Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Artigo analisa a profissão jornalística

Leia abaixo os textos desta segunda-feira selecionados para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Segunda-feira, 24 de julho de 2006


PROFISSÃO REPÓRTER
João Sayad


As profissões: I- Os jornalistas


‘SEMPRE muito excitados, cabelo em desalinho, roupa amassada como se tivessem acabado de assistir à Queda da Bastilha e estivessem atrasados para cobrir o Grito da Independência.


‘E aí?’ é a primeira pergunta amigável, à espera de resposta dramática: o imperador disse que ‘fica’; ou Getúlio acabou de dar um tiro no coração. O cotidiano é insuficiente para encher as páginas diárias dos jornais.


Profissional, o jornalista tem missão sagrada – descobrir a verdade sob a hipótese que o entrevistado e a versão oficial são mentirosos. Usam duas estratégias diferentes. O repórter jovem e indignado faz perguntas ofensivas na coletiva:


‘É verdade que o senhor roubou?’ Se o entrevistado reagir ofendido, pergunta e resposta já bastam como notícia.


O jornalista experiente senta-se humilde e embevecido à frente do entrevistado: ‘Ministro, como é que o senhor virou ministro tão jovem?’. O ministro encontrou finalmente um ouvinte interessado, respeitoso e compreensivo. Abre o coração, fala de sucessos, fracassos e mágoas. Vira uma matéria espetacular cheia de furos e de intrigas que se tornam fatos políticos. Como todo profissional, o jornalista perde um pouco da sua humanidade.


Como os economistas, estão sempre indignados com o governo.


E o uso do dinheiro público, neste imenso país pobre, sempre é notícia: as despesas com sabonetes do palácio, o preço do vinho servido no banquete. A partir de Ralph Nader, empresas e consumidores também viraram notícia. Mas jornalismo é atividade pública desde a Revolução Francesa e das maldades inventadas sobre Maria Antonieta.


O jornalista é vítima de um sistema. Antes de sair, é pautado pelas notícias dos outros jornais, às vezes tão importantes quanto o que acontece de fato na rua. O quarto poder tem autonomia e vive, em parte, como função de si mesmo.


Não escapa daquilo que comanda todos os sistemas, o dinheiro. A notícia é uma mercadoria que, apesar da monotonia, tem de ser produzida todos os dias, como pão francês. No limite, sempre será possível publicar uma afirmação fora de contexto, fidedigna e falsa ao mesmo tempo, ou um escorregão psicanalítico do personagem.


Imprensa livre é a parte mais importante da democracia. Seus defeitos podem ser debitados, em parte, à triste realidade que desliza silenciosa e calmamente; nosso pendor para maledicência; e ao profissionalismo obrigado a fazer história onde a história parou. E, mais importante, ao debate eleitoral de poucas idéias e muitas intrigas.’


 


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


No ar


‘Na Folha Online de sexta, ‘Presidenciáveis colocam campanha na internet’. Lula entrou no ar na quinta e, ‘coincidência ou não’, Geraldo Alckmin surgiu um dia depois, meio às pressas.


O site do presidente, mais elaborado, vai na linha ‘Lula faz’, de Duda Mendonça, com chamadas como ‘Lula investe na duplicação da BR 101’. O do tucano segue a agenda com enunciados como ‘Para exportar mais, teremos que trabalhar direito, diz Geraldo’. No site, ele agora é só Geraldo.


Heloísa Helena não tem ainda, mas em resposta ela entrou com ‘santinho’ no site do PSOL. O curioso é que, em aparente reação ao HH, ela agora é só Heloísa.


GUERRA


Também na Folha Online, ‘precavido, o PT informa que, além de buscar votos, usará a web para combater a ‘guerra suja’ contra Lula’.


Era referência a um texto do dirigente Valter Pomar postado na página da legenda, também notícia na cobertura de mídia de UOL e iG.


No IDG Now, ‘PT convoca militantes na web’. Para um especialista, a rede ‘é arma importante pois é lá que está a maior rejeição a Lula’.


Sites como Vermelho e blogs como Grupo Beatrice reagiram bradando ‘todos à campanha’ etc. Note-se que Pomar, além de pedir ação com Messenger, Orkut, blogs, wikis, lançou um esquema de resposta à propaganda viral.


DERRAPOU


E Cesar Maia reclama da Rede Globo, que andou ‘no pé de Heloísa Helena, ao menos quinta e sexta-feira’.


Quinta, ‘o ‘Jornal Nacional’ derrapou’ ao observar que a senadora votou contra o Pró-Uni. Sexta, ao cobrar clareza quanto a gastos e inflação.


Sábado, parece, voltou ao normal. Mas ele deixou ‘uma sugestão à senadora’ para o ‘JN’ da semana:


– Trate do tema da ética. Há muitas formas de tratar -seja na crítica ao governo Lula, seja para mostrar que, mais do que dinheiro, o que falta é vergonha na cara… Com o tema da ética, o ‘JN’ não pode colocar aquele caco na voz do locutor, como fez, desqualificando sua opinião.


NA LINHA DE FRENTE


Na revista ‘Wired’, no jornal ‘Le Monde’, agora na agência Reuters -em toda parte se trata dos blogs que vêm postando em inglês do Líbano e de Israel, no que se anuncia como ‘a guerra mais blogada’.


O jornal francês e depois a agência britânica destacam que os blogueiros libaneses e israelenses ‘dialogam’ ou ‘conectam-se em meio à violência’.


