Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carlos Reichenbach

‘O que leva alguém que não atua cotidianamente na crítica cinematográfica a queimar fosfato e perder tempo em falar mal de um filme que na sua essência é um nada ao cubo ? A pergunta poderia (e deveria) ser dirigida ao produtor Sam Raimi, um realizador talentoso que sabe como poucos traduzir a dinâmica da linguagem dos quadrinhos para o cinema. O que o levou a contratar Takashi Shimizu para refazer o próprio filme original japonês (na verdade, uma série de quatro longas, dois para o cinema e dois para o vídeo), um arremedo modernoso e inócuo da ‘ficção de fastasmas’, tão cara na dramaturgia nipônica ?

Dinheiro fácil e gostoso seria uma resposta óbvia, não fosse o crítico um diletante, que não recebeu um tostão das distribuidoras concorrentes. Já no caso de Raimi é grave, porque parece que ele é fã desse descartável cinema fantástico que anda assolando a produção japonesa atual.

Estamos aqui anos luz aquém da aterradora poesia mórbida de As quatro faces do medo (Kwaidan,1964), de Massaki Kobayashi, ou mesmo, contemporaneamente, do cinema atmosférico e assombroso de Kyoshi Kurosawa ou de alguns filmes, quase subversivos de tão excessivos, de Takeshi Miiki – em especial Audition e Ichi, the killer. A diferença é que esse cinema chamado ‘extremo’ atua diretamente no subconsciente, controlando o nosso imaginário e buscando o confronto espantoso entre sonho e realidade.

A lição foi dada, há muitos anos, por um produtor de cinema visionário (e com pouco dinheiro) chamado Val Lewton: ‘Se quiser deixar a platéia apavorada, não mostre nada: insinue’.

O cinema de carregação faz o inverso, ele busca o susto fácil, sem sutilezas e de imposição ‘imperialista’. Busca-se a reação do público com o chute na canela, ou pior, o pontapé na virilha.

Na seara da arte excessiva e de nenhuma firula pode-se citar, com donaire, o cinema de Lucio Fulci e Dario Argento, que não seduzem o público com ‘biscoitos finos’, e nem falsa elegância. Ou arrepios fabricados em computador. Trata-se de um cinema em franco namoro com a barbárie. Uma dramaturgia pânica que nos salva da loucura, logo nunca mercenária, embora bastante popular.

No caso de O grito e toda contrafacção americana do tipo Eu sei o que vocês fizeram…, o artifício para obter a emoção fácil consiste no uso diabólico do som Dolby 5.0. Como a imagem é – quase sempre – isenta de força dramática, o recurso é ‘berrar’ no ouvido da platéia. Shimizu usa os efeitos sonoros como agulhas de acupuntura espetadas a esmo nos tímpanos da platéia. Tirando a ruidagem esquizofrênica, muitas vezes injustificada, sobra muito pouca coisa em O grito. Juro que busquei, por quase cem minutos, o tal ‘plano inocente’ que costuma dar um mínimo de dignidade a qualquer filme medíocre. Formalmente não chega nem a ser acadêmico, é apenas burocrático.

O que mais irrita em O grito, além do desprezo à nossa ânsia de sensações é a falta de sombras. É simplesmente impossível pensar numa arte de atmosferas sem sombras, sem claro e escuro, sem a exuberância da sugestão. Os fantasmas de Shimizu não dão medo; dão susto, e só ! O artesanato e o expediente emocional nunca está na imagem, nos fastasmas que trafegam desgovernados pelos cenários, mas no facilitário do surround, no artifício disponibilizado pela tecnologia do moderno som digital. A estrela deste filme não é Sarah Michelle Gellar, mas as caixas de subwoofer do sistema sonoro. Dramaticamente, é um filme mono.

O grito de Takashi Shimizu e Sam Raimi é pipoca rançosa de multiplex. Seu objetivo é o dindin fácil e imediato. É, em resumo, um Big Mac encharcado de molho shoyo. Pior é que tem gente que gosta.

*Cineasta, diretor de `Filme demência´ e `Amor, palavra prostituta´’



Dennison Ramalho

‘Uma terra de clássicos do terror’, copyright Jornal do Brasil, 19/1/05

‘No gênero horror, diversas categorias dão seu ar de certa forma cíclica: vampiros, releituras de clássicos literários, thrillers religiosos, serial killers, etc. vão e voltam no tempo, com alguma variação. Outra característica recorrente no gênero são os países que volta e meia ‘dão as cartas’, ou seja, definem-se como as ‘bolas da vez’: produzem fitas de sucesso que sagram-se clássicos e determinam novos horizontes no estilo. Os italianos, os espanhóis, os ingleses e, claro, os norte-americanos, todos já tiveram sua age d´or horrorífica.

