…) da linha celular 9902…’ Do mesmo juiz para a BCP (ofício 175): ‘Solicito (…) pelo prazo de 30 dias a interceptação da linha celular 9331…’

• O celular 9648… foi grampeado pela PF como sendo do juiz federal João Carlos da Rocha Matos. Esse celular é de José Orlando Miranda Ribeiro, conforme depoimento do próprio Miranda ao Tribunal Regional Federal de São Paulo.

• Lourenço Rommel foi envolvido em suposta corrupção no Ministério da Saúde investigada com interceptações de telefones e de e-mails. Foi preso temporariamente com base em relatório de grampos da PF. Segundo o relatório, Rommel já havia sido condenado por quadrilha especializada em cobrar propinas dos fornecedores da Ceme. Em seu depoimento à Justiça, o delegado da Divisão de Inteligência da PF Rafael Oliveira, responsável pelos grampos, admite que a ‘checagem da informação foi posterior ao relatório que serviu de base ao pedido de prisão’. Da checagem resultou que Rommel não possui essa condenação. Mais ainda. O delegado diz: ‘(…) nas conversas interceptadas, os acusados Luiz Cláudio e Manoel Pereira não tiveram seus nomes mencionados por inteiro (…), relacionou os apelidos Brinquinho e Careca ao acusado Luiz Cláudio porque a fotografia no passaporte indicava a utilização de brinco e que era calvo (…), relacionou o apelido Maneco ao acusado Manoel porque é comum atribuir tal apelido às pessoas de nome Manoel.’

• O empresário Vagner Rocha foi denunciado com base em grampo no chamado Caso Centauro (atuação ilícita envolvendo um estrangeiro no Brasil). O laudo 1.619/04 do Instituto Nacional de Criminalística diz que a voz atribuída a Vagner Rocha não é a dele.

• Norma Regina Emílio Cunha, ex-mulher do juiz João Carlos da Rocha Matos, gravava por conta própria as suas discussões com o ex-marido. Nas gravações se ouvem falas de desavenças e ciúmes, conversas pessoais e passionais, acusações baseadas em seu ressentimento de mulher traída. Essas são as fitas que a PF apreendeu e que estão sendo usadas para incriminá-la. Detalhe: um dos mais destacados princípios constitucionais do Brasil é que ninguém é obrigado a produzir prova contra si próprio. Assim, as fitas gravadas por Norma não podem ser utilizadas contra a própria Norma.

É importante e urgente uma lei que ponha ordem nas interceptações. Mas a imprensa não pode pagar o pato se a arapongagem continuar a piar, nem a sociedade pode ficar desavisada se algum araponga desafinar.’



O Estado de S. Paulo

‘Parceiros em um linchamento moral’, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 7/08/04

‘Quando Luiz Inácio Lula da Silva se elegeu presidente, este jornal sustentou que a grande mudança previsível na política brasileira seria a do papel da oposição. Entre o pleito e a posse do candidato vitorioso, o espetáculo da mais civilizada transição administrativa a que o País poderia aspirar apenas fortaleceu o prognóstico de que o PSDB e o PFL não tratariam o governo do PT com o misto de truculência, primarismo e desdém pelo interesse público que marcou, inesquecivelmente, o comportamento do PT diante do governo da coligação PFL-PSDB. Hoje está claro que era ilusória a expectativa de que os costumes políticos nacionais passavam por uma bem-vinda metamorfose.

Assim como o governo Lula proporcionou aos brasileiros a grata surpresa de dar continuidade às diretrizes da gestão macroeconômica dos anos Fernando Henrique, a nova oposição surpreende, só que desalentadoramente, ao reproduzir o padrão deletério do então oposicionismo petista. Anteontem, nos Estados Unidos, em mais de uma das suas constrangedoras trapalhadas verbais, o presidente Bush disse que o seu governo jamais ‘parará de pensar em novas maneiras de prejudicar nosso país e nosso povo’. No Brasil, é o que tucanos e pefelistas parecem fazer – conscientemente – ao buscarem se aproveitar do noticiário que pretende incriminar o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles.