A revista americana, que cobre mídia e tecnologia, é menos otimista e se concentra nos relatos pessoais dos horrores da invasão -em blogs como Manamania, Beirut News, Lebanese Political Journal e outros.


A coluna procurou mas não achou blogs em português.


A MAIOR MANIFESTAÇÃO


No blog de mídia de Tiago Dória, via The Raw Feed, a notícia de que houve este mês ‘o maior protesto on-line’ -e provavelmente o mais inovador.


No game The Fantasy of the Journey West, popular na China, um jogador notou a imagem da bandeira imperial do Japão na parede da prefeitura da cidade virtual de Jianye, recordou invasões passadas e espalhou. Um dia depois, 10 mil avatares apareceram para a manifestação diante do prédio e da bandeira.’


 




TELINHA
Daniel Castro


Falha do Ibope prejudica 37 canais pagos


‘Uma falha na medição do Ibope de audiência da TV paga está prejudicando desde abril 37 canais e favorecendo outros 24 _entre estes, todos os da Globo, como SporTV, Globo News, Telecines e Multishow. Entre os prejudicados estão Cartoon, Fox, HBO, Nickelodeon, Sony, TNT e Warner.


O erro só foi comunicado aos canais e agências de publicidade em circular no último dia 14, mais de três meses após ter sido detectado. E, apesar de prometer regularizar a medição apenas em 15 de agosto, o Ibope informa que os dados serão considerados oficiais, porque seus clientes assim preferiram.


A falha ocorreu na medição de audiência na Sky, operadora que serve 970 mil domicílios, quase um quarto do total de assinantes de todo o país.


A Sky inseria sinal na freqüência de cada canal que permitia aos medidores do Ibope, instalados em casas assinantes da operadora, identificar qual deles estava sendo sintonizado.


Em abril, segundo a circular, a Sky passou a veicular ‘diretamente do Brasil’ canais que antes eram ‘transmitidos internacionalmente’, deixando de irradiar os códigos que permitiam ao Ibope identificá-los.


Conseqüentemente, os 37 canais não estão tendo computadas suas audiências na Sky. ‘Assim, suas audiências estão subestimadas e, infelizmente, não há como dimensionar as perdas de cada emissora’, admite o Ibope na circular.


Já os demais 24 canais não tiveram seus códigos retirados dos sinais da Sky e não perderam audiência. Os canais prejudicados podem ter perdido posições no ranking do Ibope.


Na circular, a direção do Ibope culpa um supervisor, que não teria comunicado a seus superiores a falha na Sky.


O Ibope diz que já importou da Finlândia um lote de equipamentos que irá acabar com sua dependência dos códigos da Sky. Esses aparelhos devem estar instalados até 15 de agosto.


A Sky contradiz o Ibope. Diz que informou ao instituto, em outubro de 2005, que faria em maio (e não abril) as mudanças que afetaram os 37 canais, e que alertou sobre a necessidade de revisão da medição.


TCHAU, TCHAU 1 O SBT só esperou a Justiça decretar o arquivamento do processo criminal contra Gugu Liberato pela exibição de falsa entrevista com falsos membros do PCC para demitir, na semana passada, Maurício Nunes, ex-diretor do ‘Domingo Legal’.


TCHAU, TCHAU 2 Nunes assumiu o programa na semana anterior à exibição da ‘entrevista’, em setembro de 2003. Estava sem função no SBT desde o início do ano.


NEPOTISMO NA GLOBO Livian Aragão, 5 anos, filha de Renato Aragão, vai cantar no show do ‘Criança Esperança’, que a Globo transmite dia 5.


SEM CONTRATO Márcia Peltier deixou a Record Rio, onde apresentava jornal local, na semana passada.’


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O Globo


Segunda-feira, 24 de julho de 2006


ME POUPE
Lilian Fernandes


Como conviver pacificamente com seu dinheiro


‘Atormentado com sua conta bancária? Angustiado por não saber como aplicar aquele dinheirinho extra? De tanto ser abordado por amigos com problemas semelhantes, o economista Daniel Balaban pediu ajuda a dois produtores e concebeu ‘Me poupe’, série de 13 programas que estréia no GNT hoje, às 22h.


— Percebi que não havia nenhum programa que falasse de finanças de forma simples, que se referisse ao dia-a-dia das pessoas. Aí me juntei com o Pedro Cavalcante e a Mariana Palumbo para fazer um projeto e o apresentamos para o GNT — conta Balaban.


A cada edição, o paulista de 31 anos, que há sete trabalha no mercado financeiro, vai bancar o ‘ personal trainer econômico’ de uma pessoa comum. Enquanto procura ajudá-la a decidir se é melhor pagar primeiro o cheque especial ou o cartão de crédito, por exemplo, Balaban vai dando informações que interessam também ao telespectador que já não sabe o que fazer para esticar seu dinheiro e anda esquecido de quem é dono de quem, como diria o escritor francês Victor Hugo.


Humor e cinema para minimizar a aridez do tema


Os programas são temáticos. No primeiro, personalidades como o empresário Abílio Diniz, o cantor Tom Zé e o economista Eduardo Giannetti ajudam a discutir se dinheiro traz felicidade. Investimentos via internet e a melhor maneira de se livrar das dívidas são alguns dos próximos assuntos. A jornalista Sônia Racy, especializada em economia, é a âncora do ‘Me poupe’.


— Precisávamos de uma cara conhecida e a Sônia é um nome de peso — diz Daniel. — Ela não é mera apresentadora: pode trazer pesquisas, ler um conto ou mostrar cenas de filmes que tenham a ver com o tema do dia.


