Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carlos Chaparro

‘O XIS DA QUESTÃO – Há que separar o proselitismo ideológico ou partidário, fraudador da notícia, da perspectiva ética que deve orientar a ação jornalística, que se exige crítica, sim, mas sem fraudar a linguagem do jornalismo, na qual a sociedade acredita.

1. Jornalismo ou ação política?

Em cenários de emocionantes conflitos políticos, como os que compõem a atual crise brasileira, o bom jornalismo está sempre obrigado ao dever de atribuir valor aos fatos. Dever que é também aptidão. Afinal, a noticiabilidade dos fatos não está no que eles são, mas no que valem. E não há como bem narrar sem a aptidão intelectual de assumir pontos de vista, a partir dos quais os fatos passam a significar algo e se tornam compreensíveis em sua complexidade.

Como só há jornalismo onde há conflito, o exercício do dever e da aptidão de atribuir valor aos fatos pressupõe a capacidade de escolher com lucidez referenciais que funcionem, na linguagem do jornalismo, como fonte de critérios para a arte de narrar com veracidade e clareza.

O ideal seria que o referencial preponderante fosse sempre o das razões éticas, relacionadas com princípios e valores convenientes à própria sociedade e ao rigor que socialmente se exige da linguagem jornalística. Mas, nas contradições que afetam o jornalismo real, o dever de atribuir valor aos fatos leva, por vezes, redações e jornalistas a escolhas político-ideológicas, quando não partidários, com alinhamentos que influenciam as práticas jornalísticas. Às vezes, alinhamentos tão organizados que acabam ganhando formas de sub-sistemas de poder, para o controle de pautas e abordagens.

Será isso jornalismo ou ação política?

Para alimentar a discussão,que não pode ser linear, alongo um pouco mais o texto.

2. Honestidade intelectual

Trata-se de uma velha discussão, que os confrontos político-partidários das democracias representativas mantêm viva. Na Europa parlamentarista, por exemplo, as ações partidárias se dão na mídia, em especial no tempo e nos espaços do jornalismo, mais do que nos parlamentos. Todos querem ter direito ao benefício da difusão jornalística, para a afirmação das suas verdades e dos seus interesses no debate público, de preferência, sem o contraponto da crítica e dos argumentos contrários. Por isso, com ou sem razão, quando grupos ou segmentos políticos – à esquerda, à direita ou ao centro – se sentem prejudicados pelo relato jornalístico do que dizem e fazem, logo surge a crítica feroz a esse jornalismo de ‘intervenção política’, chamado de ‘jornalismo engajado’. Ou ‘jornalismo de causas’, como os teóricos preferem.

No fundo, o que se questiona ou reclama é a tão desejada e difícil virtude da independência jornalística. Todos a querem. Mas também todos a temem. E a discussão acaba sendo prejudicada pela particularidade dos interesses envolvidos, cada um querendo todas as brasas para a sua sardinha.

No debate mais freqüente, os que acusam as redações de praticarem ‘jornalismo de causas’ entram na polêmica com os tradicionais e obtusos argumentos da objetividade. Em vez de ‘causas’, aos leitores deveriam ser oferecidos os fatos, dizem, porque só os fatos são relevantes para a percepção da realidade.

Na argumentação oposta, os que defendem o ‘jornalismo de causas’, lembram que as causas se vinculam a uma visão ética do mundo. Boas causas, portanto: a causa dos oprimidos, dos injustiçados, dos espoliados, dos roubados, dos politicamente enganados.

O grande problema, a dificuldade maior, está na obrigação essencial de preservar a virtude da veracidade, própria da linguagem jornalística. Sem veracidade não há jornalismo.

Do jornalismo se exige, portanto, honestidade intelectual para perceber onde está a fronteira que separa o proselitismo ideológico ou partidário, fraudador da notícia, da perspectiva ética que deve orientar a observação, o relato e a análise que o jornalismo deve fazer, preservando a natureza da linguagem jornalística.’



REPÓRTER-TORCEDOR
Marcelo Russio

‘Passando a perna nos colegas’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 12/7/05

‘Olá, amigos. Não é de hoje que escutamos histórias sobre comportamentos estranhos de colegas jornalistas no exercício de sua profissão. Jabás, invenção de notícias, matérias que não dizem bem o que o entrevistado disse, essas coisas. Isso, infelizmente, é comum, e seria ingenuidade demais dizer que esse tipo de coisa não existe, ou que acontece por acaso. Mas hoje, especificamente no jornalismo esportivo, existe um outro tipo de prática, tão ruim ou pior do que as citadas anteriormente: a do repórter-torcedor.