Mesmo que sejam dissidentes petistas os responsáveis pelo vazamento dos supostos delitos de Meirelles, a oposição se associou, com indesculpável leviandade, ao espalhafato produzido por um tipo de jornalismo que atira primeiro e pergunta (às vezes) depois. Equivalessem as acusações a Meirelles ao flagrante dos malfeitos de Waldomiro Diniz, o protegido do ministro José Dirceu, nem a imprensa nem os políticos sérios poderiam ter agora uma atitude diferente da que tiveram naquela ocasião. O Estado não hesitou em defender o afastamento do ministro até a apuração cabal dos atos de seu apadrinhado promovido a assessor da Casa Civil. E apoiou uma CPI para o caso.

Mas o escândalo de agora se caracteriza pela porosidade das denúncias apregoadas trefegamente por força da concorrência entre duas revistas. IstoÉ abriu o placar ‘denunciando’ – como se fosse crime – que o então superexecutivo do BankBoston, residente nos Estados Unidos, tinha domicílio fiscal naquele país e domicílio eleitoral em Goiás (onde viria a se eleger deputado em 2002 pelo PSDB). Veja empatou, uma semana depois, com a procuração a um primo para que vendesse um imóvel de sua propriedade e sendo o primo apanhado pela Polícia Federal com R$ 32 mil em dinheiro. A mesma Veja fez 2 x 1 com o envio de US$ 50 mil de uma conta nos EUA, não declarada à Receita, para uma conta cujos titulares seriam doleiros paulistas. Ontem, IstoÉ conseguiu empatar com a compra de um terreno de 34 mil metros quadrados registrado pelo valor simbólico de R$ 0,01.

As respostas de Meirelles têm sido convincentes. Enquanto viveu na América pagou ali os impostos devidos; de volta ao Brasil, foi tributado pelo Leão.

Os reais em poder de seu primo se referiam a uma transação com um terreno em Piracicaba. E os US$ 50 mil saíram de uma conta aberta em agosto de 2002 e encerrada no mês seguinte, por isso não aparecem na sua declaração de bens em 2003, e foram para a conta indicada por um prestador de serviços, quando preparava a sua mudança para o Brasil, sem que nada soubesse sobre os seus titulares. (Não havia resposta para a última denúncia quando redigimos este editorial.) A defesa mais robusta do presidente do BC é também a mais singela. ‘Sou um homem rico. Cheguei a ganhar US$ 5 milhões em um ano’, argumenta. ‘Por que iria dar mutretas de R$ 32 mil ou fazer remessas ilegais via doleiros?’

Confrontando o que se tem levantado contra ele com as suas explicações – e com a colossal diferença de escala entre a sua fortuna de origem conhecida e as nebulosas irregularidades que lhe atribuem -, ninguém de boa-fé dirá que Meirelles é um sonegador. À luz dos fatos conhecidos, nem é tecnicamente correto dizer que as acusações a Meirelles são ‘muito graves’ (Agripino Maia, líder do PFL no Senado) nem, ainda menos, que ‘a autoridade dele já está corroída’ (Artur Virgílio, líder do PSDB no Senado).

É da natureza do linchamento moral que a vítima sucumba não às acusações, mas ao seu barulho. ‘Vai ser uma denúncia por dia’, antecipa Meirelles. Se isso acontecer, será uma vitória do jornalismo de tablóide e de uma oposição que aposta no quanto pior, melhor.’

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‘Alencar acredita que ele é vítima de denuncismo’, copyright O Estado de S. Paulo, 7/08/04

‘O vice-presidente José Alencar, disse ontem que prefere acreditar que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, ‘esteja sendo vítima do que se convencionou chamar de denuncismo’ e seja inocente. ‘Eu já disse que não adianta ficar especulando, pois a primeira pessoa que tem de dizer se isto tem fundamento ou não é ele próprio’, afirmou em Belo Horizonte.

