Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Bia Abramo

‘É só começar algum megaevento esportivo, como a Copa do Mundo ou as Olimpíadas, que o nacionalismo esportivo aflora com uma facilidade incrível -e instantânea.

De uma hora para outra, nos pegamos diante da TV torcendo irracionalmente a favor dos ‘brasileirinhos’, a maioria dos quais completos desconhecidos até anteontem, nada, até um segundo antes de começar a transmissão da prova de judô, de hipismo, de remo etc. Cada rosto, cada gesto dos ‘nossos’ carrega-se de significação, torna-se o embate de nós contra eles, quaisquer que sejam esses eles.

É, entretanto, um nacionalismo meio de araque, esse que se ancora nas esperanças do esporte. É eterno, forte e belo enquanto dura uma partida ou uma prova. Oscila tanto quanto o placar de um jogo de vôlei ou de basquete. Funda-se nas imagens e numa enviesada identificação que temos com as caras, os nomes, os sotaques de ‘nossos’ representantes nas quadras, piscinas, tatames, campos e pistas.

Não tem a ver com orgulho do presente e a glória do passado no sentido, por exemplo, mais militar que o nacionalismo norte-americano assume -e que, na abertura destes Jogos Olímpicos, foi diplomaticamente contido. Ou com uma afirmação celebratória dos valores de um povo em contraste com o patriotismo oficial e pesado do Estado que não o representa, como já foi à época da ditadura.

Não, aqui e agora, o nacionalismo é mote publicitário, um ‘frissson’ provocado pela exposição maciça do verde-amarelo que toma conta do espaço televisual nesse período.

Trata-se de uma impostura, claro, que tem no telejornalismo esportivo um de seus principais pilares. Parece que a missão do telejornalismo é botar o telespectador para torcer irracional e histericamente.

Os narradores de jogos falam aos berros, forçam o olhar do espectador aos acertos ou à suposta superioridade dos brasileiros e inventam expressões pouco generosas para desqualificar o adversário sem a menor preocupação de manter algum tipo de imparcialidade -e isso tanto em jogos mais populares de fato quanto em provas mais obscuras, como tênis de mesa.

Certo, esporte na TV é entretenimento e entretenimento supõe uma dose de emoção previsível e calculada, mas esse esforço em extrair toda a vibração nacionalista do espectador a qualquer custo parece estar um passo além disso.

É como se o jornalismo esportivo se sentisse na obrigação de encenar, toda vez, uma farsa bem barulhenta e colorida para encobrir o vazio em que se transformou a idéia de país e de comunidade nacional.

Temos que desejar com intensidade febril que aqueles brasileiros que são, parafraseando o slogan oficial, o melhor do Brasil vençam, triunfem para que o Brasil não desapareça.’



Marcelo Russio

‘Camarão é a mãe!’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 16/08/08

‘Olá, amigos. A cobertura do primeiro fim de semana de Olimpíada teve algumas pérolas dos atletas-comentaristas contratados pelas emissoras de TV abertas e pagas para discorrerem sobre os nossos atletas em Atenas, e também sobre seus respectivos esportes em disputa.

De cara, a comentarista de judô da Band, Christiane Parmegiano, comentando uma luta entre um camaronês e um iraniano, referiu-se ao lutador africano, obviamente natural da República de Camarões, como ‘camarão’. Era um tal de ‘o camarão fez isso, o camarão fez aquilo…’ Constrangedor. Ou, como diria o seu Bertoldo Brecha, da Escolinha do Profesor Raimundo, ‘Camarão é a mãe!!’.

Em seguida, na luta entre o brasileiro Alexandre Lee e o armênio Armen Nazarian, tanto Christiane Parmegiano como Luís Roberto, da Globo, insistiram em referir-se ao adversário do brasileiro como o ‘armeno’, quando o gentílico de quem nasce na Armênia é ‘armênio’.

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Sílvio Luiz, da Band e da Bandsports, segue sendo o destaque entre os narradores do futebol. Com seu tradicional bom-humor e estilo inconfundíveis, ele diverte quem acompanha suas transmissões. Mais do que informar, o locutor retém a audiência, prática que vale ouro na disputa entre as emissoras de TV que transmitem os Jogos para o Brasil.

Não importa que Sílvio torça, grite, se esbalde em seus bordões. Ele faz a diferença em uma cobertura de futebol. A torcida, podem escrever, adora.

