Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Bia Abramo

‘No fim -e no começo-, o programa acaba por dizer a que veio. Nas cenas iniciais, elas se maquiam, se arrumam, se embelezam. Nos últimos segundos no ar, o letreirinho do patrocinador se insinua: ‘O que você faria com uns quilos a menos?’. O recheio pode até tentar parecer consistente, mas as pontas acabam por ser mais reveladoras.


Não que não haja esforços honestos e, bem, um projeto simpático em ‘Saia Justa’. A idéia de levar mulheres de idades e, portanto, experiências diversas, poderia funcionar como uma espécie de chope entre amigas televisivo; aquela situação em que se fala um pouco de tudo, alguma confidência escapa, o clima esquenta, mas, ao fim e ao cabo, está tudo bem e somos amigas de novo.


E a combinação de simpatia pessoal e a seriedade jornalística de Monica Waldvogel cai como uma luva para um programa com esse perfil. Ali está a diplomacia para lidar com ‘personalidades’ distintas, ali estão os dados de realidade, ali está uma interpretação mais compreensiva e menos simplesmente pessoal.


O diabo é que suas companheiras de tricô seguem seu comando por mais ou menos duas frases, depois descambam para a exibição despudorada de seu narcisismo, para a falação desordenada. É disso mesmo que as conversas entre amigas são feitas, mas quem quer assistir a papos de amigas que não as próprias?


E, mais, por que há tanta conversa de e sobre a mulher, fenômeno do qual ‘Saia Justa’ é só um exemplo? Mesmo que admitamos que há mais o que discutir na condição contemporânea da mulher do que na do homem e que concordemos que há uma espécie de ânsia feminina em falar de si e talvez haja uma escuta mais apurada para as questões do outro, ainda sobra uma pulga atrás da orelha. Tanta falação não pode ser só porque é relevante culturalmente.


De um lado, por mais que se faça esforço no sentido contrário, é necessário botar a mulher em seu devido lugar: de imagem no espelho do olhar do outro -daí a obsessão em exibir, reiterar, educar e insistir tanto nos cuidados com a imagem. Mulher que não cuida da imagem tem algo a ser corrigido -e rápido. Eloqüente a esse respeito foi a cena em que a ‘neoconvertida’ Márcia Tiburi, antes, dizia ela mesma, uma mulher ‘só intelecto’ (o que quer signifique isso), agora, depois de rendida à maquiagem, à dieta e outras milongas mais, foi agraciada com um ‘você é linda’ unânime das colegas de programa. Será que na fase intelecto ela mereceria o mesmo elogio? Ou ser linda depende de uma conversão?


De outro lado, tem a propaganda, mais uma vez. Há uma tonelada de produtos no mercado para serem vendidos em nome do bem-estar, da aparência, da ‘saúde’, da ‘qualidade de vida’. É para isso, no fundo, que se bota tanta mulher no ar. A inteligência ou interesse das conversas é mero ornamento -a pergunta que importa responder é aquela que aparece por último.’




CARNAVAL NA TV PAGA
Talita Figueiredo


‘Canal pago faz 12 semanas de ‘Carnaval’’, copyright Folha de S. Paulo, 5/06/05


‘O sol havia acabado de nascer na terça passada quando o diretor Cao Hamburger gritou: ‘Corta’, em plena ponte Rio-Niterói. Após 12 semanas de gravação, terminava ali a saga do bicheiro Anésio Gebara, vivido por Jece Valadão, personagem principal da série ‘Carnaval’, a ser exibida em setembro para toda a América Latina pelo canal pago HBO.


O fim da saga de Gebara é só o começo de uma tentativa de internacionalização da teledramaturgia brasileira. ‘Carnaval’ foi feita no mesmo formato de sucessos produzidos pela HBO como ‘Família Soprano’, ‘Angels in America’, ‘A Sete Palmos’ e ‘Sex and the City’. ‘O resultado é uma série de qualidade muito boa, mas que tem a nossa cara, e não a cara americana’, afirma Hamburger (‘Castelo Rá-Tim-Bum’).


‘Estamos mostrando a cultura brasileira que normalmente não é exportada e apresentando-a sem estereótipos. A contravenção, o jogo do bicho, sempre fez parte do Carnaval carioca. Mostramos os bastidores da maior festa da Terra. O que normalmente expomos é a efeméride’, opina.


‘Carnaval’ retrata a vida do bicheiro e de seus quatro filhos. O início da trama mostra a morte do filho favorito do bicheiro, Anesinho (Felipe Camargo).


Jece Valadão, 75, encarna Gebara após dez anos sem gravar. ‘É importante não só para o cinema brasileiro e sua imagem fora do país mas também para o trabalhador da área’, disse Valadão, o último a gravar a série, na garagem de um prédio em Copacabana.


A mistura de cenários -a história se passa entre Copacabana e Padre Miguel- apresenta também um novo Rio de Janeiro para os estrangeiros. ‘Gebaro mora na avenida Atlântica, mas está sempre indo à escola de samba. Mostramos bem a mudança de paisagem da orla para o subúrbio carioca’, disse o diretor.


