Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Carlos Franco

‘O cineasta Arnaldo Jabor, de 63 anos, ficou estarrecido com o teor da minuta do projeto de lei do governo que cria a Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav). Ele acredita que essa proposta é a expressão de um poder que tem duas cabeças: uma que funciona durante o dia e defende a democracia, e outra que se reúne à noite, em células stalinistas, para negar essa mesma democracia. Jabor se refere ao ditador russo Josef Stalin (1879-1953), que governou a antiga União Soviética com mão de ferro de 1924 a 1953. ‘Essa proposta pode ser resumida a uma frase: a Albânia ataca’, diz, referindo-se ao país europeu onde as idéias de Stalin resistiram até o fim dos anos 90.

Para o diretor de filmes como Pindorama (1970), Toda Nudez Será Castigada (1973), O Casamento (1975), Eu Te Amo (1980) e Eu Sei Que Vou Te Amar (1984), com essa atitude o governo agride a liberdade de expressão e corre o risco de interromper um momento de renascimento do cinema. ‘Hoje, o cinema brasileiro está revigorado, é uma indústria que cresce e esse tipo de atitude só serve para criar turbulências.’

Jabor poupa o presidente Lula dos ataques que faz ‘àquelas mentes stalinistas, de uma esquerda que não sabe conviver com o sucesso e tem influência nesse tipo de atitude, a turma do turno da noite’. No turno da manhã ele inclui o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e até o ministro da Cultura, Gilberto Gil, que, acredita, esteja ouvindo essas vozes do atraso.

‘Corremos o risco de que o chavismo prolifere, se leis como essas tiverem respaldo’, argumenta, referindo-se ao estilo de governo do presidente venezuelano, Hugo Chávez.

Jabor faz até uma defesa veemente do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que acredita ser vítima de uma ‘oposição ressentida pelo sucesso da política econômica com uma parte do poder ressentida porque os que pensam de dia eliminam as teses dos que agem de noite’. A seguir os principais trechos de sua entrevista:

Estado – O que achou do projeto que cria a Agência Nacional de Cinema e Audiovisual?

Arnaldo Jabor – O importante não são os detalhes e o conteúdo do projeto, o grave é que a cabeça desse governo é dividida ao meio: metade finge ser liberal e a outra metade é soviética stalinista. No fundo, e isso mais que o texto, o que me preocupa e preocupa a todos que defendem a liberdade de expressão é que há um desejo neste governo, que é característico da antiga esquerda, de controlar o mundo, de controlar a realidade ao seu redor. É isso que está por trás dessa proposta. Se não fosse o núcleo duro desse governo, com ministros como Palocci, Furlan, Roberto Rodrigues, Ciro Gomes e Meirelles no Banco Central, o governo estaria perdido. Lula é um homem inteligente, bem intencionado, mas há vozes que o cercam. Há um perigo real que o ronda. Há um chavismo rondando decisões como a de criar regras para o cinema e o jornalismo. E há um conflito claro entre a cabeça que pensa de dia, que é liberal, e a que pensa à noite, que é stalinista. O presidente está no meio desse conflito.

Estado – Então, o sr. acha que essa lei é fruto do conflito entre essas duas correntes?

Jabor – E isso ocorre sem necessidade nenhuma, num momento de vitalidade do cinema nacional. Isso é resultado de uma mão que tem vários dedos. Essa questão do Meirelles, eu acho um absurdo. Ficar aporrinhando esse sujeito porque mandou US$ 50 mil há dois anos para o exterior é uma besteira diante da importância do Banco Central. Você vê dedos querendo acabar com uma sensatez macroeconômica, não sei se o José Dirceu (ministro da Casa Civil) ou o desenvolvimentista do Carlos Lessa (presidente do BNDES), mas há vozes que querem quebrar o equilíbrio macroeconômico. Tudo porque de um lado há uma restrição da política econômica e de outro um desejo incontido de populismo, que se prevalecer pode levar o País para o buraco, e também as atividades econômicas, como o cinema.

