Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Bia Abramo

‘Rita Lee foi passear um dia no espaço sideral e de lá voltou Madame Lee, uma entidade curandeira. Montou um consultório todo ‘high-tech’ no GNT, e, pena, tudo o que conseguiram imaginar para ela é mais um ‘talk show’…

Rita tem uma inegável inclinação teatral. Desde a época dos Mutantes, banda que tinha uma concepção bem sofisticada (e divertida) de performance de palco, até essa última experiência em TV, como a maluca de plantão da primeira encarnação do ‘Saia Justa’, a personalidade essencialmente anárquica de Rita e sua capacidade de incorporar personagens sempre foram garantia de interesse.

O problema é sustentar esse interesse por mais de um hora em uma atração tão surrada quanto um ‘talk show’.

Está na origem do conceito do ‘talk show’ a expectativa de que qualquer conversa possa se transformar em espetáculo, mas não é verdade, simples assim. Mesmo que, digamos, todos os elementos -tema, entrevistador(es), entrevistado(s)- envolvidos sejam em tese atraentes, é preciso mais do que isso para esse tipo de programa se distinguir. Às vezes, é simplesmente o que, de fato, as pessoas têm a dizer. Às vezes, é a personalidade do entrevistador e sua agilidade em entrar e sair de primeiro plano. E ainda, em outras, são as circunstâncias políticas e sociais que acabam fazendo qualquer conversa soar, mais do que interessante, imprescindível.

Caso contrário, o ‘talk show’ cumpre a função melancólica de preencher os silêncios da solidão, substituindo a sociabilidade e criando uma sala de estar virtual povoada por fantasmas e conversa fiada.

Em suma, embora pareçam simples e sejam evidentemente de produção mais barata, programas de entrevistas e de conversa entre personalidades tendem mais a não funcionar do que o contrário.

E aqueles que funcionam investem de maneira constante na parafernália do espetáculo. Não é à toa que um decano como David Letterman continue inventando brincadeiras, gags visuais e cênicas, além de obedecer a uma coreografia para lá de precisa na hora da entrevista. Ou que Oprah Winfrey tenha se especializado de tal forma em arrancar revelações que seus entrevistados já vão bem ensaiadinhos para abrir sua intimidade ou inventar alguma coisa que faça as vezes.

‘Madame Lee’, por ora, desperdiça a mise-en-scéne doidona, o talento cômico de Rita e até mesmo a caretice segura de Roberto de Carvalho e vem engrossar as fileiras dos vários ‘talk shows’ inexpressivos e irrelevantes.

Quem sabe com alguém que sintonize melhor a vibe pirada de Rita Lee, como Tom Zé, que estará no programa que vai ao ar hoje à noite, aconteça a alquimia capaz de transformar chumbo em pelo menos cobre, bronze, alguma coisa mais brilhante.’



TV GLOBO
Daniel Castro

‘Globo constrói estúdio em forma de oca’, copyright Folha de S. Paulo, 8/10/05

‘A microssérie ‘Hoje É Dia de Maria’ acaba na segunda ‘jornada’, que vai ao ar na semana que vem, mas deixará marcas ‘eternas’ na Globo. Por causa dela, gravada dentro de um domo reciclado, de plástico e sem ar condicionado, a emissora irá construir um estúdio em forma de oca.

A oca terá praticamente a mesma forma interna do domo (ou ‘bolha’, como era chamado), mas será muito mais bem estruturada. Sua principal vantagem é não ter quinas e permitir tomadas de painéis que reproduzem cenários em 360º, como ao ar livre.

Para gravar ‘Hoje É Dia de Maria’, a Globo usou painéis pintados à mão fixados na parede do domo. Com o uso de iluminação e câmera (de alta definição) especiais, os painéis dão ao telespectador uma profundidade muito maior do que a real, e a sensação de estar vendo uma paisagem natural, não uma pintura.

A Central Globo de Produção não quer perder esse recurso com que aprendeu a lidar em ‘Hoje É Dia de Maria’ e já encomendou o projeto da oca, que será usada por programas de entretenimento.

A oca será levantada no mesmo terreno ocupado pelo domo de ‘Hoje É Dia de Maria’, em um terreno ao lado do Projac, a central de estúdios da Globo no Rio.

Após finalizar, em julho, renegociação de dívida com credores, a Globo voltou a investir em imóveis. O principal deles será um prédio em São Paulo.

OUTRO CANAL

Inflação 1 Chamado de ‘juiz ladrão’ pelo ‘Fantástico’, o ex-árbitro Edilson Pereira de Carvalho, que manipulou jogos do Campeonato Brasileiro, reajustou sua ‘tabela de preços’. Na semana passada, Carvalho pedia R$ 15 mil para dar entrevistas a TVs.