Já que o tom é informal, há espaço também para o humor. O ator Leonardo Cortez banca o ‘pechinchador’, cuja missão é obter o maior desconto possível em cada compra.’


 



FLIP
Bruno Porto


‘Escrever é quase improvável’


‘Um dos convidados da Festa Literária Internacional de Parati (Flip), que acontece entre 9 e 13 de agosto, Jonathan Safran Foer vem sendo saudado como o futuro das letras americanas por alguns críticos. O amanhã, no entanto, interessa pouco ao escritor de 29 anos, cujo segundo romance, ‘Extremamente alto & incrivelmente perto’ (Editora Rocco) já está à venda no Brasil. No seu badalado livro de estréia, ‘Tudo se ilumina’ (que virou o filme ‘Uma vida iluminada’), Foer refaz a trajetória de seu avô, um judeu que escapou da morte durante a Segunda Guerra. Em seu novo livro, ele investiga o passado da família de um menino espertíssimo, Oskar, que perdeu o pai nos atentados de 11 de setembro. ‘A memória tem a função de nos conectar com o mundo’, diz Foer — que desembarca na Flip com sua esposa, a também escritora Nicole Krauss — em entrevista ao GLOBO, por telefone, de Nova York.


Como surgiu ‘Extremamente alto & incrivelmente perto’?


JONATHAN SAFRAN FOER: Eu nunca tenho idéias fechadas, prontas. Meus livros não nascem assim. Eu escrevo, escrevo e escrevo. Um dia, em determinado ponto do processo, começo a ver uma imagem. O (poeta inglês) W.H. Auden disse uma vez que escrevia para descobrir o que ele pensava. Comigo o processo é parecido. No caso desse livro, foi a figura do Oskar que me apareceu. Escrever é uma coisa quase impossível, quase improvável. Você fica com uma história por três anos seguidos. Só ela e você e praticamente mais nada. Por isso, quando essa imagem aparece é inconfundível. Tem que ser algo que mantenha a sua paixão, a sua atenção. Você fica feliz quando encontra.


Geralmente, demora muito para essa imagem aparecer para você?


FOER: Às vezes, sim. E isso pode ser muito assustador. Quando você acha que não vai mais encontrar o caminho. Eu nunca mais vou escrever algo que importa, você pensa. Vou gastar milhares de páginas para nada. Quando o Oskar surgiu, não sabia nem se ele era um personagem. Eu estava trabalhando em várias coisas e comecei a trocar e-mails sobre o Oskar com os meus amigos. Eu queria dividir com eles. Foi quando pensei: o sentido de publicar não é justamente a vontade de dividir? Percebi que aquele era o caminho certo.


A memória tem um papel muito importante nos seus dois livros. Por quê?


FOER: Eu não sei. Se você estivesse me perguntando isso antes da publicação de ‘Extremamente alto’, eu diria que a memória era tão importante para mim quanto um monte de outras coisas. Mas vendo os dois livros, não há como negar que a memória tem um papel importante. Nós estamos vivendo um momento importante. Nossas memórias agora estão do lado de fora, e não do lado de dentro. Nós não lembramos dos telefones porque temos a agenda eletrônica. Não lembramos dos nossos compromissos pelo mesmo motivo. Não guardamos os fatos porque basta usar o Google. A memória tem a função de nos conectar com o mundo. E eu me importo com essa conexão. Além disso, a memória sempre foi muito importante na minha vida, pois algumas pessoas importantes da minha família morreram antes de eu nascer.


Muitos cineastas e romancistas vêm tratando dos atentados de 11 de setembro nos seus trabalhos. Alguns disseram que se viram obrigados a falar sobre o tema. O mesmo aconteceu com você?


FOER: Não acredite em quem diz que não poderia viver sem escrever. Essas pessoas não poderiam escrever se morassem no Líbano hoje. Isso é besteira. Eu opto por sentar e escrever. Quanto aos atentados, sempre tento me abrir ao inconsciente coletivo. Quando fiz isso, os atentados vieram naturalmente. Se fosse racional, acho que não falaria disso. Mas veio à superfície.


Oskar lembra as crianças e os adolescentes superdotados e atormentados de J.D. Salinger. Ele é uma de suas influências?


FOER: Sim e não. Eu não estava pensando em Holden Caufield quando Oskar surgiu. Mas ‘O apanhador no campo de centeio’ é um dos livros mais importantes dos Estados Unidos. Não é um dos meus preferidos, mas é possível que haja um pouco de Holden no Oskar.


Essa não vai ser a sua primeira vez no Brasil, certo?


FOER: Não, eu tenho família aí. Parte da minha família mora em São Paulo. Já estive no Brasil duas vezes.


O que você achou de São Paulo?


FOER: São Paulo tem uma combinação poderosa de coisas que você quer ver e outras que não quer. Nunca tinha visto pobreza como a das favelas de São Paulo.


É verdade que você amou o livro ‘Budapeste’, de Chico Buarque?


FOER: Eu amo. É um grande livro. Alguém me mandou pelo correio. Recebo muitas coisas assim. Bateu imediatamente. Vi que estava na presença de algo grande. Bastaram alguma páginas.


A revista ‘Time’ publicou uma reportagem dizendo que a geração atual não tem um porta-voz na literatura. Você concorda?