Quem rege a cena, agora, são os japoneses. E sua história com o gênero vem de longe. Desde clássicos obscuros como Kwaidan (1964), Onibaba (1964) e Jigoku (1960) até os recentes Ringu (1998), Kôrei e, finalmente, Ju-On: The grudge (2003), de Takashi Shimizu). Ao longo de todos estes anos, tais filmes foram respeitados paradigmas da habilidade e do imaginário nipônico com o sobrenatural. São obras excepcionais, que se aferram a crenças e folclore locais, assumindo uma identidade influente. E assustam para valer, de forma sofisticada e original. O diferencial de sua safra mais recente, contudo, é um indicador de que a cultura pop norte-americana está em estiagem. Desde 2002, Hollywood está se rendendo a um momento de reciclagem de filmes de horror japoneses. Dois já ganharam versões ianques (Ringu e Ju-On, nosso filme em questão) e outros dois estão prontos para a fornada 2005 (Ringu 2 e Dark water – este último sob direção do camarada Walter Salles). Geralmente, são histórias de fantasmas simples, mas de grande tensão.

A versão americana de Ju-On chegou ao brasil há poucos dias sob o título O grito. O filme americano ganhou a direção do mesmo realizador da versão japonesa, Takashi Shimizu. Apesar de ambientado no Oriente, o longa carrega em si uma certa bula americana. Menos mal que seja uma bula ditada por alguém que sabe o que faz em horror: Sam Raimi (produtor de O grito e diretor dos eternos A morte do demônio e Uma noite alucinante). A crítica aqui da aldeia, principalmente em São Paulo, disparou entre outros despautérios, a acusação de que o filme abusa de clichês. No que concordo em parte. Mas é uma vistinha curta se um contabiliza os sustos potentes e seguidos, que colocam o ‘da poltrona’ em estado de saudável tensão por duas horas bem gastas. Outro diferencial é o tema da desintegração familiar, presente em toda a nova safra de terror nipônica. O filme é permeado por um intenso tom de tragédia que se sublima na vingança de espíritos realmente rancorosos. O roteiro foi pouco hábil na explicação da gênese brutal do tal rancor dos espíritos. Mas o resultado geral é medo e tensão em grande dose, com bastante charme e apontando rumos para um gênero que está se resolvendo para o novo milênio. Saia do cinema olhando para trás. Eu saí…

*Cineasta especializado em filmes de terror brasileiros, diretor do curta `Amor só de mãe´’



Jornal do Brasil

‘O susto que veio do Oriente’, copyright Jornal do Brasil, 19/1/05

‘Assombrada pelo sucesso O chamado (2002), versão anglo-saxônica para o terror japonês Ringu, Hollywood passou a enxergar no cinema de horror nipônico um veio fértil a ser explorado. As astronômicas cifras arrecadadas por O grito (The grudge, EUA/Japão, 2004), adaptação feita pelo diretor Takashi Shimizu para o filme que o consagrou em seu país, Ju-On, apenas fizeram a maior indústria de entretenimento do planeta ter a certeza que importar medo do Japão é uma garantia de boas bilheterias. Só em solo americano, a fita estrelada por Sarah Michelle Gellar (a caça-vampiros da série Buffy), orçada em US$ 10 milhões, rendeu 11 vezes mais, cravando invejáveis US$ 110 milhões. No Brasil, em apenas nove dias, o longa, que ocupa 213 salas de todo o país, vendeu 900 mil ingressos, disparando para o topo do páreo das produções mais vistas. Nos EUA, esta fábula niilista escrita por Takashi passou pelas mãos do roteirista Stephen Susco, que manteve a Terra do Sol Nascente como cenário. Na trama, a jovem médica Karen Davis (Sarah Michelle) passa a ser vítima de uma estranha maldição ao tomar contato com uma casa assombrada por um fantasma vingador. A criatura, uma mulher de longos cabelos, espalha o pânico como forma de expurgar os males do mundo.’