Eu explico: o repórter-torcedor é aquele que arma para cobrir apenas o seu time, para ir aos jogos e fazer o dia-a-dia exclusivamente do time do coração. Até aí, é ruim. Mas o pior mesmo é quando essa armação começa a prejudicar o trabalho de outros colegas. Não é raro saber que repórteres-torcedores pagam do seu bolso passagens e hospedagem para viajar junto com os clubes, desde que tenham a garantia de que terão grande destaque na cobertura de um determinado jogo ou evento.

Para quem manda nos jornais, rádios ou sites, salvo aqueles que se preocupam com o conteúdo, é um bom negócio. Não há praticamente gasto, e tem-se no local do jogo um repórter empolgado para trabalhar. Mas e como ficam aqueles repórteres que ralam o ano inteiro e, quando chega a oportunidade de cobrir uma Copa do Mundo, uma Libertadores da América ou uma Olimpíada, são preteridos por aquele que apenas por bancar do próprio bolso vai em seus lugares? Pode parecer surreal, mas isso acontece muito no jornalismo esportivo, especialmente nas rádios, veículos em que o faturamento é menor que os das TVs e que, por isso mesmo, qualquer custo reduzido é bem-vindo?

Os problemas desse cenário são muitos:

* Insatisfação dos que são preteridos pelo tal repórter;

* Provável perda de qualidade nas transmissões, uma vez que quem é bom MESMO não precisa pagar para trabalhar;

* Mostra da falta de preocupação com o conteúdo por parte dos chefes de redação e diretores, que por vezes parabenizam esses repórteres por ‘vestirem a camisa’ de uma forma tão ‘heróica’;

* Penúria dos meios de comunicação que aceitam esse tipo de prática;

* Quem compra o direito de viajar, certamente pode se vender a quem pagar mais para ter uma notícia ‘favorável’.

Finalizando, é bom que se separem duas situações: há repórteres que pagam para garantir a sua vaga, tirando a de quem viajaria por merecimento e competência, e há aqueles que pagam para ir, pois o seu veículo (jornal, rádio ou site) não mandaria NINGUÉM. Essa situação é um pouco diferente, já que o repórter não está passando a perna em ninguém, mas sim realizando um projeto pessoal e, de quebra, cobrindo um evento.

De um jeito ou de outro, o que não pode acontecer é um profissional ser penalizado pela falta de visão editorial ou empresarial de executivos que olham para planilhas de custos com mais carinho do que para as redações e para os seus produtos finais. Vamos torcer para que tudo mude.’



BOM MOMENTO
Mario Lima Cavalcanti

‘Bom momento para a criação de veículos’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 12/7/05

‘Parando um pouco pra pensar, nunca estivemos em uma época tão boa para a criação de publicações online. Hoje temos no universo que cerca a mídia digital equipamentos e programas a baixo custo, recursos gratuitos para divulgação, publicação e comunicação e facilidade de conseguir fontes e novos contatos. Rich Gordon, veterano norte-americano de jornalismo online e colaborador do E-Media Tidbits, foi bem feliz ao pinçar (aqui) no último dia 6 de julho um post de Joe Kraus – um dos fundadores do clássico portal Excite – que sugeria em seu weblog que ‘é uma grande hora para ser um empreendedor’.

Kraus, agora CEO e co-fundador da JotSpot, empresa de soluções para publicação colaborativa, exemplifica que foram necessários US$ 3 milhões em fundos para lançar o Excite em meados dos anos noventa enquanto sua nova empresa precisou apenas de US$ 100 mil. A diferença, segundo o empreendedor, está em quatro engrenagens principais: equipamentos mais baratos [se comparado aos preços da época do boom da Internet]; software livre [a popularização de sistemas operacionais como o Linux e suítes de programas de escritório como o Open Office]; terceirização de tecnologia [pode-se entender aqui a contratação de empresas de desenvolvimento para se desenvolver algum recurso adicional]; e marketing de ferramenta de busca (search-engine marketing) [a simples inclusão de um sítio no índice de ferramentas de busca como o Google já é um diferencial, mas incluem-se aqui também técnicas para tornar um sítio mais visível em mecanismos de procura].