FOER: De uma certa maneira, isso é ridículo. Minha geração não poderia ter um porta-voz só. Nós somos diferentes etnicamente, culturalmente… As esperanças e os desejos, as paixões e os medos são distintos. Ninguém poderia dar conta de tudo. Acho gozado quando pedem que eu indique meu escritor preferido. É como perguntar qual é seu ingrediente favorito. Tem dias em que eu gosto disso. Em outros, de outra coisa. Eu cozinho tudo com alho, mas não é minha comida preferida.


É verdade que ‘Extremamente alto’ também vai virar filme?


FOER: Sei que alguém está escrevendo um roteiro, mas é algo alheio à minha vida. Vai ser legal se rolar sim. Tem gente que acha que cinema e literatura são duas coisas que não devem se misturar. Não concordo.


Como é morar com uma escritora? Vocês falam de literatura na hora do jantar?


FOER: Não, nós não costumamos falar sobre isso. É algo natural. Geralmente, estamos cansados desse assunto, de literatura. Morar com uma escritora tem suas vantagens, mas tem um lado negativo também.


Você sabia que existem sites dedicados a discutir ‘Tudo se ilumina’?


FOER: É sério? Não sabia. Não posso imaginar nada mais legal do que saber que as pessoas conversam sobre o que escrevo. Não me importa se falam bem ou mal. Significa que houve vínculo.’


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O Estado de S. Paulo


Segunda-feira, 24 de julho de 2006


INFORMAÇÃO
Sandra Cavalcanti


Jogue fora a peneira furada


‘A informação instantânea é a principal conquista de nossos tempos. Suas redes nos ligam online a enchentes, secas, vendavais, nevascas, terremotos, tsunamis e incêndios. Como se não bastassem as forças irracionais da natureza, fora de nosso alcance, somos capazes de produzir outras calamidades, dores e angústias. Ódios raciais, disputa por riquezas, diferenças ideológicas, brigas por mercados, lutas pelo poder e sabe Deus mais o quê! A tudo isso acrescentamos egoísmo, falta de caridade, ambições pequeninas e imensas vaidades, que nos impedem de viver em paz com os demais passageiros desta difícil viagem terrestre.


No Brasil, além das dificuldades sobre as quais não temos poderes, estamos vivendo a mais terrível frustração cívica de nossa História. Muitos brasileiros acham que só aqui, no Brasil, é que governantes, parlamentares e juízes são tão corruptos. Não penso assim. Eles não são o retrato fiel do nosso povo. Acho, isso sim, que a causa é bem outra. Nossas instituições é que não dispõem de legislação e estruturas capazes de impedir a ação das conhecidas fraquezas da condição humana. Nossa peneira está furada.


Não temos defesas legais bem montadas e eficientes. Sem uma reformulação dos sistemas partidário e eleitoral que coloque o cidadão eleitor no centro do poder na democracia representativa e crie condições que o defendam das fraquezas naturais da criatura humana, o atual sistema político continuará a ser uma peneira furada! O Brasil continuará fingindo que é uma Federação. A República continuará simulando que cuida dos interesses públicos. Os partidos continuarão desconhecendo que representam a vontade do eleitor. O atual processo eleitoral continuará dispensando a participação dos filiados. Os candidatos eleitos continuarão ignorando as decisões dos partidos. O Poder Executivo legislará ousadamente, diante da permissividade do Poder Legislativo. O Poder Judiciário, do alto de suas garantias, se esquecerá de dar pronto atendimento a seu verdadeiro patrão, o povo.


Cada eleição presidencial se transforma, como estamos vendo, num campo minado, difícil de atravessar. Desde aquela inesperada quartelada de novembro que Deodoro comandou, a transmissão democrática do poder quase sempre tem sido um pesadelo. Quantos golpes? Quantas revoluções? Quantas deposições? Quantas Constituições? Quantas ditaduras? No cenário deste drama, os eleitores, perdidos e sem poderes, servem apenas de pano de fundo. Como buscar a representação de sua vontade? Como influir de fato? Como reagir aos enganos e aos equívocos? De quatro em quatro anos, obrigado legalmente a votar, o eleitor sente-se cada vez mais longe dos candidatos e dos partidos. Acompanha tudo pelo rádio e pela TV. Nem às praças vai mais… Pode alguém se espantar com o que está acontecendo e com o triste final deste enredo?


Mantido o atual sistema eleitoral, nenhum ocupante do Planalto vai governar com o apoio seguro, solidário e fiel de uma bancada parlamentar. A cada votação importante vai ter de abrir a loja e negociar… E, se não o fizer, será atormentado por uma crise igual a dezenas de outras passadas. Vai ter de enfrentar os mesmos obstáculos que FHC e Lula enfrentaram. Vai prometer mudanças essenciais e só por milagre conseguirá fazê-las. Os partidos vão viver o mesmo vaivém de sempre, com gente que entra e gente que sai, carregando com eles a ilusão do pobre eleitor.


É doloroso dizer estas coisas, mas é a pura realidade. Enquanto o País não adotar o voto distrital, vai ser sempre assim. O partido não arregimentará pessoas de real valor, com biografias e comportamentos conhecidos de perto. Enquanto não houver fidelidade partidária, vai ser sempre assim. Mensalões, valeriodutos, caixa 2, sanguessugas, etc., etc. O candidato não dará satisfações, nem ao partido nem ao eleitor. Enquanto não houver regras duras e inflexíveis para o financiamento de campanhas, vai ser sempre assim. Os eleitos conquistarão seus mandatos graças a máquinas administrativas, generosos padrinhos que ganham concorrências ou apoio permanente de seitas, sindicatos e redes de mídia. Enquanto não for aplicada uma cláusula nítida fixando barreiras sobre o desempenho eleitoral de cada legenda, vamos suportar partidinhos, partidecos e partidões. Todos sobrevivendo à custa de coligações espúrias e das facilidades do voto proporcional.