Estado – E Gilberto Gil?

Jabor – Essas vozes do atraso também estão rondando o Gil, que é um homem inteligente. Um compositor inteligente, um dos criadores do movimento tropicalista. Ou você imagina o Gil compondo músicas de conteúdo ligado ao desenvolvimento social? Teria de compor músicas em defesa da reforma agrária, em louvor do MST. Teríamos de criar peças teatrais sobre a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e, quem sabe, fazer um filme do tipo A Vida Privada de d. Tomás Balduíno.

Estado – Mas seus formuladores dizem que a criação da agência nacional significará mais verbas para o cinema.

Jabor – Durante vários anos o cinema brasileiro foi fruto de uma estranha combinação. Nos anos 70 e 80, o cinema viveu das migalhas do dinheiro que foi enviado pelo mercado financeiro internacional e o que sobrava o Estado repassava para a Embrafilme financiar projetos. A Embrafilme não impunha regras, do tipo faça isso ou faça aquilo, mas criou um modelo perverso porque o filme não tinha a menor importância. O investimento em cinema era a fundo perdido e isso corrompeu o cinema, que precisa ser competitivo.

Precisa do desafio do mundo real da bilheteria. Se nos anos 70, foi uma conquista, esse modelo nos anos 80 gerou déficit monumentais, entre obra e bilheteria, criou uma distorção e foram muitos os filmes ruins produzidos.

Estado – E depois disso?

Jabor – As regras de hoje nunca foram tão boas. A Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual ajudaram o cinema nacional a se reerguer, a reencontrar seu público. Os filmes hoje estão melhores, fazem sucesso de público. O cinema nacional está tendo um crescimento de 200% do público.

Estado – E o projeto de lei?

Jabor – Essa lei é coisa de velhos bolchevistas stalinistas e burros que estão incrustados no governo. Querem transformar o cinema numa coisa soviética, numa atitude jdanovista (do ministro da Cultura da ex-URSS Andrei Jdanov) de ‘servir’ ao desenvolvimento, com o desejo de interferir na realidade ao redor. O cinema brasileiro quebrou de 1990 a 1995, e agora que renasceu querem mexer num time que está ganhando. É lamentável que no século 21 o Brasil venha a virar soviético. Essas ameaças populistas têm de ser combatidas. É um indício de chavismo no horizonte. Na dificuldade de criar uma alternativa à política macroecônomica restritiva, passar para a desenvolvimentista sem quebrar o País, isso pode levar a um atalho simplista, muito parecido com o populismo chavista na Venezuela. É um absurdo que o PT mande representantes para defender a permanência desse demagogo, desse caudilhista, desse populista no poder na Venezuela. Isso é ridículo, como é ridículo você querer controlar a realidade ao seu redor, como no caso do cinema e do jornalismo.’



Milton Neves

‘Lula, ‘o jornalista’’, copyright Site oficial do Milton Neves (www.miltonneves.com.br), 4/08/04