Inflação 2 No ‘Bom Dia São Paulo’ local de ontem, a TV Vanguarda (Globo em São José dos Campos) revelou gravação em que o ex-juiz cobra R$ 50 mil para dar nova entrevista à emissora.

Tiroteio 1 Rolou uma lavagem de roupa suja ao vivo no ‘Boa Noite Brasil’ (Band), no início da madrugada de ontem. O programa exibia um debate entre deputados das frentes parlamentares pelo ‘sim’ e pelo ‘não’ no referendo do desarmamento.

Tiroteio 2 A certa altura, o debate virou contra o próprio programa. Deputados vazaram que a Band havia convidado Luiz Antonio Fleury, que cedeu seu lugar para Alberto Fraga. A produção não queria o ‘desconhecido’ Fraga. Indignado, o deputado ameaçou ir embora. Afinal, é presidente da Frente Parlamentar pelo Direito da Legítima Defesa, que defende o ‘não’, assim como a Band.

Tiroteio 3 No fim, Gilberto Barros, o Leão, foi chamado de Ratinho.

Grade Agora é oficial. O ‘Show do Tom’ será semanal em 2006. E Tom Cavalcante terá outro programa, uma ‘sitcom’.’



ENTREVISTA / HEBE CAMARGO
Ricardo Valladares

‘A rainha do palpite’, copyright Veja, 12/10/05

‘A apresentadora Hebe Camargo, de 76 anos, é um verbete inescapável da história da TV brasileira. No ar há 55 anos – desde os primórdios do meio -, ela estabeleceu laços de fidelidade incomuns com o espectador. Figura exuberante capaz de desconcertar um entrevistado ao se deitar em seu colo ou dar-lhe um beijo na boca – seja ele homem ou mulher -, Hebe mistura de maneira única o nonsense e o palpite sobre assuntos sérios em seu programa, exibido nas noites de segunda-feira pelo SBT. ‘Não vou dizer que não tento mudar a opinião das pessoas. Principalmente quando fica tudo tão confuso no país’, diz ela. Hebe já foi tema de incontáveis reflexões sobre a televisão e até de tese acadêmica: lançado originalmente em 1972, o livro A Noite da Madrinha, do sociólogo Sergio Miceli, acaba de receber nova edição. Na semana passada, a apresentadora, que embolsa um salário de 1,2 milhão por mês, recebeu VEJA em sua casa num bairro nobre de São Paulo. Descalça – mas sem dispensar a maquiagem -, ela falou sobre questões como o envelhecimento e o aborto, além de refletir sobre seu papel de formadora de opinião.

Veja – Como é envelhecer na televisão?

Hebe – É menos delicado que envelhecer na frente do espelho. Na televisão quem me vê é o espectador, na frente do espelho sou eu mesma. Mas, falando sério: eu não sinto o peso do tempo, não me sinto uma mulher velha. Diria até que sou uma velhinha sem vergonha. O que não mostro mais, na televisão ou fora dela, são meus braços. Não saio mais na rua com roupa sem manga.

Veja – A senhora está na televisão há 55 anos. A programação está melhor ou pior?

Hebe – A televisão brasileira decaiu muito. A apelação para coisas vulgares, como as pegadinhas e os testes de fidelidade, me deixa triste. Leio a toda hora que essas coisas são montadas, que as pessoas ganham para participar. Também estou decepcionada com o pessoal do Pânico, da Rede TV!. A perseguição que fizeram à Carolina Dieckmann foi um absurdo. Outro problema são as imitações. Tem o programa de um tal Jacaré que é uma cópia chula do Ratinho. A Record também não tem personalidade própria, copia as novelas da Rede Globo. A Globo, aliás, apesar de ainda fazer coisas boas, às vezes abusa nas cenas de mau gosto.

Veja – A senhora se considera uma formadora de opinião?

Hebe – O que eu mais sei é fazer o auditório rir com minhas besteiras e ir para casa feliz. Mas eu conheço o poder da minha palavra. Sei que os espectadores me vêem como uma figura bem-sucedida e pensam: se deu certo com ela pode dar comigo também, vou seguir suas opiniões. E não vou dizer que não tento mudar a opinião das pessoas. Eu tento, sim. No caso da campanha do desarmamento, por exemplo, tenho falado com as pessoinhas menos esclarecidas, para explicar as coisas que não estão muito claras sobre o SIM e o NÃO. Vou votar pelo NÃO, porque acho que não se pode desarmar a população enquanto os bandidos estão estupidamente armados. Tudo está tão confuso no país – é crise política, é referendo. Acho que, com meus palpites, posso ajudar. Acredito que penso mais no povo que os próprios políticos, que deveriam estar fazendo isso.