O custo de R$ 6,5 milhões foi investido graças ao incentivo fiscal que estimula programadoras internacionais de TV por assinatura a firmarem acordos de co-produção com produtoras independentes. A história, produzida pela O2 Filmes (‘Cidade de Deus’), tem seis episódios, com 50 minutos de duração cada um.


A HBO já tem outra série em produção, ‘Mandrake’, comédia de costumes produzida pela Conspiração Filmes e baseada em personagem de Rubem Fonseca.’




PUBLICIDADE
Daniel Hessel Teich


‘Fumo amarga a falta de publicidade’, copyright O Estado de S. Paulo, 5/06/05


‘Há cinco anos, as indústrias de cigarro brasileiras sofreram um duro golpe. O então ministro da Saúde e atual prefeito de São Paulo, José Serra, enviou ao Congresso um projeto de lei que proibia todo tipo de propaganda de cigarros, sancionado seis meses depois pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Desde então, o setor que movimentava mais de R$ 75 milhões em publicidade se viu sem a principal arma para promover seus produtos.


‘Estamos passando por grandes mudanças. Tivemos que desenvolver métodos e formatos novos de publicidade e também criar novas formas de medir o impacto das campanhas’, explica Francisco Barreto, diretor de Marketing da Souza Cruz, empresa líder do setor no Brasil.


Entenda-se por campanhas, nesse caso, a disputa feroz pela visibilidade nos pontos de venda travada pela Souza Cruz e sua arqui-rival Philip Morris. A única forma de anúncio permitida pela lei são displays, cartazes e embalagens exibidos em pontos-de-venda, como bancas de jornal, padarias e botecos. É uma mudança dramática para empresas que sempre usaram uma máquina publicitária fenomenal.


Os anúncios da Souza Cruz, por exemplo, fazem parte da história da publicidade brasileira. Nos anos 30, contratava talentos como Noel Rosa para criar seus jingles. Nos anos 70 e 80, as propagandas passaram a trazer slogans que marcaram época, como ‘O importante é ter Charm’, ‘Continental, preferência nacional’, ‘Cada um na sua, mas com alguma coisa em comum’.


Pouco antes da proibição, em 1998, a Souza Cruz deu mostras de qual seria a tônica das campanhas de cigarro dali para frente: encomendou à agência DPZ os comerciais mais caros já feitos até então. Apenas nos três primeiros filmes, rodados no deserto da Namíbia, na Antártida e no Grand Canyon, foram gastos US$ 5,5 milhões para promover a marca Hollywood. Como comparação, o filme Central do Brasil, indicado para dois Oscars em 1999, custou US$ 2,9 milhões.


Com experiências desse calibre, não tem sido fácil para a Souza Cruz focar toda a sua máquina de marketing e publicidade em pontos de venda. ‘O foco mudou, o marketing que era voltado para a marca agora é todo dirigido para o cliente. As agências de publicidade ainda estão aprendendo a fazer esse novo tipo de propaganda’, diz Barreto.


A indústria tenta investir em ações que denotem responsabilidade social, mas os resultados nem sempre são bons. A idéia da Souza Cruz patrocinar um programa de informatização do Poder Judiciário ao custo de R$ 1,5 milhão acabou se transformando em constrangimento no início do mês passado, quando o patrocínio foi esnobado por meio de uma decisão de um juiz federal de Brasília.


Os efeitos do torniquete aplicado pelo governo na indústria do fumo são visíveis nos números da gigante dos cigarros. Em 2001, a Souza Cruz vendeu 87 bilhões de unidades. No ano passado, foram 74 bilhões, ou seja, menos 13 bilhões de cigarros.


O lucro líquido apresentou queda nos últimos dois anos. Caiu de R$ 960 milhões em 2002, contra US$ 732 milhões em 2004. Vale ressaltar que, no mesmo período, as vendas cresceram, de R$ 5,8 bilhões para R$ 7,5 bilhões, como decorrência de reposicionamento de marcas, mudanças nos produtos e reestruturações.


A empresa, que detém 75% do mercado brasileiro e é parte do grupo British American Tobacco, centraliza hoje suas ações em oito marcas: Carlton, Free, Hollywood, Derby, Camel, Lucky Strike, Hilton e Kent. Esta última, lançada em 2002, é praticamente desconhecida de não-fumantes. ‘Não dá mais para fazer lançamentos nacionais sem a publicidade. Hoje, procuramos atuar em nichos que sejam mais lucrativos’, diz Barreto.


A Souza Cruz tem investido em novidades derivadas das velhas marcas, como os Carlton aromatizados. Também tem tentado criar novos hábitos entre os fumantes. No entanto, essa última estratégia é arriscada. Em 2003, tentou introduzir no Brasil cigarros fabricados em Cuba, numa fábrica que possui em parceria com o governo cubano. Feitos com outra variedade de fumo, mais forte, os cigarros tinham nome de charutos cubanos, como Romeo y Julieta e Cohiba.


O brasileiro estranhou o sabor. As vendas foram suspensas e agora a empresa prepara uma nova estratégia para voltar a vender o produto.’