Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carlos Heitor Cony

‘É bom quando se pode elogiar alguém ou alguma coisa, até mesmo o governo. Bem verdade que se trata de um departamento menor, que não integra a prateleira nobre dos problemas nacionais. Mas vale pelo sentido de integração popular que nos dá cara de povo.

Li nas folhas que o presidente Lula vai ressuscitar a Rádio Nacional, valor afetivo do povo brasileiro, que cumpriu um papel importante nos anos em que ainda não havia TV nem internet, sendo a principal fonte de informações, entretenimento, serviço público e celeiro de nossa arte popular, seja na música, no esporte, na radionovela, nas reportagens e campanhas de interesse público.

Nos anos 40 e até o final dos anos 50, mesmo com o advento das primeiras emissoras de TV, a Rádio Nacional foi a âncora que nos amarrava no Brasil e no mundo. Mal comparando, representava para nós o que a BBC representava para a Inglaterra. Não se podia ir dormir sem antes ouvir as batidas do Big Ben, provando ao mundo que Londres continuava de pé apesar dos bombardeios diários dos aviões nazistas.

Longe dos acontecimentos, nossa Rádio Nacional era menos dramática, mas era bom sabermos que Francisco Alves cantava ‘na carícia de um beijo que ficou no desejo’, que Lauro Borges anunciava o novo ministério do Japão (Te meto Amão Nacara, Catuca Que Kai Asaia), que Dalva de Oliveira fazia aqueles gorjeios deliciosamente cafonas, que o Sombra garantia que nunca se sabe o mal que se esconde no coração dos homens.

Pode parecer que com a TV tudo isso tenha se desativado. Não é verdade. A audiência de rádio continua em alta, Xexeo e eu mantemos um programa na CBN que atinge todo o território nacional, é impressionante o retorno, somos abordados nas ruas, nos aviões, nos táxis, gente concordando ou discordando de nós.

Reinaugurando a Rádio Nacional, o governo faz o Brasil voltar a ser Brasil.’



Antônio Gois

‘Rádio Nacional reestréia no dial’, copyright Folha de S. Paulo, 3/07/04

‘A Rádio Nacional, do Rio de Janeiro, estreará hoje sua nova programação com o desafio de voltar a ser referência no rádio depois de um longo período de declínio. Criada em 1936, a emissora estatal tenta recuperar parte do prestígio que teve nas décadas de 40 e 50, quando inovou criando programas e uma grade de programação que inspira até hoje as grandes redes de televisão, misturando no horário nobre novela, jornalismo e humor.

Sua influência no modo de fazer entretenimento de massa no Brasil foi tão grande que há programas na TV que seguem atualmente quase o mesmo formato de produções como o jornalístico ‘Repórter Esso’, os humorísticos ‘Balança, mas Não Cai’ e ‘PRK-30’ ou o programa de auditório de César de Alencar.

Isso sem falar nas novelas, que foram popularizadas em todo o Brasil depois do sucesso de produções como ‘O Direito de Nascer’ ou ‘Jerônimo, o Herói do Sertão’.

Cinqüenta anos após sua fase mais gloriosa, a emissora reaparece com planos mais modestos, mas tentando voltar a ser referência no rádio. Sua programação mesclará radiojornalismo (principalmente pela manhã) com programas musicais que serão feitos ao vivo no mesmo auditório onde, há 50 anos, se apresentavam artistas como Cauby Peixoto, Nelson Gonçalves, Marlene e Emilinha Borba.

O diretor da rádio, Cristiano Menezes, afirma que a emissora tentará explorar o fato de não ser comercial para inovar no formato de alguns programas e na escolha de um repertório musical que, além de dar espaço para músicos que fizeram a história da rádio, apresente grupos e cantores que estão fora do circuito comercial da maioria das emissoras.

Menezes conta que está também conversando com o grupo de teatro Nós do Morro com o objetivo de voltar a fazer radiodramaturgia, utilizando o mesmo estúdio onde eram gravadas as radionovelas. ‘Estamos discutindo um novo formato, diferente daquele das radionovelas longas que fizeram sucesso na década de 50, mas que chame a atenção do público’, afirma o diretor.