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou ao Congresso projeto criando o Conselho Federal de Jornalismo, com poderes para ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ o exercício da profissão e a atividade jornalística. O conselho poderia até punir jornalistas. Outra função seria ‘zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe’. O presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Maurício Azêdo, disse temer que a criação do conselho represente ‘uma violação da ordem democrática’. Sim, está aí na praça uma bela polêmica e toda opinião é livre e válida. No que tange à crônica esportiva, ou especificamente no jornalismo futebolístico, infinitamente menos importante do que o jornalismo político e econômico, será que o tal ‘Conselho Lulístico’ não seria mesmo um bem para disciplinar o ‘trabalho’ de muito pretensioso redator-chefe da editoria de ofensa gratuita e de patrulha por aí? Ora, ofende-se a torto e a direito, sob o guarda-chuva e a proteção da liberdade de imprensa, e depois o que se vê é gritaria histérica quando o suposto facínora da palavra é chamado às barras da justiça. Longe de ser uma certeira pitonisa, e confessando que jamais imaginaria que o presidente tomasse tal atitude, mas aqui escrevi, dia 06 de junho de 2004, um artigo intitulado ‘Patrulha Eterna’ (em meu site) e ‘Reflexão’, aqui no Agora, lembrando o seguinte: Olha, jornalista esportivo não vive dizendo que o futebol tem que ter limite de faltas para o jogador reincidente crônico ser excluído da partida? No jornalismo esportivo deveria ser assim também. Aquele que hipócrita e covardemente se utiliza da legítima liberdade de imprensa para, como franco-atirador maldoso, tornar-se um facínora da palavra ou delinqüente verbal contumaz, esse irresponsável deveria estar sujeito à uma ‘tabela de reincidência’. Ou seja, reincidindo X vezes no mesmo crime seria convidado a mudar de profissão por X tempo. A OAB não é dura assim com os seus advogados faltosos? O CREA não expurgou o ‘engenheiro’ Sérgio Naya? O grande jurista Thales Castelo Branco defende qualquer bandido, seja qual for seu crime. Mas, uma vez só. Reincidindo no mesmo artigo, seu cliente é convidado a procurar outro advogado. Ora, nós jornalistas não criticamos tão violentamente a nociva imunidade parlamentar? Eu quebrei a de Eurico Miranda. ‘Liberdade de imprensa’ utilizada ‘1000’ vezes para ofender gratuitamente a honra de invejados não configura uma espécie também nociva de ‘imunidade parlamentar’? Gente, ‘língua e dedos podres’ têm mais poder de destruição do que o revólver. Vamos trabalhar, pessoal, esquecer a vida alheia, melhorar nossa produção profissional e abrir novas vagas no apertado mercado de trabalho. Profissionais importantes como Orlando Duarte, Juarez Soares, Edemar Annuseck, Ennio Rodrigues, Barbosa Filho, Roberto Petri, Luiz Noriega, Sérgio Orindi, Luis Carlos Machado, só para citar alguns, estão desempregados ou sub-empregados. É justo? E olha que só falei de gente de mídia eletrônica.’ É o que penso sobre o tal ‘Conselho’ pretendido pelo presidente Lula, mas apenas no âmbito do mundinho da crônica esportiva. E, se efetivado, será que o Conselho Federal de Jornalismo achará normal um jornalista ter relação comercial com a empresa do entrevistado e escamotear o fato de seu leitor-consumidor? O que vocês acham, ‘independentes’?’



Carlos Marchi

‘Jornalistas condenam projeto de conselho federal’, copyright O Estado de S. Paulo, 7/08/04

‘Uma ampla condenação de profissionais e lideranças da imprensa desabou sobre o projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo, que o governo enviou ao Congresso esta semana, e que contém uma série de normas que são apontadas como tentativa de controle da imprensa. ‘A idéia é pelega e estadonovista’, disse o jornalista Alberto Dines, diretor do Observatório da Imprensa. ‘É de teor repressivo’, afirmou o jornalista Maurício Azedo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). ‘É extremamente perigoso’, destacou o jornalista Audálio Dantas, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.

O líder do PFL na Câmara, deputado José Carlos Aleluia (BA), qualificou o projeto como ‘uma mordaça da mídia’. Segundo ele, o projeto ‘é inaceitável, é um ato arbitrário, um viés absolutista’. Ele disse que a oposição vai lutar para rejeitar o projeto. ‘Já querem amordaçar o Ministério Público e agora, sem conseguir controlar os meios de comunicação, o governo quer punir os jornalistas. Mordaça na mídia, não’, rechaçou. O líder do governo na Câmara, deputado Professor Luizinho (PT-SP), não quis se comprometer com o projeto: disse que, se houver algo errado com ele, o Congresso fará mudanças.