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Excelente as transmissões da abertura da Olimpíada por todas as emissoras. Tirando alguns excessos de Glória Maria, da Globo, que a todo momento dava tiradas que pouco tinham a ver com a cerimônia, como despedir-se dizendo uma expressão em grego sem explicar o que era, ou salientando a presença das mulheres à frente da delegação brasileira, sem saber que esta era a formação tradicional, os locutores e comentaristas fizeram um belo trabalho, deixando o brilho para as imagens e para as surpresas preparadas pelo comitê organizador da Olimpíada.

Destaque positivo para a estrutura da Globo que, com uma câmera exclusiva, conseguiu acompanhar por mais tempo a entrada dos atletas brasileiros. E, de quebra, fez contato com vários deles por celular, ao vivo, direto do estádio olímpico. Foi um diferencial interessante.

Por falar no contato com atletas, a Globo também trouxe imagens de seus comentaristas direto do estádio olímpico de Atenas. Róbson Caetano e Leila eram a dupla mais afetada. Agradecimentos, gritos de deslumbramento com a festa e comentários do tipo ‘Cara, é muita emoção. Não dá para descrever. O mundo podia acabar agora’ foram, no mínimo, digamos, descabidos e fora de contexto. Já Tande e Ricardo Prado foram mais contidos, como convém.

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Enquanto Tande comentou com desenvoltura a partida entre Cuba e Alemanha pelo vôlei feminino, Leila deu um show de insegurança, gaguejando muito nos comentários e parecendo assustada por estar ao lado de Galvão Bueno na transmissão. Não se espera de nenhum deles o desempenho de um jornalista acostumado a transmissões ao vivo de grandes eventos, mas Leila foi bem abaixo do que se esperava. Comentários como ‘Walewska é 1,90m de mulher’ foram totalmente dispensáveis.

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Álvaro José, da Band e Bandsports, tem boa memória, tem experiência, conhecimento de esportes e é um competente e preparado jornalista esportivo. Mas anda exagerando na tentativa de mostrar que tem memória e conhecimento esportivo. Durante a natação, ele citou pelo menos três vezes o húngaro Damas Darnyi como marco de uma era na natação (em tempo: Darnyi foi um excepcional nadador, mas não chegou a marcar época no esporte). Menos, Alvinho, menos…

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Galvão Bueno cometeu algumas gafes. Diversas vezes chamou a judoca Vânia Ishii de Sandra Ishii, perdeu-se na contagem de países que desfilavam na cerimônia de abertura dos Jogos e, mantendo a tendência de dizer que está ‘nesse negócio há mais de 30 anos’, comentou que ‘em mais de 35 anos de profissão, essa é a coisa mais bonita que eu já vi’, referindo-se à beleza da cerimônia grega.

Semana que vem, com certeza, Galvão verá novamente a coisa mais bonita que já lhe apareceu à frente. De novo.

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Por fim, destaque absoluto para Marcos Uchôa, que mostrou, pela enésima vez, que é o melhor repórter da TV Globo atualmente. Preparado, bem informado e culto, ele abrilhantou a cobertura da cerimônia de abertura, como vem fazendo desde a abertura dos trabalhos globais em Atenas. Dando informações políticas e culturais sobre os países que desfilavam, traduzindo os discursos do presidente do COB e da presidente do comitê organizador em várias línguas, e explicando detalhes da cerimônia, Uchôa foi nota 1000.’



GV E A IMPRENSA
Xico Vargas

‘Vulgares e desonestos’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 23/08/04

‘Entre os eventos que marcam o cinqüentenário da morte de Getúlio Vargas um modesto livrinho presta valioso serviço num momento em que governo e imprensa, jornalistas e políticos terçam frases em busca de definições e limites sobre os papéis de cada um no Brasil. Getúlio Vargas e a imprensa, 10º. Volume da Série Memória dos Cadernos da Comunicação, é preciosa janela para a observação do quanto, em seu período de maior riqueza de títulos, a maioria dos principais jornais brasileiros desenvolveu com a política uma relação vulgar e desonesta.

‘Considero a imprensa o maior elemento de colaboração para um bom governo. Estou convencido de que a minha administração será sempre auxiliada pela imprensa com a máxima lealdade’, disse Vargas ao assumir o governo provisório, em novembro de 1930. O que quer que entendesse por ‘máxima lealdade’ perdeu-se no curso dos anos em que, ditador ou presidente, governou o país. ‘O Vargas ditador pressentiu a força da imprensa e a calou’, informa o historiador Ivan Alves Filho na abertura do livro.

