Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Bia Abramo

‘São só mais três episódios e ‘Cidade dos Homens’ encerra sua carreira na TV. Pára em boa hora: os ótimos atores Douglas Silva e Darlan Cunha estão crescendo, virando adultos, e o tom do seriado é inequivocamente juvenil.

Não vai aí nenhum traço de mau humor, pelo contrário: um dos pulos do gato do seriado é manter os traços de jovialidade dos personagens Acerola e Laranjinha, por mais que a barra pese em torno deles.

É um duplo triunfo o de ‘Cidade dos Homens’. Ao mesmo tempo em que não edulcora nem folcloriza a realidade de exclusão e violência da favela, logra também lidar de maneira justa, equilibrada e verossímil com personagens jovens. Há muito poucos exemplos na ficção de TV brasileira de personagens adolescentes e jovens que não pareçam saídos de pesquisas publicitárias ou do pior pesadelo de pais caretas.

Acerola e Laranjinha representam um desafio ainda maior, uma vez que são jovens que não estão em nenhum dos lugares mais ou menos conhecidos: não são da classe média, não são infratores, não são do tráfico, não são menores abandonados. São dois garotos, como muitos outros na periferia das grandes cidades, que tangenciam as marcas mais terríveis da desigualdade social, como o abandono da família, o crime, a pobreza extrema, mas ao mesmo tempo se inserem de maneira muito errática naquilo que constitui uma espécie de ‘normalidade’, representada pela escola, pelo mundo do trabalho regular, pelo consumo.

Ou seja, além estarem no território imprevisível da juventude, Acerola e Laranjinha são de uma realidade ainda muito carente de decodificação de qualquer espécie. Claro, o livro e o filme ‘Cidade de Deus’, matrizes de ‘Cidade dos Homens’, são das mais consistentes investidas na representação desse universo. Mas talvez a série de TV, curiosamente, tenha dado um passo além nesse sentido.

No seriado, há uma bem-sucedida tentativa de lidar com convenções das narrativas infanto-juvenis -a idéia das peripécias, de executar um plano meio mirabolante para escapar de um personagem mais poderoso, o personagem que é mais atrapalhado, aquele que é mais compenetrado, a moça como mais ‘madura’ que os rapazes-, em um ambiente em tudo hostil à idéia de infância e de adolescência.

O contraste entre uma certa leveza e ingenuidade dos personagens e suas aventuras com o registro cru de cenários, tipos e situações cria uma espécie de curto-circuito estimulante.

Mesmo em um episódio mais tenso que a média, como o que marcou o início da terceira temporada (‘A Fila’, dirigido por Roberto Moreira), há essa fricção entre elementos cômicos e dramáticos que deixa o espectador com mais interrogações do que certezas.

E esse negócio de fazer pensar, em TV, é um feito raro.’



TV / RANKING DA BAIXARIA
José Paulo Lanyi

‘‘Pânico’ questiona o ranking da baixaria’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 25/11/05

‘Duas notas desta sexta-feira (25/11) na coluna de Daniel Castro, na Folha de S. Paulo:

‘Toalha 1 A ‘mobilização eletrônica’ contra o ‘Pânico’ sepultou a credibilidade do ranking baixaria. Anteontem, a campanha antibaixaria admitiu que, das 3.189 ‘denúncias’ atribuídas ao programa, 2.845 foram pelo Orkut ou por corrente de e-mails.

Toalha 2 Pelos ‘critérios’ tradicionais (voto via site e telefone, aplicados aos demais programas), o ‘Pânico’ teve 344 denúncias (10,8% do total). Coincidência: é o mesmo número de João Kléber. Assim, o ‘Pânico’ não deixa de ser o novo líder da baixaria’.

Esta coluna tem conversado, há alguns dias, com Rosana Hermann, redatora do ‘Pânico na TV’, da Rede TV!. Rosana está inconformada com os métodos da campanha ‘Quem financia a baixaria é contra a cidadania’, iniciativa da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados para combater os desvios éticos na TV. ‘No dia 9 de outubro o ‘Pânico’ mostrou uma cobaia subindo numa cestinha atada a balões de gás hélio. A cesta estava amarrada a uma corda’, conta Rosana. ‘O programa mostrou a cena editada, com truques de montagem, mas o ratinho não voou. Uma microcâmera foi colocada na alça da cesta, simulando imagens do alto, como se a câmera estivesse num capacete no ratinho. Era uma farsa, pois o ‘Pânico’ é um programa de humor e não um jornalístico’, diz ela.