Poder – O projeto só recebe o apoio incondicional da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). A presidenta da Fenaj, jornalista Beth Costa, que o projeto é ‘uma forma de luta, porque a distribuição da informação no Brasil não é plural, porque o modelo permite a concentração nas mãos de grupos econômicos, como não ocorre em nenhum outro país’. Beth admitiu, no entanto, que o projeto concentra o controle do futuro Conselho nas mãos do grupo que hoje domina a Fenaj – e que é ostensivamente ligado ao PT – já que todos os 10 integrantes da comissão provisória que assumiria o Conselho seriam indicados pelo Conselho de Representantes da Fenaj.

Controle – O jornalista Ali Kamel, embora ressalvando que falava como profissional, e não como Diretor de Jornalismo da Rede Globo de Televisão, disse ser ‘absolutamente contra o projeto’. Para ele, ‘jornalismo não pode ser exercido sob nenhuma forma de pressão e esse Conselho seria uma forma de pressão sobre a atividade jornalística’. Já o professor de Ética Jornalística Carlos Alberto di Franco, acha que o projeto ‘é uma clara tentativa de controle da imprensa’. Ele afirmou que os jornalistas ‘não podem estar submetidos a formas de punição controladas pelo governo’.

Quase todos os jornalistas ouvidos pelo Estado defenderam que não faz sentido criar um conselho federal para jornalistas, uma profissão que trabalha com a apreensão de fatos e idéias, que são transmitidos à população. ‘O projeto tem um certo sentido de imitação’, constata o presidente da ABI, jornalista Maurício Azedo, observando que a criação do CFJ se espelha de forma simplista nas outras profissões liberais.

‘Conselhos existem para profissões liberais e jornalista, em geral, é assalariado’, disse Azedo. Ele também percebeu que o projeto prevê a fiscalização da profissão, mas não regula essa fiscalização.’

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‘Orientar e disciplinar, verbos perigosos’, copyright O Estado de S. Paulo, 7/08/04

‘O projeto que cria o Conselho Federal de Jornalismo é, claramente, ‘uma forma disfarçada de controlar a imprensa’, avalia o professor Carlos Alberto di Franco. ‘Por que diabos o governo pensa que pode ser tutor do que é bom e o que não é bom para ser publicado e para ser lido pelo povo brasileiro?’, pergunta ele, contrariado.

‘Eu não tenho medo da atual direção da Fenaj, tenho medo é do guarda da esquina’, ironiza, a respeito do Conselho, o jornalista Audálio Dantas. O ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo estranhou a presença, no texto do projeto, dos verbos ‘orientar’ e ‘disciplinar’. ‘Estes verbos são incompatíveis com o exercício da atividade jornalística. Toda vez que eles aparecem em regulamentos de governos que tentam disciplinar ou orientar a imprensa, os resultados são trágicos, afundamos no obscurantismo’, disse.

‘O abstrato torna-se abrangente’, insiste o presidente da ABI, jornalista Maurício Azedo, ao lembrar que o texto do projeto fala em ‘disciplinar’, ‘orientar’, ‘fiscalizar’, mas não indica o regulamento. ‘Se não há regulamento explícito, pode ser qualquer um. É aí que mora o perigo’, desabafa.

Beth Costa, presidente da Fenaj, rebate a idéia. Ela diz que ‘muitos movimentos sociais, de negros, de índios, reclamam do comportamento da imprensa’. E ela sonha com um modelo em que o CFJ seja estruturado e a atividade dos jornalistas passe a ter um controle externo, através de um conselho integrado por ‘representantes da sociedade civil, da OAB e outras entidades’. Ela pouco se importa que a OAB não tenha convidado jornalistas a tomarem parte em seu conselho. ‘Nós devemos dar o exemplo’, diz.

O professor Laurindo Leal Filho, do Departamento de Jornalismo da USP, aprova a idéia do conselho: ‘A idéia é nobre, mas não pode ser aprovada dessa forma. Não me consta que as universidades tenham sido consultadas. Uma ampla discussão pública é indispensável, até para legitimar a idéia e o projeto’, observa.