Basta ver o que já está ocorrendo. Réus confessos do mensalão figuram nas listas de candidatos de vários partidos, de forma acintosa. A despudorada entrega dos Correios a uma parte do PMDB é o melhor exemplo desta peneira furada. Parece que cresceu a indiferença moral do povo brasileiro. Pesquisas realizadas por especialistas de TV, que analisaram a reação do público diante de recente novela, detectaram um grau elevado de complacência em relação a crimes e infrações. Mesmo sabendo que se tratava de uma novela absolutamente dissolvente em matéria de costumes, o resultado é amedrontador !


Diante de tudo isso, o eleitor tem o direito de perguntar: será que há jeito para consertar esta situação? Há, sim. Uma reforma política, corajosa e verdadeira, que ponha o eleitor em primeiro lugar. Ou seja, que jogue fora a peneira furada.


Enquanto as novas leis não chegam, troque-a você mesmo. Use seus critérios éticos. Seja lúcido e exigente. Estabeleça as condições para delegar o seu voto. Sem o compromisso de fazer a reforma política, tudo o mais que os partidos e candidatos disserem é blablablá. Não é a favor do voto distrital? Não luta pela cláusula de desempenho das legendas? Não exige a fidelidade partidária? Não se empenha por um financiamento público e transparente das campanhas? Não merece o seu voto! Comece a reforma. Use a sua peneira nova!


Sandra Cavalcanti, professora, jornalista, foi deputada federal constituinte, secretária de Serviços Sociais no governo Carlos Lacerda, fundou e presidiu o BNH’


 



GIANFRANCESCO GUARNIERI
Flávia Guerra


Homenagem na despedida de Guarnieri


‘‘Zambi, meu pai. Zambi, meu rei. Última prece que rezou. Foi da beleza de viver … Meu rei guerreiro diz adeus…Zambi morreu… Se foi, mas vai voltar… Em cada negrinho que chorar.’


Gianfrancesco Guarnieri morreu, mas vai voltar toda vez que o brasileiro humilde e lutador for representado num palco. Esta sensação, de continuidade da obra de um dos maiores nomes do teatro brasileiro, marcou ontem o enterro do ator e dramaturgo, no Cemitério Jardim da Serra, em Mairiporã. Morto no sábado, aos 71 anos, em decorrência de uma insuficiência renal crônica, Guarnieri foi homenageado pelos cerca de cem amigos, familiares e fãs presentes, que entoaram a canção acima, A Morte de Zambi, da peça Arena Conta Zumbi.


A obra foi uma das mais importantes da carreira de Guarnieri, ao lado de Eles não Usam Black-Tie. ‘Ele foi o primeiro a colocar a realidade do Brasil em cena’, disse o ator Sérgio Mamberti. ‘Guarnieri foi responsável por uma nova dramaturgia brasileira. Me orgulho muito dele, que costumava dizer que eu era mais parecido com ele que os próprios filhos’, afirmou o ator Everton de Castro.


O presidente Lula, mesmo distante, declarou: ‘Nos últimos dias perdemos duas pessoas importantes para a cultura brasileira: Raul Cortez e, sábado, o Guarnieri. Não vou pedir um minuto de silêncio porque certamente eles não gostariam. Se a gente pudesse pedir um minuto de bagunça ficaria melhor com o que representavam esses dois monstros sagrados da cultura brasileira.’


Bagunça não houve. Mas a cantoria emocionou. Puxada pela cantora e atriz Marília Medalha, que atuou em Arena Conta Zumbi, a canção foi o grito de guerra de uma geração que lutou para se fazer ouvir. ‘Ele mudou a forma de se fazer teatro no Brasil. Mesmo sendo italiano, soube captar e expressar muito bem a essência do brasileiro’, declarou o governador Cláudio Lembo.


Ao velório, no Hospital Sírio-Libanês, onde Guarnieri estava internado desde o início de junho, também compareceram Antônio Fagundes, Eva Wilma e Renato Consorte, entre outros colegas.


‘Ele foi homenageado e recompensado em vida pelo que fez. Ele sempre fazia questão de dizer que iria partir com a contabilidade zerada, pois havia sido tratado com muito carinho e consideração’, disse Vanya Sant’Anna, mulher de Guarnieri há 41 anos, com quem teve três filhos: Cláudio, Fernando e Mariana. Eles, ao lado dos irmãos Paulo e Flávio, fruto da união de Guarnieri com Cecília Thompson, esperaram a noite cair para se despedir do pai, enterrado numa colina.’


 



IMAGEM DIGITAL
Renato Cruz


TV prepara canais de alta definição


‘Em um ano, a TV aberta irá se tornar digital. A TV paga, que já é digital há algum tempo, se prepara para a mudança, reforçando a interatividade e preparando canais em alta definição. Mudanças que até agora foram tímidas devem se tornar mais evidentes para o consumidor. ‘O efeito não é imediato devido ao período necessário para a efetiva implantação das transmissões digitais em escala nacional e, também, o acesso deste público aos equipamentos de recepção’, afirmou Cláudio Zylberman, diretor de Engenharia da DirecTV. O impacto da digitalização das emissoras abertas na TV paga é um dos temas que serão discutidos no evento ABTA 2006, que acontece de 1º a 3 de agosto em São Paulo.