O reflexo de uma relação viciada surge logo adiante, quando Alves Filho relata que, no segundo governo Vargas, a liberdade de imprensa ‘era quase total, chegando às vezes a ser mesmo desrespeitosa’. O adjetivo é cândido para definir as mentiras e o jogo de pressões que misturava troca de favores com dinheiro vivo e créditos em bancos oficiais. É disso que tratam as 116 páginas do livro. Ali se percebe o peso do Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP, criado no Estado Novo e dirigido pelo jornalista Lourival Fontes. Numa ponta, o DIP ceifava notícias e distribuía ordens de censura aos jornais. Na outra, disputava com o ministério da Educação o controle sobre a produção cultural no país. Mais ou menos as mesmas turras que vivem hoje a secretaria de Comunicação do governo Lula e o ministério da Cultura de Gilberto Gil. Sem a censura, claro.

Nomes hoje reverenciados como intelectuais da mais alta linhagem perfilaram-se nas páginas de A Manhã, o jornal criado para abanar as brasas do Estado Novo. Não há registro de que se tenha algum ilustre queixado da ausência do estado de direito. Faltava democracia? Dane-se. Às favas os escrúpulos, como diria três décadas depois Jarbas Passarinho, na reunião que chancelou o AI-5 da ditadura militar. Na imprensa, a rebeldia mais evidente em relação ao métodos do DIP foi do jornal O Estado de S. Paulo. Pagou com a circulação. Em março de 1940 a redação foi invadida, os donos afastados do comando e o jornal saiu de cena. Voltou pouco depois, sob intervenção que durou até o final do Estado Novo.

Não há em Getúlio Vargas e a imprensa textos inéditos, à exceção de alguns artigos produzidos especialmente. Mas suas páginas reúnem pesquisa tão rica e organizada que facilita a tarefa de identificar em que pontos convergem os interesses políticos e econômicos de governantes e empresários da época. A figura de Assis Chateaubriand emerge do livro como retratada nas obras de Fernando Morais e Glauco Carneiro. A ânsia de incorporar o Diário de Notícias, de Porto Alegre, aproximou Chateaubriand do ditador iniciando um relacionamento que oscilava entre o amor e o ódio, o elogio rasgado seguido da acusação mais sórdida. O amor era geralmente regado a generosos créditos em bancos oficiais.

Não havia segredo, no segundo governo Vargas, sobre a origem dos recursos que deram à luz o jornal Última Hora, de Samuel Wainer. As burras do Tesouro estavam sempre abertas, através do Banco do Brasil, para financiar elogios ou socorrer maus empresários encalacrados e sujeitá-los aos interesses do governo. A reprodução de um comentário de Lourival Fontes, o diretor do DIP, registrado nas Memórias do brigadeiro Nero Moura, então ministro da Aeronáutica, é um exemplo bizarro dessa prática:

‘(…)Quando se iniciou a campanha do Lacerda contra o presidente Vargas, contra a Última Hora, o Lourival Fontes, numa conversa que tivemos, disse: ‘Veja como são as coisas, Nero. Lacerda pediu cinco milhões emprestados ao Banco do Brasil – era uma quantia considerável – porque está enforcado com o jornal, perdendo muito dinheiro. Falei com o presidente, sugerindo que concordasse com o empréstimo, porque assim manteríamos o homem preso ao governo. Se nos atacasse, o Banco do Brasil executaria a dívida. Com o dinheiro no bolso, Lacerda não poderia atacar o presidente.’

Brigas internas no palácio não deixaram o dinheiro chegar ao bolso de Carlos Lacerda e Getúlio continuou apanhando. Mas o episódio é exemplar do que o concubinato entre governo e jornais pode fazer com o dinheiro do contribuinte. O livro se estende aos últimos lances do relacionamento de Vargas com a imprensa, nos momentos dramáticos que envolvem o atentado da rua Tonelero e precedem o suicídio do presidente. São cenas vivas relatadas por repórteres da época, como o extraordinário jornalista Mário de Moraes, que produziu a foto em close do rosto do presidente morto, para ilustrar a reportagem que escreveria em O Cruzeiro. Repórter da revista em 1954, Moraes seria também um dos seus últimos diretores, no início dos anos 1970.

Produzido pela secretaria de Comunicação Social da prefeitura do Rio (www.rio.rj.gov.br/secs), Getúlio Vargas e a imprensa não poderia ser mais oportuno. No meio da discussão sobre formas de controle da imprensa pelo governo, o livrinho mostra que essa mistura além de explosiva pode ser letal para ambos. Da alentada pesquisa que exibe brotam também lições interessantes: sem esforço percebe-se que os personagens centrais da história, governo e imprensa no Brasil, mudaram muito e para melhor. Descobre-se ainda que, 50 anos depois, a imprensa (ou a maior parte dela) entendeu que o poder de verdade não está nas mãos dos governos, mas do leitor.’