Transferindo a idéia de Kraus para plano do jornalismo online, é possível criar um veículo online a baixo custo e em curto prazo. O retorno financeiro, no entanto, pode depender de outros esforços do empreendedor. Mencionei algumas vezes aqui na coluna weblogs como o PaidContent.org e o Holovaty.com, montados por profissionais de renome e que conseguiram uma certa auto-sustentação. Um weblog; uma idéia; divulgação; dedicação e profissionalismo. Tirando o fato de ambos os veículos pertencerem a profissionais com experiência em meio digital, pode-se dizer que estas são as engrenagens que os movem.

Criar uma publicação virtual não significa montar uma grande redação com uma infra-estrutura luxuosa, ainda mais nos dias de hoje, com a frágil e imprevisível economia global. O rio navega em uma nova direção e diz respeito a outras engrenagens importantes como ética, segmento e organização (o teletrabalho, que inclui todo um processo organizacional para se trabalhar em casa, e as inúmeras obras já lançadas sobre o assunto estão aí para mostrar isso). Com um pouco de astúcia a facilidade de publicar algo na Internet pode se transformar em algo sólido e duradouro.

Em tempo:

A teoria de Joe Kraus dos quatro principais fatores que demonstram a boa época para se empreender pode ser lida (em inglês) na íntegra em seu weblog.’



LÍNGUA VIVA
Deonísio da Silva

‘Uma temporada no purgatório’, copyright Jornal do Brasil, 18/7/05

‘Fazer inquérito, ou fazer o competente inquérito, como gostam de dizer os delegados de polícia, é tarefa de pesquisa habitual para cientistas e jornalistas. Mas, no português coloquial, suas vinculações mais visíveis são com procedimentos policiais e judiciários, como sabem advogados, promotores, juízes ou outros que arrebatam suas funções, como é o caso dos parlamentares em tempos de CPIs.

Entretanto, a palavra inquérito, antes de chegar às delegacias, aos laboratórios, às pesquisas de campo, à imprensa e aos parlamentos, apareceu num livro sobre a vida burguesa de Portugal no século 19. É Uma família inglesa, romance de Júlio Diniz, pseudônimo do escritor português Joaquim Guilherme Gomes Coelho, que morreu precocemente aos 32 anos. Dele é muito conhecido As pupilas do senhor reitor, romance publicado um ano antes, em 1867.

Inquérito veio do latim vulgar ‘inquaeritare’, radicado originalmente nas formas do latim culto ‘quarere’ e ‘quaeritare’, as três com o significado de procurar, buscar, informar-se.

Em antigos escritos latinos um dos verbos que lhe deu origem, ‘quarere’ (perguntar, procurar), aparece abonado em exemplos como seguem: ‘quarere de morte alicuius’ (fazer inquérito sobre a morte de alguém) e ‘quarere unum coelum aut innumerabilia’ (fazer inquérito para descobrir se havia um único céu ou céus inumeráveis).

O primeiro situa-se em terreno quase doméstico. A pessoa morria sem que se soubesse de quê. Fazia-se o inquérito para que todos soubessem do que ela tinha morrido, pois às vezes tinha sido envenenada. Foi, pois, a arte de envenenar que trouxe ‘inquérito’ para o terreno policial e judiciário.

No segundo exemplo, o contexto é teológico. Bom tempo a Idade Média! Ao contrário de hoje, quando reina absoluta a economia, quem mandava era a teologia. O povo era levado a pensar se havia mais do que um Céu, mais do que um Inferno, se os anjos tinham sexo, se as mulheres tinham alma etc. Inventado para redimir os agiotas na outra vida, desde que nessa doassem parte dos juros auferidos à Igreja, o Purgatório, com seu fogo brando e passageiro, logo foi aceito por todos, pois a alternativa eram as chamas violentas e perpétuas do Inferno.

Arthur Rimbaud, contemporâneo de Júlio Diniz, tem um livro justamente com o título herético de Uma temporada no inferno, na competente tradução do jornalista e escritor gaúcho Janer Cristaldo, onde lá pelas tantas se lê: ‘a quem alugar-me? Qual besta é preciso adorar? Que santa imagem ofender? Que corações devo quebrar? Que mentira devo sustentar? – Em que sangue caminhar? Antes de mais nada, cuidar-se da justiça’. É leitura indispensável para corruptos e corruptores, quase um manual de instruções.

Purgadas mais nas delegacias de polícia, na imprensa e nos parlamentos do que no Judiciário, velhas corrupções migram rapidamente para Juizados de Pequenas Causas e somem da imprensa. Em seu lugar vêm as novas, que logo tomam o mesmo destino.

Uma temporada no Purgatório é um bom negócio para todos os envolvidos. Isto é, o competente inquérito pune apenas quem não puder ou não quiser negociar a remissão dos pecados.’