A cena despertou a ira internética de uma comunidade do Orkut, ‘Pânico na TV Passou do Limite’, em cuja apresentação se lê: ‘Vamos boicotar o programa e mostrar a eles que quem faz o programa somos nós! Reclamem, temos que tentar evitar que esse tipo de violência se torne uma rotina e um exemplo para outras atrocidades! Mandem e-mails para os links abaixo: http://www.eticanatv.org.br ; e-mail: abertdf@abert.org.br’.

A partir daí, iniciou-se uma campanha orkutiana para denunciar o ‘Pânico’ no ‘ranking da baixaria’.

A criadora dessa comunidade, Marcia RF, publicaria uma suposta troca de e-mails com o assessor de comunicação da campanha, Carlos Mota. Trechos:

‘De: Marcia RF [mailto:marciavirtual@uol.com.br]

Enviada em: quarta-feira, 12 de outubro de 2005 07:29

Para: Ética na TV/CDH

Assunto: Denúncia: Pânico na TV comete maus tratos a animal ao vivo e em rede nacional

Prioridade: Alta

Prezados senhores,

Ao assistir ao programa Pânico na TV do dia 09 de outubro 2005, fiquei indignada com o seu conteúdo, pois continha cenas nas quais um hamster branco era submetido a situações de pânico, desconforto, constrangimento, sofrimento. (…) Em nome de meus direitos como cidadão, peço respeitosamente que a programação dessa emissora não mais veicule tais cenas, e sim valorize o respeito a todas as formas de vida e o bem-estar de todos os animais. Não é ético aproveitar-se dessas imagens para obter lucro’.

‘De: Ética na TV/CDH

Data: 07/11/05 18:49:28

Para: Marcia RF

Assunto: RES: Denúncia: Pânico na TV comete maus tratos a animal ao vivo e em rede nacional

Prezada Márcia,

Peço que avise a comunidade que ela é responsável por computar 634 denúncias até o momento para a Campanha. A informação será divulgada na mídia, junto com o ranking. Caso o número de pessoas aumente até a próxima quinta-feira (data do fechamento do X Ranking de denúncias da Campanha), por favor avise.

A Campanha ‘Quem financia a baixaria é contra a cidadania’ agradece a sua colaboração.

Um grande abraço,

Att.

Carlos Mota

Assessoria de Comunicação

Campanha ‘Quem financia a baixaria é contra a cidadania’.’

Este outro e-mail teria sido enviado à ativista da comunidade orkutiana de uma ONG que puxou protestos contra o ‘Pânico’, a PEA (Projeto Esperança Animal):

‘From: Ética na TV/CDH

To: Gaby PEA

Sent: Friday, November 18, 2005 2:54 PM

Subject: RES: Programa Pânico na TV do dia 09 de outubro de 2005

Prezada Gabriela,

Quero agradecer-lhe pelo tópico. As contagens já pararam. Peço que avise na comunidade e agradeça o grande apoio. Neste domingo, a Folha de S. Paulo fará um caderno especial sobre baixaria na TV (e vão divulgar o ranking).

Por favor não apague o tópico, pois não podemos apenas copiar as páginas, por enquanto. A Rede TV! e os conselheiros precisam averiguar a existência dele.

Mais uma vez, muito obrigado pelo apoio!

Um grande abraço,

Att.

Carlos Mota

Assessoria de Comunicação

Campanha ‘Quem financia a baixaria é contra a cidadania’.’

A Folha de S. Paulo embarcaria, sem colete nem bote, nos números divulgados pela campanha: ‘O ‘Pânico na TV’ foi alvo entre 4 de junho e 10 de novembro de 3.189 ‘denúncias fundamentadas’, um recorde. Nunca um programa ‘líder’ da baixaria recebera mais do que 205 reclamações no período contabilizado. O ‘Pânico’ alavancou a campanha, que nos últimos cinco meses recebera 5.449 denúncias – ou 21% do total de seus dois anos de existência’, informava a reportagem do dia 20. O jornal corrigiria a rota no dia seguinte (‘Campanha ‘turbinou’ ranking da baixaria’) e nesta sexta-feira.

Leia agora uma entrevista por e-mail com Rosana Hermann, física, apresentadora, roteirista e radialista. Em seu currículo, vêem-se trabalhos como repórter e apresentadora de programas de várias emissoras (como o ‘Fala Brasil’, da Record) e como redatora de programas como ‘Sai de Baixo’, ‘Domingão do Faustão’ e ‘Glub-Glub’ (Cultura). Ela é autora do blog ‘Querido Leitor’, no UOL, e colunista do blog ‘Blônicas’.

Link SP – Por que você considera esse protesto ilegítimo?