Audálio Dantas discorda e alega que qualquer tipo de controle sobre uma profissão que lida com idéias impõe o sério risco de levar ao autoritarismo.

‘Idéias são subjetivas’, argumenta Audálio, ‘e quem as exercita será julgado pelo conselho de forma subjetiva. O que se pretende é julgar idéias e julgar idéias é uma das mais infelizes das invenções humanas’, observa. Ele comenta que os sindicatos de jornalistas foram infestados, nos últimos anos, pela partidarização e que essa partidarização, inevitavelmente, contaminaria o conselho, se aprovado esse projeto.

Ali Kamel aponta que o projeto é uma iniciativa da Fenaj, e não do governo e que, portanto, não se pode responsabilizar o governo por sua lavra. A reação do líder do governo na Câmara, Professor Luizinho (PT-SP), confirma aquele sentimento: ‘Ora, a vida toda ouvimos falar que os jornalistas queriam o conselho, algo semelhante à OAB ou ao Conselho de Medicina’, disse ele ontem. ‘O Congresso existe para isso, para mudar’, disse ele contemporizador, sinalizando que, no caso, o PT não será obstáculo a negociações.’

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‘Os Pontos Mais Polêmicos Do Projeto’, copyright O Estado de S. Paulo, 7/08/04

‘Abaixo, os principais pontos do projeto de lei que cria o o Conselho Federal de Jornalismo e os Conselhos Regionais de Jornalismo.

‘Ficam criados o Conselho Federal de Jornalismo – CFJ e os Conselhos Regionais de Jornalismo – CRJ, com sede nas capitais dos Estados e do Distrito Federal, dotados de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, com a atribuição de orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista, e zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe em todo o território nacional.’

‘O CFJ tem por atribuição pugnar pelo direito à livre informação plural e pelo aperfeiçoamento do jornalismo.’

‘A organização, estrutura e funcionamento do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais, bem como as condições para a inscrição, cancelamento e suspensão da inscrição dos jornalistas ou revisão dos registros existentes e, ainda, a instituição do Código de Ética e Disciplina e as normas complementares de processo, serão disciplinados em seu estatuto e regimento, mediante decisão do plenário do Conselho Federal, podendo ocorrer por decisão do conselho provisoriamente composto nos termos desta Lei.’

‘Compete ao CFJ elaborar, ouvido os Conselhos Regionais, a FENAJ e os Sindicatos, as listas de nomes previstas para o preenchimento de cargos em quaisquer órgãos relativos à Comunicação Social, em que haja a participação de jornalistas, de âmbito nacional ou regional.’

‘Compete ao CFJ fixar normas sobre a obrigatoriedade de indicação do jornalista responsável pelo material de conteúdo jornalístico publicado ou veiculado (…)’ ‘Os conselhos regionais exercerão, nas respectivas jurisdições, as competências e funções atribuídas ao Conselho Federal, no que lhes couber, observando-se as normas gerais estabelecidas nesta lei e nas Resoluções e nos Provimentos por ele baixados. Parágrafo único. Compete privativamente aos Conselhos Regionais, dentre outras a eles atribuídas:

I – editar seu Regimento Interno e Resoluções; II – criar e regular o funcionamento das seções; III – reexaminar, em grau de recurso, as decisões dos respectivos presidentes.

IV – fiscalizar a aplicação da receita, deliberar sobre o balanço e as contas de suas diretorias e das seções; V – fixar tabelas de honorários válidas nas respectivas bases territoriais; VI – deliberar sobre os pedidos de inscrições no quadro de jornalistas; VII – manter cadastro de jornalistas inscritos.’

‘Todo jornalista, para exercício da profissão, deverá inscrever-se no Conselho Regional de sua área de ação, atendendo as condições estabelecidas pelo sistema. Aceita a inscrição, ser-lhe-á expedida pelo Conselho Regional a Carteira de Identidade Profissional, onde serão feitas anotações relativas à atividade do portador.’