Veja – A senhora já quis ser política?

Hebe – Já fui convidada muitas vezes, mas não acho uma boa idéia. Não gosto quando fico sabendo de artistas que passaram para o outro lado. O Moacyr Franco se elegeu, não fez nada, se arrependeu. Do Gilberto Gil, como ministro, só ouço queixas de que não faz coisas para a classe artística. Silvio Santos, graças a Deus, caiu fora dessa. O artista domina o palco, não o palanque.

Veja – A senhora apoiou o ex-prefeito Paulo Maluf em várias eleições. O que acha de sua prisão?

Hebe – Apoiei Maluf por convicção, pois acho que ele fez coisas boas. Quando subi nos palanques dele, não ganhei cachê, fiz por filosofia. Mas já faz tempo que me desliguei do Maluf. Depois que anunciei que não ia mais participar de campanha política, ele nunca mais me telefonou. Nem ele nem dona Sylvia. A amizade deles era interesseira. Mas o que estão fazendo com ele é vingança, por ele ter sido uma pessoa prepotente, como o Zé Dirceu (o ex-ministro José Dirceu). Mais prepotente que o Zé Dirceu, aliás, nunca vi. Acho absurdo o Maluf estar na cadeia e a Suzane Richthofen, aquela que matou a família com o namorado, estar solta. As leis são antiquadas.

Veja – A senhora não acredita na Justiça brasileira?

Hebe – Acho que ela é lenta. Fiz um apelo ao presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Nelson Jobim, porque ele ampliou o tempo de defesa de deputados na CPI. Mais tempo, eu não agüento. Não acredito na CPI e duvido que esse povo vá para a cadeia. Eu tenho 76 anos e nunca vi uma época tão imoral.

Veja – Quando Paulo Maluf fazia política não existiam irregularidades?

Hebe – Querido, a gente não tem de se voltar para o passado. O presidente Lula só faz isso. Toda vez que ele quer se justificar, fala do ex-presidente Fernando Henrique. Tem de pensar no presente. Ele se propôs a criar milhões de empregos, e ninguém vê esses empregos. O Fome Zero foi um engodo, mas lá está o presidente carregando criancinha. Ele critica tanto a elite e agora faz parte dela. Ando tão desesperada com este meu país.

Veja – A senhora votou no presidente Lula?

Hebe – Não. Não lembro em quem votei, é um mal do brasileiro. Acho que foi no (José) Serra.

Veja – Qual sua impressão do presidente?

Hebe – Eu conheço o Lula dos tempos em que ele era um humilde metalúrgico – ou não era, porque nunca ninguém ouviu falar que emprego ele teve, se trabalhava mesmo. Não sou contra o Lula, não quero o impeachment. Até porque essa CPI está parecendo mais a Escolinha do Professor Raimundo.

Veja – Como é sua relação com seu patrão, Silvio Santos?

Hebe – O Silvio é uma pessoa difícil. Embora pareça ter mente aberta, vale o que ele quer e não adianta discutir. Ele enfraqueceu o jornalismo do SBT ao perder Boris Casoy, Lillian Witte Fibe, Marília Gabriela. Quando tive oportunidade, falei isso para ele. Agora, Silvio tirou da grade o Fora do Ar (programa apresentado por Hebe, Adriane Galisteu, Jorge Kajuru e Cacá Rosset). Alegou que não tinha audiência e estava dando prejuízo. Ele é assim, radical, não sei se por cisma com as pessoas. Fiquei muito triste. Está certo que Silvio não quer ter prejuízo, mas não precisa ser tão mão-fechada.

Veja – A senhora chegou a flertar com a Rede Record. Por que a negociação não deu certo?

Hebe – Quando tive a proposta fiquei balançada, até falei com o Silvio. Mas a Record é da Igreja Universal. A minha Nossa Senhora de Fátima não poderia entrar lá, assim como a minha Nossa Senhora Aparecida. E eu sou muito amiga delas. Não poderia deixá-las na porta. Eu às vezes me pergunto como as igrejas evangélicas conseguem fazer lavagem cerebral em milhares de pessoas. Os fiéis ficam completamente obcecados e não percebem que estão deixando os pastores cada vez mais ricos à custa desse ‘mensalinho do demônio’. Eu não acredito absolutamente naquilo. Fé, a gente tem sem explicar. O que eles fazem são promessas vazias, agem como os políticos.

Veja – O apresentador Gugu Liberato – de sua emissora, o SBT – pode recuperar a credibilidade depois do escândalo da reportagem forjada sobre os criminosos do PCC?