Rosana Hermann – Protestar é legítimo. Ilegítimo é computar como ‘denúncia fundamentada’ um fato que não ocorreu. Não houve maus tratos a animais no episódio do ratinho. Ele não foi ‘lançado na atmosfera’ como alegam os protestantes. Foi uma simulação e sem maus tratos. O telespectador pode compreender errado. Pode até criar uma comunidade online alegando algo que não houve. O que não pode é uma Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados aceitar e-mails de spam e votos do Orkut como denúncias fundamentadas de algo que não ocorreu.

LSP – Como foram as conversas com a Comissão?

RH – Não houve conversas com a Comissão. Ninguém entrou em contato com o programa pedindo provas da alegação de maus tratos. A Comissão só entrou em contato com a comunidade, conforme e-mail publicado no Orkut, pela Marcia RF e por Gabriela Toledo da ONG www.pea.org.br, do assessor da campanha Carlos Mota, avisando sobre o prazo de encerramento e pedindo para ser avisado caso houvesse mais e-mails.

LSP – Quem teve a idéia da cena da cobaia?

RH – Trata-se de uma paródia do programa ‘Myth Busters’, do Discovery Channel, sobre a possibilidade de içar uma pessoa usando balões de gás hélio. A dupla de apresentadores fez a experiência no programa David Letterman, no dia 23 de Maio de 2005, içando o ator Paul Newman com cinco mil balões de gás hélio. Para içarmos Sabrina Sato, decidimos proceder como os cientistas, usando uma cobaia de laboratório numa simulação de içamento dos balões. A cobaia é do Carlos dos Bichos, da produção da Rede TV!.

LSP – O ‘Pânico’ é polêmico. Como você define o humor do programa?

RH – Humor mambembe, escrachado, que usa a plataforma da irreverência para fazer crítica de costumes, críticas políticas, criticas à televisão e à comunicação e a nós mesmos.

LSP – À margem do fato em questão, que tipo de denúncia contra o programa vocês têm enfrentado?

RH – Não é freqüente acontecer denúncias. Em geral o telespectador compreende que se trata de um programa de humor que usa muito a simulação. Não é um programa de jornalismo.

LSP – Quais têm sido as reações do público? Há quem goste, há quem não goste…

RH – Sim, há quem goste e não goste. Há quem compreenda e não compreenda. Há quem questione, quem aceite, quem ache inovador, quem odeie.

LSP – Os críticos de televisão ‘marcaram’ o programa? A receptividade tem sido natural? Ou a ênfase é episódica, baseada em fatos que encantem ou incomodem?

RH – Não acho que os críticos marcaram o programa, seria uma visão paranóica dizer isso. O que acontece é que todos olham para o topo. Todos comentam quem está em primeiro lugar em qualquer ranking. E estar injustamente no topo do ranking da baixaria, lícita ou ilicitamente, justa ou injustamente, com ou sem representatividade, faz com que os olhos se voltem para você.

LSP – Como a mídia se comportou nesse episódio?

RH – Poucos divulgaram o ranking. Ninguém questionou a legitimidade [nota do colunista: só nesta sexta-feira]. Tivemos que produzir todas as provas e entrar em contato com a imprensa. Dados disponíveis, na Internet, que nenhum jornalista procurou ou encontrou até fazermos nós mesmo isso. Poucos noticiaram nossa posição e nossas provas. O deputado [Orlando Fantazzini, do PSOL de São Paulo, coordenador do ranking] não admitiu o erro. Publicou incoerências. Aceita milhares de queixas como denúncias fundamentadas de maus tratos que não ocorreram. E ainda escrevem maltrato, palavra que não existe. Como disse um recente artigo do Comunique-se, até os humoristas sabem fazer jornalismo apurando os fatos, coisa que alguns jornalistas esquecem de fazer.

LSP – Por que você considera que este seja um caso similar ao da Escola Base?

RH – Guardadas todas as devidas proporções, usei um recurso de marketing, mencionando um ícone que representa a Injustiça da Mídia, ou seja, a Escola Base. Escola Base, que tratou de um caso gravíssimo, que nem se compara a este caso, é o expoente, a prova máxima do mártir, crucificado publicamente de forma injusta, sem provas. Um fato que não aconteceu foi transformado em verdade pela mídia. Dramatizei para chamar a atenção.

LSP – A Internet é um ‘território livre’. Como lidar com as denúncias online?

RH – O mundo, felizmente, é um território livre. A diferença é que, na Internet, o site da CNN e meu blog são igualmente acessíveis, são só dois endereços diferentes na mesma barra do navegador. Tanta liberdade pode confundir pessoas sem discernimento. Tudo está disponível, a brincadeira é para o internauta, é ele que precisa aprender a separar o joio do trigo, a achar a agulha no palheiro. Muita gente acha impossível achar uma agulha no palheiro. Mas está na própria Internet dois métodos ridiculamente fáceis para tal: se você não quiser preservar o palheiro, queime-o. Entre as cinzas, você encontrará a agulha. Se você quiser preservar a palha, use um ímã e você encontrará a agulha. Acho, que além da ética, falta também um Ministério do Bem Senso. Ou talvez um curso de bom senso para profissionais de comunicação.