A Net, maior empresa de televisão por assinatura do País, começa a oferecer mais serviços interativos e prepara a alta definição para daqui um ano. No Campeonato Brasileiro de Futebol, o espectador com sistema digital pode consultar a tabela completa dos jogos das séries A e B, atualizada a cada rodada, a classificação dos times e os canais onde os jogos são transmitidos. A empresa já havia oferecido informações deste tipo durante o Big Brother Brasil, o Carnaval e a Copa. O cliente da Net que não assina o pacote de futebol pode comprar os jogos do campeonato um a um, pelo controle remoto.


‘Nosso esforço já começou antes da TV aberta, em novembro de 2004’, disse Márcio Carvalho, diretor de Produtos e Serviços da Net. ‘Desde essa época oferecemos aos espectador grande parte dos benefícios que ele terá com a digitalização da TV aberta.’ Presente em 42 cidades, a Net é digital em São Paulo, no Rio de Janeiro e Porto Alegre. A próxima será Belo Horizonte, ainda este ano. Outras empresas de cabo se digitalizam e a DirecTV e a Sky, via satélite, são digitais desde a sua criação.


O espectador da Net tem acesso a guias de programação. ‘Quando liga o televisor, cai num portal’, apontou Carvalho. ‘Ele pode colocar as imagens de 12 canais em uma só tela e ativar o áudio de cada um deles pelo controle remoto.’ A concorrente TVA, em parceria com o Grupo Bandeirantes, transmitiu os jogos da Copa em alta definição, onde a imagem é formada por 1.080 linhas, no lugar de 480 linhas da TV analógica, o que garante uma qualidade muito maior. A Net não teve alta definição, mas apresentou os jogos em widescreen, formato mais largo, parecido com o de cinema, e som surround 5.1, com seis canais, no lugar dos dois do estéreo.


Apesar da experiência durante a Copa, a TV paga ainda não tem transmissões regulares em alta definição, característica em que as grandes emissoras abertas estão mais apostando. ‘Teremos até o segundo semestre de 2007’, afirmou o diretor da Net, empresa das Organizações Globo. ‘A tecnologia está pronta, mas é preciso evoluir o modelo de negócios com a programadora e contratar recursos de satélite.’ A empresa de TV paga recebe o sinal da programadora via satélite. A digitalização comprime os sinais. Onde passava um canal analógico cabem até 10 canais digitais, com definição padrão, como a analógica. Um canal digital em alta definição, no entanto, pode ocupar mais capacidade de rede que um canal analógico. ‘É o próprio mercado que vai nos sinalizar o momento ideal para a inclusão’, disse Zylberman, da DirecTV.


Uma questão a ser definida na TV aberta é a multiprogramação. As emissoras poderão transmitir vários programas ao mesmo tempo em um só canal, mas grandes redes – como a Globo e o SBT – não acham isso interessante. Para elas, a multiprogramação acabaria fragmentando a audiência, aumentando os custos de produção e exigindo um esforço maior na captação de anunciantes. Com a tecnologia MPEG-2, seria possível transmitir quatro programas em definição padrão ao mesmo tempo. Com o MPEG-4, oito programas em definição padrão ou dois em alta. O governo ainda não regulamentou a questão.


‘Não está claro se o must carry contempla só o canal principal ou os acessórios também’, afirmou Alexandre Annenberg, diretor-executivo da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA). O must carry são canais que as empresas de cabo são obrigadas a transmitir, o que inclui os canais abertos. ‘Não existe mais espaço para canais adicionais’, afirmou Carvalho, da Net.’


 



POLÊMICA NA TV
Keila Jimenez


Beijo gay na Record


‘O tão polêmico beijo gay vetado pela Globo em América pode sair em uma novela da Record. A emissora do bispo Edir Macedo até agora não se posicionou contra – nem a favor – de um possível enlace homossexual em Cidadão Brasileiro, trama de Lauro César Muniz na rede.


No folhetim, os personagens Nilo (Tiago Chagas) e Aguinaldo (Gustavo Haddad) vivem um romance com jeitão de Brokeback Mountain, cercado de preconceito, em uma sociedade dos anos 50, época em que se passa a novela.


‘Só farei cena do beijo se os personagens chegarem a um nível de envolvimento que o beijo possa marcar um momento forte de libertação’, fala o autor da novela, Lauro César Muniz. ‘Para ser exibido com intenção de sensacionalismo não vai acontecer’, completa. ‘Não recebi nenhuma recomendação da Record com relação ao tema homossexualismo, nem com relação a qualquer tipo de abordagem’, garante.


Segundo o autor, curiosamente esse romance não estava previsto na sinopse original da novela e surgiu de uma dificuldade do ator Thiago Chagas em fazer o personagem de forma mais viril.’


 




ABTA
Cristina Padiglione


Quebra de monopólio guia encontro


‘A quebra de exclusividade motivada pelo futebol até aqui jogado sob as regras da Globo, a entrada de empresas de telefonia no mercado, além da eterna convergência são os pontos que guiam a ABTA 2006, encontro da Associação Brasileira de TV por Assinatura. No quesito programação, estão confirmadas as presenças de Elton Simões, diretor dos canais Premium da Globosat, Zico Góis, diretor de programação da MTV, Wilson Cunha, diretor-geral do Multishow, e Gustavo Leme, gerente-geral dos canais Fox. De 1º a 3, no ITM Expo.’