‘Constituem patrimônio dos Conselhos as doações, legados, rendas patrimoniais ou eventuais, bens adquiridos, taxas, anuidades, multas e outras contribuições. Constitui título executivo extrajudicial a certidão passada pela diretoria do Conselho Regional competente, relativa a crédito previsto.’

‘No exercício de sua profissão o jornalista deve pautar sua conduta pelos parâmetros éticos definidos no Código de Ética e Disciplina a ser editado por Resolução do Conselho Federal, mantendo independência em qualquer circunstância, sem receio de desagradar a quem quer que seja. >>Parágrafo único. O Código de Ética e Disciplina deverá regular também os deveres do jornalista para com a comunidade, a relação com os demais profissionais e, ainda, o dever geral de urbanidade e os respectivos procedimentos disciplinares, observado o disposto na presente lei.’

‘Constituem infrações disciplinares, além de outras definidas pelo Código de Ética e Disciplina:

I – Transgredir preceito do Código de Ética Profissional; II – Exercer a profissão quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos ou impedidos; III – Solicitar ou receber de cliente qualquer favor em troca de concessões ilícitas; IV – Praticar, no exercício da atividade profissional, ato que a lei defina como crime ou contravenção; V – Não cumprir no prazo estabelecido, determinação emanada do órgão ou autoridade dos Conselhos, em matéria da competência destes, depois de regularmente notificado; VI – Deixar de pagar aos Conselhos, pontualmente, as contribuições a que esteja obrigado.’

‘As penas aplicáveis por infrações disciplinares são as seguintes: I – Advertência; II – Multa; III – Censura; IV – Suspensão do exercício profissional, até 30 (trinta) dias; V – Cassação do exercício profissional, ad referendum do Conselho Federal.’

‘O poder de punir disciplinarmente os inscritos no CFJ compete exclusivamente ao Conselho Regional em cuja base territorial tenha ocorrido a infração, com recurso para instância superior.’

‘O processo disciplinar pode ser instaurado de ofício ou mediante representação de qualquer autoridade, pessoa interessada ou entidade de classe dos jornalistas.’

‘O processo disciplinar tramitará em sigilo, só tendo acesso às informações e documentos nele contidos as partes, seus defensores e a autoridade judiciária competente, respeitado o disposto nesta lei.’

‘Caberá recurso ao Conselho Federal de todas as decisões definitivas proferidas pelo Conselho Regional, quando não tenham sido unânimes ou sendo unânimes, contrariem esta Lei, decisão do Conselho Federal ou de Conselho Regional e, ainda, o Regulamento Geral, o Código de Ética e Disciplina e as Resoluções dos Conselhos Federal e Regionais.’

‘Todos os recursos têm efeito suspensivo, exceto quando tratarem de eleições, de suspensão preventiva acerca do cancelamento de inscrição obtida com falsa prova.’

‘Os servidores dos Conselhos Federal e Regional de Jornalismo serão regidos pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho.’

‘Até noventa dias após a posse da primeira diretoria do Conselho Federal de Jornalismo, a competência para a emissão da carteira de identidade profissional, prevista na Lei 7084, de 21 de dezembro de 1982, permanecerá como a Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais – FENAJ.’

‘A primeira composição do Conselho Federal de Jornalismo será provisória e contará com dez jornalistas profissionais efetivos e dez suplentes, indicados pelo Conselho de Representantes da Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais, e tomará posse no máximo em sessenta dias após a publicação desta Lei.’

‘O mandato dos conselheiros provisórios a que refere este artigo terá duração máxima necessária para organizar a eleição de cinco Conselhos Regionais e, caso ultrapasse dois anos, o Conselho de Representantes da Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais indicará nova diretoria provisória, nos moldes do caput, para ultimar a eleição dos cinco Conselhos Regionais.’’