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Na próxima coluna, a palavra da Comissão e dos críticos do programa aqui citados.’



QUALIDADE NA TV
Leila Cordeiro

‘Fiscalizando A TV’, copyright Direto da Redação (www.diretodaredacao.com), 20/11/05

‘Quantas vezes você já não ouviu a frase ‘no Brasil é sempre assim, tudo acaba em pizza’? Felizmente esse conceito parece que está mudando, pelo menos se levarmos a sério as campanhas contra a baixaria na TV que vêm conseguindo algumas vitórias em sua luta para melhorar o nível da TV brasileira.

Semana passada, a Rede TV chegou a ficar fora do ar por mais de 24 horas por causa do programa Tarde Quente, cujo apresentador, João Kleber, talvez o campeão das baixarias, é acusado de discriminar e ofender homossexuais, humilhar mulheres, armar situações grotescas no quadro Teste de Fidelidade e até simular o próprio desmaio frente às câmeras. Resultado: por ordem da justiça, João Kléber está fora da grade da emissora que terá de rever o conceito do programa para tê-lo novamente no ar.

A Band também botou as barbas de molho ao desistir de transformar água em vinho, ou seja, fazer de Marcia Goldsmith a Ophra Winfrey brasileira. Com certeza, quem teve essa idéia nunca deve ter visto um programa da apresentadora mais influente dos Estados Unidos. Se tivesse, saberia que essa seria uma missão mais do que impossível. Márcia, totalmente ‘plastificada’, virou uma máscara dela mesma, caricata e sem nehuma credibilidade. Seu programa afundou a audiência no horário e a Band não vai mais exibí-lo ano que vem.

Silvio Santos foi outro que resolveu tomar cuidado com a baixaria. Há alguns meses começou a mudar o Programa do Ratinho, tentando fazê-lo mais ‘light’. Mudou o visual do apresentador, o cenário e a linguagem. Mas Carlos Massa, considerado o pai do trash na TV, não se adaptou ao novo estilo e acabou perdendo seu espaço no horário nobre para o jornalismo e novela e, nos corredores da emissora, há quem diga que o apresentador corre o risco de não ter seu contrato renovado.

A Globo, é verdade, não tem em sua grade nenhum programa desse nível, em compensação usa e abusa de cenas eróticas e nus em horários impróprios. No afã de colocar no ar carinhas bonitas e novas, o controle de qualidade dos talentos anda meio em baixa na emissora, tanto que botaram uma amadora que nem sequer é atriz para fazer o papel principal da atual novela das sete. Bang-Bang é uma novelinha sem graça que não emplacou e é um dos maiores fracassos da emissora nos últimos tempos, tanto que já se anunciou que o folhetim será cortado em trinta capítulos.

Além da trama ruim, a novela tem como protagonista a ex-VJ da MTV, modelo e manequim fotográfico, Fernanda Lima, totalmente inexperiente para o trabalho de atriz. A moça é uma unanimidade, virou assunto nas últimas semanas em todas as colunas de crítica de TV. Não sabe representar e parece que nem se esforça para aprender. O jeito é arrogante e não combina nada com o comportamento das verdadeiras atrizes.

De qualquer maneira, ela é a menos culpada. Culpa tem quem escalou uma pessoa que não é do ramo para fazer o papel principal numa história o que também não deixa de ser uma baixaria com o público e com dezenas de atrizes profissionais e muito mais competentes que foram esquecidas. O pior é que, segundo as colunas especializadas, existe um envolvimento amoroso entre ela e o diretor da novela. Será que isso teve alguma influência na escalação do elenco? Bom, mas isso é outra história, assunto para outra coluna.

Apesar das pequenas vitórias que a campanha contra a baixaria vem conquistando, há ainda muito o que fazer na programação das TVs abertas. Há outros filhotes da baixaria ainda no ar, abrindo a boca para emitir conceitos e opiniões sem nenhuma qualificação. Asneiras são ditas sem responsabilidade e acusações lançadas impunemente. Um verdadeiro festival de besteiras.

Por isso é importante dar força a esses movimentos de cidadania e ao Ministério Público que têm lutado contra os abusos e distorções cometidos pela TV, um veículo que pertence à sociedade já que se trata de uma concessão do governo. Se for preciso cassar concessões ou tirar emissoras do ar, que o façam sem piedade, em favor de milhões de telespectadores, especialmente crianças e adolescentes, que não merecem a baixaria que lhes é imposta por programas que não deveriam entrar nos lares brasileiros.’