Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Bia Abramo

‘É sempre surpreendente a capacidade que a televisão tem de distorcer e perverter. Não, não iremos falar aqui simplesmente daquilo que se chama de baixaria, embora nesse terreno a plasticidade seja tanta que também possa causar toda espécie de surpresa. É, ao mesmo tempo, mais simples e mais sutil.

Na televisão, o próprio uso das palavras passa por mutações tão rápidas e insistentes que muito facilmente se perde a referência do que pouquíssimo tempo atrás era o corrente. Claro que não é só uma operação de alargamento lingüístico, mas uma forma eficaz de moldar a maneira que as pessoas pensam e falam na medida da necessidade do próprio meio.

Por exemplo, a noção de ‘jogo’, que vem se plasmando a partir dos programas de realidade e mesmo dos jogos envolvendo prêmios. Embora em ambos os formatos haja alguns elementos em comum com os jogos de fato, como a competição, a observância de regras de comum acordo, de um elemento forte de competição, jogo passou a significar virtualmente qualquer coisa.

Usa-se a palavra para justificar atitudes moralmente suspeitas (‘afinal de contas, posso tudo porque é um jogo’), para dar algum sentido ao vazio de que é feita a maioria das atividades envolvidas nesses programas (‘isso deve ser alguma coisa, talvez um jogo’), para afetar uma emoção que não existe (‘é um jogo, portanto deveria estar feliz por ter superado um adversário’). Em nome do jogo, vale tudo, até nos casos em que esse ‘tudo’ tenha um valor tão pífio que vale perguntar para que se dar ao trabalho.

Nesse extremo da quase absoluta falta de sentido estão programas como ‘Sem Saída’, da Record, e ‘Na Pressão’, da Bandeirantes. O primeiro faz um simulacro pobre dos programas do tipo ‘Big Brother’, o segundo é o jogo de perguntas e respostas mais sem graça já inventado. Nos dois, a ausência de desafio ou mesmo motivação é tal que apresentadores e participantes parecem envolvidos na mais árida e maçante forma de passar o tempo.

Na outra ponta, o ‘Sete e Meio’, de Silvio Santos, arma um circo moral dos mais escorregadios. O programa evolui de tal forma que, ao final, sobram dois participantes e uma soma razoável em dinheiro. Os dois contendores finais têm que fazer uma última ‘aposta’: se querem dividir o butim com o adversário e os outros participantes já eliminados ou se querem ficar com tudo para si. Se ambos fazem a aposta ‘modesta’, o dinheiro é distribuído para todos. Se ambos fazem a aposta ‘egoísta’, os dois perdem. E, na alternativa mais perversa de todas, se um faz a ‘modesta’ e outro, a ‘egoísta’, o primeiro perde.

É uma armadilha moral insolúvel para os que preferem a modéstia -não apenas tenho a chance de perder como de premiar o egoísmo do outro, ou seja, além de perdedor, sou trouxa e contribuo para que a cupidez vença. Assim, na pressão cruel de Silvio Santos, jogo passa a significar a manipulação mais cruel das vontades e das inclinações alheias.’



DATANEXUS & SBT
Daniel Castro

‘SBT desiste de fazer concorrência ao Ibope’, copyright Folha de S. Paulo, 9/12/04

‘O SBT desistiu do Datanexus, instituto lançado há um ano e meio para quebrar o monopólio do Ibope na medição de audiência de TV. Silvio Santos, que investiu cerca de R$ 4 milhões na implantação da empresa e já havia ameaçado romper a parceria em julho, bateu o martelo e deixará de ser cliente do Datanexus a partir de 31 de dezembro.

Assim, o instituto, que para operar precisa de R$ 200 mil mensais, perde seu único cliente. Executivos do SBT avaliam que o Datanexus não pegou, que lhe faltou mercado (emissoras, agências de publicidade e anunciantes), por falta de interesse ou rejeição.