 




TV ROCK
O Estado de S. Paulo


Emissora de TV online é dedicada ao rock


‘A TV Rock, cujo site é www.tvrock.com.br, promete transmitir ao vivo uma programação exclusivamente dedicada às várias vertentes do rock. Além disso, os visitantes do site também poderão ler notícias, acessar uma sala de bate-papo e interagir num fórum de discussões online sobre rock, participar de promoções, ouvir trechos de novas músicas e acessar um arquivo de vídeo com os programas que já foram ao ar.’


 




NOTÍCIA VELHA
Noam Cohen


Notícias têm ‘vida útil’ mais longa na internet


‘THE NEW YORK TIMES – Acaba de sair uma pesquisa que busca responder a um grande enigma do jornalismo: quando é que uma notícia fica velha? As notícias publicadas na internet têm ‘meia-vida útil’ surpreendentemente longa – em média, 36 horas. A pesquisa se chama The Dynamics of Information Access on the Web (A Dinâmica do Acesso às Informações na Web) e foi publicada na edição de junho da Physical Review E, a revista da Sociedade Americana de Física.


Mais precisamente, 36 horas é o tempo que metade de todos os leitores de um artigo demoram para acessá-lo, concluiu a pesquisa. O físico que comandou o levantamento, Alberto-László Barabási, da Universidade de Notre Dame, disse que a conclusão deve dar esperança aos jornalistas. Os pesquisadores esperavam uma vida útil muito mais curta, de 2 a 4 horas.


Os editores de sites noticiosos disseram que os resultados confirmam a experiência diária deles. ‘É impressionante constatar como os leitores encontram o caminho para aquilo que lhes interessa’, disse Jennifer Sizemore, editora-executiva do portal MSNBC.com.


‘É claro que as reportagens de maior destaque sempre são muito acessadas. Mas, às vezes, a penúltima manchete, situada quase no fim da página, não fica muito atrás. E há casos de reportagens especiais que atraem um forte tráfego durante uma semana ou mais. Mesmo que não estejam mais apresentadas na primeira página, são proeminentes dentro do site.’


Neil F. Budde, gerente-geral do Yahoo! News, disse que seu site precisa equilibrar três pontos de vista conflitantes. De um lado, ficam os visitantes mais assíduos, que se entediam com notícias antigas. De outro, os visitantes menos assíduos, que não sabem o que aconteceu nas últimas horas ou mesmo nos últimos dias. No meio, o editor e seu discernimento jornalístico.


‘O ideal seria que nós soubéssemos quando foi a última vez em que você esteve no nosso site. E, a cada nova visita, mostrássemos uma seleção de notícias personalizada, diferente daquela que as outras pessoas estão vendo’, disse Budde.


Segundo o dr. Barabási, uma das principais descobertas da pesquisa é que os internautas não lêem as notícias conforme elas vão entrando no ar, ao longo do dia.


As pessoas têm impulsos de leitura, nos quais acessam vários textos de uma vez só.


Quer dizer: enquanto uma determinada reportagem parecerá velha para alguns usuários, outras pessoas, que estiveram afastadas da internet por algum tempo, ficarão curiosas para ler o noticiário.


A pesquisa teve por base um mês de acompanhamento de cada clicada de cada visitante num importante site húngaro de notícias e entretenimento, origo.hu. Para proteger a privacidade dos cerca de 250 mil visitantes ao site, os pesquisadores trabalharam com números – eles não identificaram o endereço de internet dos visitantes.


‘O que descobrimos quando analisamos um indivíduo em particular é que não há uma uniformidade em questão de tempo’, disse o dr. Barabási. ‘Há curtos períodos de muitos cliques e depois longos períodos sem visitas.’


Isso é considerado o motivo pelo qual o ritmo da leitura de uma notícia não despenca vertiginosamente – ele vai declinando aos poucos.’


 



BLOGOSFERA
Pedro Doria


Crise no Líbano, via blogs


‘Acusa-se a imprensa de muita coisa. De tender a ser pró-Israel, por exemplo. E é verdade – ao menos, no sentido de que quase toda a imprensa ocidental é a favor da existência do Estado de Israel. E também do Palestino. Mas essa visão um quê paranóica do comportamento da imprensa quando acontece uma crise séria, como essa entre Líbano e Israel, tem lá seus fundamentos.


O motivo mais básico não tem nada a ver com preferências pessoais ou sionismos tardios: é que há um problema de língua. É muito difícil encontrar um bom jornal de país árabe em inglês. Já em Israel, via internet, há pelo menos três. O grande jornalão do país, Yedioth Ahronoth; o Jerusalem Post e o bom Ha’aretz, que tem uma tendência à esquerda. Os três são jornais com edições completas todos os dias e abertos ao mundo. Por outro lado, a imprensa árabe em inglês ou é pesadamente ideológica ou ruim ou por demais resumida.


Então muito do que vai parar nas páginas dos principais jornais, fora uma coisa ou outra produzida por seus correspondentes, é material colhido de agências e desses dois ou três jornais.


Como muitos correspondentes, mesmo lá, acabam recorrendo a essa mesma imprensa em inglês por não dominarem hebraico ou árabe; como muitas das agências produzem material também colhido destes jornais, há sim um certo desequilíbrio entre o ponto de vista israelense e o árabe.


Há alguns dias, o New York Times divulgou que o aiatolá Ali al-Sistani, principal líder xiita do Iraque, ainda não havia comentado nada sobre o conflito. ‘Não é incrível que eles publiquem isso mais de três dias após Sistani ter condenado publicamente Israel?’, se pergunta As’ad, do blog angryarab.blogspot.com.