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‘Kotscho defende Conselho de Jornalismo’, copyright O Estado de S. Paulo, 10/08/04

‘O jornalista Ricardo Kotscho, secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência, defendeu a idéia de criar o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), afirmando que se trata de uma antiga reivindicação da categoria, discutida em vários congressos promovidos pela Federação Nacional dos Jornalistas. Kotscho disse que o projeto enviado pelo governo ao Congresso ‘não é definitivo’ e está aberto a negociações indicadas pelo debate.

‘Quando o governo enviou o projeto, pretendeu colocar o debate na mesa’, afirmou Kotscho. E convocou os jornalistas brasileiros: ‘Vamos debater. O projeto do governo não é um texto fechado.’ Ele repetiu isso várias vezes, lembrando que o governo está aberto à discussão e, no âmbito da negociação, fará as mudanças que forem defendidas pela maioria dos jornalistas brasileiros. Kotscho entende que a existência do CFJ vai enobrecer a função jornalística, que estará, com ele, equiparada a outras profissões liberais.

A Federação Nacional dos Jornalistas distribuiu nota em que afirma que ‘é essencial que a categoria e a sociedade possam contar com um instrumento como o CFJ, que estará a serviço do interesse público, da ética, da pluralidade no jornalismo. Na nota, a federação argumenta também que o ‘CFJ vem justamente para enfrentar e combater a manipulação da informação, a distorção de fatos e as práticas jornalísticas que privilegiam interesses escusos em detrimento do cumprimento da função social do jornalismo’.

Oportunidade – O jornalista Audálio Dantas, ex-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas e do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, também avaliou ontem que a proposta de criar o CFJ é uma excelente oportunidade para ampliar o debate em torno das questões da mídia no Brasil. Mas ele advertiu que essa discussão deve ter muita atenção, para afastar aspectos que possam limitar a liberdade de expressão e informação.

Audálio vê com bons olhos a criação do CFJ, mas revelou temer pela liberdade de imprensa quando viu no projeto do governo a insistência em usar os verbos ‘orientar’ e ‘disciplinar’. Ele afirmou que a imprensa livre não comporta nenhuma forma de ‘orientação’ ou de ‘disciplinamento’ dos governos.

Audálio aceita o debate proposto pelo presidente do PT, José Genoino, e pelo secretário de Imprensa da Presidência. E faz uma proposta: que se estude a ampliação das atribuições do Conselho de Comunicação Social, criado pela Constituição de 1988 e instalado em 1991, que é órgão auxiliar do Congresso.

Segundo ele, o Conselho de Comunicação Social já está em funcionamento e é um foro democrático e representativo, pois tem representantes dos setores profissionais, patronais e da sociedade civil.

Já o ex-ministro do Trabalho Paulo Paiva, atual vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), classificou de ‘um retrocesso à era Vargas’ a idéia de criar o Conselho Federal de Jornalismo, por causa do corporativismo. ‘Quando fui ministro do Trabalho tentei acabar com eles, mas não foi possível. Ao menos, não aceitei regulamentar nenhuma nova profissão durante aquele período. É lamentável ver esse retorno ao passado corporativista.’’



Dora Kramer

‘Grande companheiro’, copyright Jornal do Brasil, 6/08/04

‘Na ficção de George Orwell, o controle da sociedade pelo Estado dava-se através da permanente vigilância do ‘Grande Irmão’.

Na realidade sonhada pelo governo do PT, e agora assumida como proposta de lei, tal fiscalização dar-se-ia através do Conselho Federal de Jornalismo, uma espécie de ‘grande companheiro’, com a função de ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ as atividades jornalísticas e, quando for o caso, punir jornalistas desobedientes à disciplina, à orientação e às regras da fiscalização impostas pelo Estado já devidamente aparelhado por um partido.

É possível dizer várias coisas a respeito dessa idéia materializada em projeto de lei enviado há dias ao Congresso – e diremos algumas a seguir -, só não se pode duvidar da ousadia de seus autores.