Na parte da programação que já entrará no ar a partir de segunda, além dos programas jornalísticos, haverá atrações como o ‘Ponto do Samba’, que será apresentado pela sambista Dorina Barros e será transmitido ao vivo do auditório da emissora. O programa pretende reapresentar antigos compositores e lançar novos nomes.

Na parte de jornalismo, o desafio é ser independente, mesmo sendo uma emissora estatal. O presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci, diz não haver risco de o jornalismo da Rádio Nacional ou de outras emissoras da Radiobrás ser considerado ‘chapa-branca’. ‘Isso está fora de cogitação e não faz sentido numa sociedade democrática. Já não fazemos um jornalismo pautado apenas pelo governo, e isso pode ser checado em qualquer programa jornalístico das nossas quatro emissoras de rádio’, afirma.

Para Luiz Carlos Saroldi, autor do livro ‘Rádio Nacional: O Brasil em Sintonia’ (em parceria com Sônia Virgínia Moreira), o desafio de voltar a ser referência não será fácil para a Nacional porque a rádio será sintonizada em AM (na freqüência 1.130), em que há uma disseminação de rádios a serviço de igrejas e políticos que afugentam o público que busca uma programação um pouco mais sofisticada ou popular de qualidade.

A tentativa de revitalizar a rádio, no entanto, é considerada por Saroldi como fundamental para a memória da cultura nacional, já que a emissora é considerada por muitos pesquisadores a primeira estação a integrar todo o país com uma programação transmitida, nas décadas de 40 e 50, por meio de ondas curtas.

O jornalista e diretor Nelson Hoineff, que está produzindo um documentário (‘PRE-8: No Ar a Rádio Nacional’) sobre a emissora, concorda: ‘A Rádio Nacional exerce sobre a minha geração uma influência extraordinária, principalmente em quem foi trabalhar na TV, no cinema e no jornalismo. Ela tem uma importância extraordinária na construção da nossa cultura’.

A nova cara da Rádio Nacional foi possível graças a um patrocínio da Petrobras de R$ 2,5 milhões. As obras tiveram início em 2003. O dinheiro serviu para comprar novos equipamentos de transmissão, reformar o auditório e ainda para restaurar os estúdios onde eram feitas as radionovelas.

Ela poderá ser ouvida pela internet, no site da Radiobrás (www.radiobras.gov.br).

A cerimônia de reinauguração da rádio estava prevista para acontecer ontem (após o fechamento desta edição), com a presença do presidente Lula.’



Luciana Nunes Leal

‘Na volta da Rádio Nacional, ele canta ‘Asa Branca’’, copyright O Estado de S. Paulo, 3/07/04

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou ontem da festa de inauguração das novas instalações da Rádio Nacional e pediu mais ‘criatividade’ no Brasil. ‘Está faltando um pouco de criatividade no nosso País. Criatividade e também fazer com que as coisas aconteçam’, discursou o presidente. Lula pediu que a Radiobrás, responsável pela divulgação do governo federal, aproveite a nova fase da emissora para ‘fazer um jornalismo mais vivo’. ‘Hoje muita gente faz programa de rádio com o jornal na frente, repete tudo que está escrito’, reclamou Lula.

Pouco depois das 19 horas, ao chegar ao edifício onde fica a emissora, na Praça Mauá, Lula passou por manifestação que reunia cerca de 50 funcionários da Radiobrás. Eles fizeram um ruidoso protesto contra mais de cem demissões anuinciadas no Rio e em Brasília. Os manifestantes pedem o fim das demissões e a reintegração de parte dos demitidos. Com Lula estavam os ministros José Dirceu, da Casa Civil, Gilberto Gil, da Cultura, e Luiz Gushiken, da Comunicação de Governo.