Hebe – Gugu perdeu uma oportunidade de dar explicações quando foi ao meu programa. Ele deveria ter dito: ‘Errei, foi um ato impensado e peço desculpas’. Gosto do Gugu, mas naquele episódio ele pisou feio na bola.

Veja – A senhora ganha mais de 1 milhão de reais por mês. O que faz com tanto dinheiro?

Hebe – Eu me faço feliz. Compro coisas para casa – agora mesmo estou fazendo uma reforma gigantesca. Também vou a leilões de arte, compro objetos antigos e gosto de viajar.

Veja – A senhora ficou viúva há cinco anos. Sente falta do casamento?

Hebe – Sinto saudade do Lélio. Mas não sei se sinto falta do casamento. As pessoas costumam dizer que quem casa não pensa, pois quem pensa não casa. Eu concordo. O casamento é uma prisão. Tanto o homem quanto a mulher têm de dar satisfação de tudo. Acho que não casaria de novo. A liberdade não tem preço. Outro problema é a vida sexual. No momento, ela não existe. Hoje, tudo o que faço é dormir com um travesseiro especial, que tem um braço de pano. Eu abraço o travesseiro e ele me abraça. É triste. Mas não sou a favor de dar um beijo e já ir para a cama.

Veja – Quantas plásticas a senhora já fez?

Hebe – De rosto, seios e lipoaspiração, já fiz duas de cada. Não vejo problema, não. Acho uma delícia me ver melhor. E tenho obrigação de estar sempre bonita para trabalhar na televisão. Só não dá, pela idade, para usar biquíni, né? Quando vou à praia, visto maiô daqueles inteiros. Eu morro de inveja dessas mulheres magérrimas, como a Gisele Bündchen.

Veja – A senhora já fez aborto. Ainda é a favor dessa prática?

Hebe – Eu tinha entre 18 e 20 anos quando precisei fazer um aborto. Estava namorando o Luiz Ramos, um empresário. Ele ficava comigo até as 4 horas da manhã e depois ia embora para ficar com outra. Quando descobri, já grávida, fiquei em desespero. Uma vizinha, a dona Zaíra, me levou a uma clínica clandestina, sem minha mãe saber. Foi uma dor horrível. Sou católica, mas defendo o aborto em alguns casos. A filha de uma conhecida minha foi estuprada e a família não quis o aborto. Foi pior: o filho nasceu com a cara do estuprador. É um estigma para o resto da vida. Num caso desses, como a Igreja pode ser contra?

Veja – A senhora já discutiu isso com os padres Antônio Maria e Marcelo Rossi, seus amigos?

Hebe – Nunca tivemos tempo de falar sobre isso. Mas um dia vou questioná-los por que a Igreja Católica não permite o aborto nem quando se sabe que o bebê nascerá com problemas graves.

Veja – A senhora acha que a educação dos filhos é melhor hoje do que antigamente?

Hebe – De modo algum. Apesar de liberal, sou muito antiga na maneira de pensar. Acho um absurdo essas meninas saírem de casa à meia-noite. É muita liberdade – se a garota engravidar aos 13 anos, a mãe não poderá reclamar, porque lhe deu a oportunidade. Acho um pecado. E há também o problema das drogas. Eu nunca fumei maconha, não tomo nem remédio para dormir. Uma vez, aliás, falei para o Silvio Santos parar de tomar esses remédios. Quando passava o efeito, ele ficava com depressão.

Veja – A senhora já fez análise?

Hebe – Nunca. Quando estou triste, vou para meu quarto e fico encolhida. Sempre funciona.

Veja – A senhora pensa na morte?

Hebe – Eu só penso na vida. Se você pensa em doença, acaba atraindo. Tem gente que vê uma verruguinha e já acha que é câncer. Vai lá, tira e pronto.

Veja – Se a senhora fosse começar de novo, o que faria?

Hebe – Minha história é parecida com a da maioria dos brasileiros. Papai tocava músicas de Bach e Chopin ao violino para me acordar. Mamãe tocava piano de ouvido. Ele não me estimulou, a veia já era artística. Meu pai não visava a dinheiro, ele fazia serenata a qualquer hora da noite, tocava em cabaré. Saí aos 6 anos de Taubaté para São Paulo, quando papai veio tocar na orquestra da rádio Difusora. Éramos seis irmãos vivos. Estreei como profissional em 1944, era a mantenedora da família. Os prêmios que ganhava nos programas de calouro mantinham a casa. Nós não éramos tristes quando éramos pobres, mesmo quando só tínhamos arroz para comer. Tenho uma história bonita. Se fosse começar de novo, acho que gostaria de ser cantora, aqui no Brasil mesmo. O melhor do Brasil são os brasileiros. Mas nem todos.’