As denúncias contra Meirelles também foram comentadas entre os 150 participantes do seminário 5 Anos de Metas para a Inflação, do BC, no Rio, mas poucos falaram publicamente. Um deles foi ex-presidente do BC Gustavo Franco, que acredita que será pequeno o impacto das denúncias na condução da política econômica do governo. Crises como esta, segundo ele, ‘vem e vão com muita velocidade.’

Integrantes do BC na gestão anterior à de Meirelles, Armínio Fraga e Ilan Goldfajn não quiseram comentar o caso, mas fizeram questão de elogiar os bons resultados da economia brasileira este ano. Fraga classificou como muito relevante a queda dos juros reais em 2,5 pontos porcentuais. Segundo ele, a economia brasileira atravessa um momento ‘que todos queriam ver’.

O diretor do Banco Itaú e ex-diretor do BC, Sergio Werlang, foi mais enfático na defesa de Meirelles. ‘Ele ganhou o dinheiro dele honestamente nos Estados Unidos.’

Ao ser indagado sobre o caso, o economista-chefe do banco americano Goldman Sachs, Paulo Leme, fez só um comentário. ‘Eu vim falar de inflation target (meta de inflação) e não de individual target’, disse, classificando as denúncias contra Meirelles como algo individual e não o alvo das discussões no seminário.’



Folha de S. Paulo

‘Lula defende Meirelles e ataca denuncismo’, copyright Folha de S. Paulo, 7/08/04

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu ontem em defesa do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que tem sido alvo de acusado de supostas irregularidades em suas movimentações financeiras.

O presidente criticou o que chamou de ‘denuncismo’ e afirmou que ‘o que nós estamos assistindo no Brasil há alguns anos são pessoas serem condenadas e massacradas por manchetes de jornais’.

Pela manhã, durante discurso para um grupo maior, o presidente já havia repetido o que havia dito na quarta-feira: que ‘picuinhas’ não iriam atrapalhar o processo de crescimento econômico que o país atingiu. Anteontem, o presidente atacou: ‘Se todos nós formos tomados desse desejo [de retomar a auto-estima] e dessa força interior, certamente, não haverá intriga, não haverá futrica, não haverá eleição que possa brecar, frear o desenvolvimento que este país precisa e deve ter’.

‘O denuncismo não ajuda ninguém neste país’, disse Lula ontem durante a reunião fechada com os empresários. Para o presidente, apesar das denúncias recorrentes, ‘passam 50 anos e não se prova um único erro da pessoa’. Segundo Lula, ‘o papel correto seria investigar, apurar. Quando tiver a denúncia concreta, a apuração concreta, manda prender o cidadão’.

Lula fez as críticas durante encontro fechado com empresários, em Belo Horizonte, em reunião à qual a imprensa não teve acesso. O objetivo do encontro, organizado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), era a apresentação, para os 27 presidentes das federações estaduais das indústrias, de um pacote de desoneração de impostos.

O trecho em que ele criticou as denúncias contra o presidente do BC foi registrado por cinegrafistas da Radiobrás, agência de notícias do governo e único meio de comunicação que teve acesso à sala de reunião. Fotógrafos e cinegrafistas de outros meios tiveram acesso ao local por apenas alguns minutos. Os repórteres não puderam entrar. Na reunião, estavam o vice-presidente José Alencar e os ministros que o acompanharam na viagem, entre eles, Antonio Palocci (Fazenda), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) e José Dirceu (Casa Civil).

José Alencar, após o final do encontro, disse que preferia não comentar as denúncias contra o presidente do BC. Ele argumentou que, como criticava muito a política de juros do Banco Central, seria inadequado fazer qualquer comentário a respeito do presidente da instituição.’