A revitalização da Rádio Nacional foi feita com investimento de R$ 2,5 milhões da Petrobrás. O presidente foi aos estúdios e assistiu a um show que reuniu grandes nomes da antiga Rádio Nacional – nomes como Cauby Peixoto, Emilinha, Marlene, Jamelão e a ‘rainha do baião’ Carmélia Alves. Cantarolou um trecho de Asa Branca, de Luiz Gonzaga, e, ao fim do espetáculo, subiu ao palco, beijou e abraçou os ídolos da MPB.’



Clarissa Thomé

‘Nova Nacional, sintonia com a identidade carioca’, copyright O Estado de S. Paulo, 2/07/04

‘A partir de amanhã, a programação da Rádio Nacional volta a ser ouvida em todo o Grande Rio e cidades vizinhas, depois de anos que a emissora não chegava nem a bairros da zona sul. A rádio mais importante dos anos 40 e 50, que fazia os brasileiros pararem para acompanhar o Repórter Esso, novelas como O Direito de Nascer e Jerônimo, o Herói do Sertão, ou famosos programas musicais, teve estúdios e auditório recuperados e ganhou um potente transmissor de 50 Kw, livre de válvulas, apto a receber tecnologia digital.

A reformulação da Rádio Nacional (AM 1130), que trará de volta os programas de auditório e até o rádio-teatro, foi possível graças a um convênio entre a Radiobrás e a Petrobrás, que patrocinou as obras. Foram necessários R$ 2,5 milhões para a recuperação dos estúdios de gravação e de rádio-teatro, e do auditório, que foi reduzido de 496 para 150 lugares, mas ganhou confortáveis poltronas.

As novas instalações serão entregues na noite de hoje pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um show com Carmélia Alves, Cauby Peixoto, Marlene, Emilinha e Jamelão lembrará os anos dourados da rádio.

Na tarde de quarta-feira, operários ainda davam os últimos retoques no 21.º e 22.º andares do lendário Edifício A Noite, primeiro arranha-céu da América Latina, na Praça Mauá. O som do piano sendo afinado misturava-se ao barulho de furadeiras. O diretor da Rádio Nacional, Cristiano Menezes, interrompe a entrevista e volta emocionado: o novo transmissor havia acabado de entrar em ação.

Agora, haverá programas jornalísticos pela manhã, com apoio do sistema Radiobrás. ‘Não queremos ser uma CBN ou emissora chapa-branca. Teremos um âncora, com reportagem, que vão transmitir a pulsação da cidade. Será uma emissora com identidade carioca’, promete.

A tarde ficará reservada para a música. A cantora Dorina, que comandará o programa de auditório Dorina Ponto Samba, espera ver de volta as filas ao redor do Edifício A Noite. ‘Vamos trazer cantores que estejam fazendo trabalhos inspirados nos grandes da Rádio Nacional, como o Zé Renato, que gravou Orlando Silva.’ Haverá ainda espaço para novos talentos. ‘Não são calouros’, avisa Dorina.

O instrumentista Marcelo Guima debaterá sobre a qualidade das músicas no programa Ouvindo Música, e Henrique Cazes levará ao ar Nacional Choro Clube.

Na manhã de sábado, o auditório será ocupado por crianças. Será a Rádio Maluca, comandada pelo pedagogo e compositor Zezuca. ‘Teremos um programa de brincadeiras, música, passando a léguas de Xuxa’, diz Menezes.

O diretor diz que a dramaturgia terá lugar na nova programação da rádio.

‘Estamos pensando em pequenos esquetes de humor, de 5 a 10 minutos. Já convidamos o grupo Nós no Morro para esse trabalho.’

A emoção pela retomada da rádio toma conta dos funcionários mais antigos e dos cantores que fizeram sucesso nos programas da casa. Cauby Peixoto, que chegou a trabalhar de graça por um ano na Rádio Nacional, compara a empresa ao que a TV Globo representa hoje. ‘Mas era preciso talento para aparecer.

Não era essa festa de bumbum que se vê hoje.’’