O desejo do controle e da restrição é inerente a qualquer governo. O cerne do autoritarismo, ainda que bem disfarçado quando há pudores a serem preservados, não tem ideologia.

Mesmo Fernando Henrique Cardoso, cujas relações com a imprensa e a liberdade de expressão foram de reconhecida correção, teve seus momentos de delírios restritivos.

Nada parecido com o que propõe agora o presidente Luiz Inácio da Silva, num acesso de dirigismo tão despudorado que ignora o preceito constitucional sobre o direito do cidadão à informação e à livre opinião.

Em 1998, FH pronunciou-se chamando às falas a imprensa no tocante à responsabilidade sobre o conteúdo das publicações. Na ocasião, foi lembrado de que tal manifestação caberia perfeitamente ao cidadão Fernando Henrique fazer, mas não ao presidente da República.

Pelo simples fato de que a defesa de limites à liberdade de imprensa quando parte do Estado deixa de ter o caráter de manifestação de opinião, para assumir um viés indubitavelmente autoritário. Ainda que a abordagem aponte erros verdadeiros e correções necessárias.

As relações entre a sociedade e os canais através dos quais ela toma conhecimento do que se passa obviamente devem ser reguladas, mas pelo bom senso, pelas normas de mercado (informação, veículos e jornalistas sem credibilidade costumam ser péssimos negócios ) ou pela Justiça quando há infração às leis.

A tutela de conselheiros nomeados pelo Estado cria restrições a priori, e liberdade restrita não é liberdade, é, no máximo, uma contradição em termos.

Da mesma forma como abusos na comunicação social perdem apoio da coletividade pela compreensão geral de que acabam por prejudicar a todos indiscriminadamente, a restrição do direito de informar e ser informado termina em subtração coletiva.

É claro que no processo de discussão desse projeto criando um órgão supremo com a função de zelador da ‘fiel observância dos princípios de ética e disciplina’ jornalísticas, seus proponentes negarão quaisquer relações com o conceito de censura.

Meras palavras. E, se é para pegar pela palavra, tomemos o significado, na língua portuguesa, do ato de censurar: ‘Fazer reparos, condenar, reprovar’.

Pois é justamente a isso que se propõe o governo através do conselho cujo mote de existência são os reparos, as condenações e as reprovações que existem no Palácio do Planalto e adjacências ao exercício da liberdade de imprensa.

Se não é isso, raciocinemos: qual o objetivo de tal proposição? Ainda mais por iniciativa de um governo de explícitas relações distorcidas com a liberdade de expressão, a começar pela lógica interna da submissão da ação ao pensamento, adotada pelo PT.

O meio é o conselho, mas o fim é o controle da informação. Surpreende é o entusiasmo com que algumas entidades da categoria dos jornalistas receberam a medida.

Como por ingenuidade não é, o apoio só pode ser por cupidez corporativa ante a possibilidade de integrarem uma nomenclatura da comunicação subserviente aos ditames do Estado, com postos e poder garantidos por ele.

A esse tipo de profissional distanciado da atividade-fim e ligado ao dirigismo oficialista, costumava-se dar o nome de pelego. A eles pouco importa a preservação do bem coletivo – no caso, a informação livre -, desde que suas ‘colocações’ no estamento estejam garantidas.

Por isso é preciso atenção para evitar deformações no debate que está por vir. Quais sejam a de atribuir as críticas ao conselho a posições corporativistas, quando é exatamente o contrário. A burocracia controladora proposta atenderá a apaniguados, mas desassistirá a sociedade em seu pluralismo e diversidade.

Não há como não enxergar retrocesso numa proposta que retoma o espírito da previsão não realizada de George Orwell – na qual o autoritarismo venceria no final – e ignora a realidade de um Brasil contemporâneo onde o ‘Big Brother’, carnavalizado pela subcultura da diversão instantânea, no máximo agride ao gosto. Mas este, como o direito à livre opinião e informação, não se discute.’