Sistani usou o truque celebrizado pelo falecido líder palestino Yasser Arafat. Diga à imprensa internacional, falando francês ou inglês, o que você quer que seja ouvido no exterior; e diga em árabe o que você quer que seu povo ouça. É macete demagógico, mas por ali funciona sempre.


Há um antídoto, evidentemente: blogs. A blogosfera libanesa não é particularmente ativa como a israelense ou mesmo que a iraniana, mas há assunto para se fartar. É sempre bom lembrar que, quase sempre, a diferença entre um blog e um jornal é muito grande. Um jornal na tradição ocidental se pretende isento – ou, ao menos, costuma se esforçar neste sentido. Blogs – e há exceções – tratam de opiniões pessoais.


Isso, no entanto, é particularmente valioso. É a voz das ruas, o tipo de coisa que político experiente está sempre ouvindo. Presta atenção no que o povo diz, molda seu discurso a partir daí.


Gente por todo o Líbano está levando bomba na cabeça. Israel tem justificativa legal – seu país foi invadido por um partido da coalizão de governo, soldados foram seqüestrados. Mas a questão pragmática é: isso faz com que os libaneses tenham raiva do Hezbollah ou que se ponha ao seu lado?


‘Por que deveríamos confiar nos israelenses e não apoiar o Hezbollah?’ se pergunta o blogueiro anônimo de meastpolitics.wordpress.com. ‘Como alguém pode esperar que confiemos num país que bombardeou nossa gente, destruiu nossa nação, tudo sob o pretexto de desarmar o Hezbollah?’


Não é preciso concordar com seu ponto de vista. Mas tome-se beirutlemons.com, urshalim.blogspot.com – pegue um blogueiro libanês e, bem, mesmo os mais razoáveis já começam a simpatizar com o Hezbolá. Blogs não são, ao menos ainda, a melhor forma de nos informarmos sobre algo que acontece no mundo. No entanto, vale a pena tirar por alguns minutos os olhos da tevê ou das páginas de jornais e revistas para fuçar o que diz a gente que escreve na rede e mora no Líbano.


É a melhor forma que há de conhecer outro ponto de vista. Mesmo que seja para discordar depois.’


 



Ricardo Anderaos


Petite anglaise


‘O telefone tocou na mesa da secretária Catherine. O visor mostrava o ramal de seu chefe. Quando atendeu, ele falou de maneira seca: ‘Venha à minha sala, por favor.’ Seu tom de voz autoritário normalmente deixava a moça nervosa. Mas daquela vez ele parecia particularmente estranho.


Quando Catherine entrou na sala, ele fechou rapidamente a porta atrás dela e disparou: ‘Lamento dizer que a chamei aqui para comunicar que você está demitida. O motivo é o seu site na internet.’


‘Ele descobriu o petite anglaise! Mas como?’, pensou a moça. Afinal, o blog que ela mantém no endereço www.petiteanglaise.com nunca usou nomes reais ou fez referências explícitas à empresa de contabilidade Dixon Wilson, na qual ela trabalhava em Paris. Sem contar que a maioria das notas era dedicada ao seu relacionamento com ‘Mr Frog’, pai de sua filhinha de três anos de idade. As referências ao trabalho eram ocasionais.


‘Mas… eu nunca falei do trabalho…’, balbuciou. ‘Ao contrário, você falou muito de seu trabalho na minha opinião. E ao fazer isso comprometeu a reputação da empresa. Sem contar que tenho sérios motivos para acreditar que você atualizava seu blog durante o horário de trabalho’, respondeu o chefe.


Ele pediu que ela assinasse uma carta de demissão e fosse embora imediatamente. Mas como a empresa alegou demissão por justa causa, Catherine entrou com um processo contra seus empregadores. O caso ganhou repercussão e chegou às páginas dos jornais franceses e ingleses.


O caso de Catherine não é a primeira nem tampouco a mais famosa história de demissão causada por um blog. A aeromoça Ellen Simonetti, da Delta Air Lines, que mantém o blog Queen of the Sky no endereço http://queenofsky.journalspace.com, foi demitida depois de colocar nessa página fotos em poses levemente sexies vestindo o uniforme da empresa.


Semana passada foi divulgada uma pesquisa de abrangência nacional realizada nos EUA pela Pew Internet & American Life Project. A conclusão é que a maioria dos blogs descreve experiências pessoais para uma pequena audiência. Menos de um terço dos blogueiros vê a atividade como uma forma de jornalismo. E uma proporção ainda menor se decida a cobrir assuntos específicos, como tecnologia ou política.


Somente nos EUA, 12 milhões de adultos mantêm blogs. Mas, se a maioria é escrita para públicos bem restritos, no conjunto essas páginas têm uma enorme audiência: a pesquisa mostra que 57 milhões de norte-americanos acessam blogs regularmente. Cerca de 84% definem seus blogs como um hobby, ‘alguma coisa que eu simplesmente faço, sem dedicar muito tempo a isso’. Mais da metade dos blogueiros usa pseudônimo no lugar do próprio nome.


Num artigo sobre a ‘petite anglaise’, a agência de notícias da BBC destaca algumas regras para os blogueiros evitarem dores de cabeça. Como a recomendação para não confiar num pseudônimo para manter a privacidade, ter consciência de que o que escreve pode ser usado para difamá-lo e respeitar os direitos autorais. Por último, mas não menos importante, evitar piadas que possam embasar uma ação penal de assédio sexual ou preconceito racial.’


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