Para o SBT, não vale a pena continuar custeando um instituto com imagem atrelada à emissora.

Carlos Novaes, presidente do Datanexus, diz no entanto que o serviço não vai fechar. ‘O SBT não vai continuar pagando, mas eu vou continuar’, diz o cientista político, sem revelar como manterá a empresa.

Os dados do Datanexus não são substancialmente diferentes dos do Ibope a ponto de mudar o ranking das redes. Há variações pontuais. Para o SBT, a principal diferença é que os programas com perfil classe AB têm mais audiência no Ibope. E as atrações C, D e E são mais bem-sucedidas no Datanexus. O filme ‘Harry Potter e a Pedra Filosofal’, exibido com sucesso pelo SBT no último domingo, teve mais pontos no Ibope do que no Datanexus.

OUTRO CANAL

Ratoncito 1 Símbolo da baixaria na TV, o programa de Carlos Massa, o Ratinho, no SBT, vai mudar radicalmente em fevereiro. Será um ‘game’ com interatividade (participação de telespectadores, por telefone, com prêmios), provavelmente ao vivo.

Ratoncito 2 Até o nome vai mudar _trabalha-se com ‘Ratinho, o Charmoso’. Quadros como o ‘Jornal Rational’ devem ser mantidos, mas testes de DNA e barracos desaparecerão.

Grade 1 A Justiça Federal do Acre determinou que o ‘Zorra Total’, da Globo, seja exibido no Estado às 21h, e não às 19h como vem ocorrendo, por causa do fuso horário local e do horário de verão, que, somados, dão três horas de diferença em relação a Brasília.

Grade 2 A sentença foi dada em ação do Ministério Público Federal, que desde 2003 tenta aplicar no Estado a classificação indicativa do Ministério da Justiça. A Globo e a afiliada TV Acre vão recorrer. Dizem que a sentença fere decisão superior da Justiça que determina que a classificação indicativa não é obrigatória.

Vaga A Rede TV! está em busca de um novo nome para substituir o de Clodovil Hernandez na apresentação do ‘A Casa É Sua’.

Sol A MTV realiza em janeiro no Circo Voador, no Rio, uma série de nove shows (Ira!, Marcelo D2 etc.) para exibi-los no Carnaval.’



CINEMA / LEGISLAÇÃO
Folha de S. Paulo

‘Censura No Cinema’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 8/12/04

‘O Sindicato da Indústria Cinematográfica do Estado de São Paulo (Sicesp) enviou carta aos ministros Márcio Thomaz Bastos (Justiça) e Gilberto Gil (Cultura) em que questiona as recentes alterações nas regras de classificação indicativa de obras audiovisuais. O sindicato vê inconstitucionalidade no trecho da portaria que impede o acesso de menores de 18 anos a filmes considerados adequados apenas para adultos.

De um modo geral, a regulamentação procurou flexibilizar o trânsito de crianças e adolescentes a filmes classificados como impróprios para suas idades. Ela criou um mecanismo que permite o acesso do menor apenas à categoria de classificação imediatamente superior à de sua idade. Assim, crianças de 10 e 11 anos, acompanhadas dos pais ou responsáveis, podem ver filmes considerados impróprios para menores de 12 anos. Também escoltados pelos pais, adolescentes de 12 e 13 podem entrar em exibições catalogadas como para 14 anos, e aqueles com 14 e 15 anos têm o direito de comparecer a sessões só adequadas para maiores de 16 anos. Mas os que têm 16 e 17 anos não podem assistir a filmes vetados para menores de 18.

A queixa dos cineastas procede. O mandamento constitucional estabelece que a classificação etária de diversões públicas, competência da União, tem efeito apenas ‘indicativo’ (21, XVI). Esta Folha já havia alertado para a inconstitucionalidade da portaria quando ela foi editada, em meados deste ano. A mesma restrição se faz ao Estatuto da Criança e do Adolescente, nos artigos em que determina sanções para donos de cinema que não acatarem a censura.’