VIRGINIA MAYO
Folha de S. Paulo

‘Morre Virginia Mayo, estrela da Hollywood dos anos 40’, copyright Folha de S. Paulo, 19/1/05

‘A atriz norte-americana Virginia Mayo, uma das mais belas estrelas da Hollywood dos anos 40 e 50, morreu anteontem, aos 84 anos, em uma casa de repouso próxima a sua residência, em Thousand Oaks, Califórnia (EUA). Segundo o jornal ‘Los Angeles Times’, as causas foram complicações decorrentes de uma pneumonia e um ataque cardíaco. A atriz deixa uma filha.

Loira e dona de uma figura curvilínea, Mayo tinha uma beleza que a tornou ideal para musicais com fotografia Technicolor e aventuras, além de dramas -ela apareceu em mais de 40 filmes durante as décadas de 1940 e 50.

‘Inicialmente, queria ser dançarina, mas terminei atriz, e contracenei com alguns dos maiores atores de nossa época’, disse ela em uma entrevista em 2001.

Nascida Virginia Claro Jones, adotou seu nome artístico de Andy Mayo, chefe de uma produção de vaudeville em que ela trabalhou quando jovem.

Sua estréia em Hollywood foi com um pequeno papel no filme ‘Jack London’ (1943), biografia sobre o autor, interpretado por Michael O´Shea, com quem se casou em 1947. Em uma entrevista em 1956, ela relembrava: ‘Ele estava sentado, me observando, e então andou em minha direção e me beijou’. O casal ficou junto até a morte do ator, em 1973; Mayo nunca se casou novamente.

Logo a atriz ganhou mais destaque, contracenando com Bob Hope em ‘A Princesa e o Pirata’ (1944). No mesmo ano, teve um papel não-creditado em ‘Sonhando de Olhos Abertos’, mas que marcaria o início de produtiva parceria com o ator Danny Kaye, com quem fez cinco filmes.

Seu grande momento, no entanto, ainda estava por vir. Ao assinar contrato com a Warner Bros., Mayo se tornaria uma de suas maiores estrelas. Em 1949, a atriz chegou a aparecer em cinco produções do estúdio.

Na ocasião, a Warner soltou uma empolgada nota à imprensa: ‘Com 51,75 kg, ela é potencialmente tão valiosa quanto um acre de terra no centro de Los Angeles -e muitas vezes mais desejável’.

Segundo críticos, suas melhores performances foram nos filmes ‘Fúria Sanguinária’ (1949), de Raoul Walsh, em que era a inescrupulosa mulher do gângster interpretado por James Cagney, e no vencedor do Oscar ‘Os Melhores Anos de Nossas Vidas’ (1946).

Entre outras parcerias com atores famosos, estão Gregory Peck (‘O Falcão dos Mares’, 1951); Paul Newman (‘O Cálice Sagrado’, 1954) e Burt Lancaster (‘O Gavião e a Flecha’, 1950). Durante os anos 60, a carreira de Mayo no cinema declinou, e ela decidiu dedicar mais tempo ao teatro.’



OSCAR 2005
Artur Xexéo

‘Meu palpite para o Oscar 2’, copyright O Globo, 23/1/05

‘COM A REVELAÇÃO, NO COMEÇO da semana, dos vencedores do Globo de Ouro ficou claro que o Oscar deste ano, cuja festa de entrega está marcada para o dia 27 de fevereiro, será uma disputa entre Clint Eastwood e Martin Scorsese. Tecnicamente, não há razão alguma para o Globo de Ouro ser um termômetro para o Oscar. Os eleitores de um — correspondentes estrangeiros em Hollywood — não coincidem com os eleitores de outro — artista e técnicos do meio cinematográfico. Mas é. Houve um tempo em que o Globo de Ouro era divulgado antes de a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas recolher os votos de seus integrantes. Poderia se acreditar, então, que o resultado do Globo influenciasse os eleitores do Oscar. Mas isso não acontece mais. Vota-se no Oscar antes de se saber quem ganhou o Globo de Ouro. Mesmo assim, os resultados costumam ser coincidentes. Talvez porque tanto os correspondentes estrangeiros em Hollywood quanto os artistas e técnicos associados à Academia tenham um gosto parecido. É por isso que antes mesmo de o Oscar anunciar os candidatos à estatueta — o que vai acontecer depois de amanhã — já se sabe que, este ano, tudo se resumirá a uma vibrante disputa entre Clint Eastwood e Martin Scorsese.

Faz mais sentido utilizar como indicador dos ganhadores do Oscar os prêmios distribuídos pelas associações de categorias de profissionais de Hollywood. A seleção começa no sábado que vem com a divulgação dos premiados pela associação de produtores de cinema. Depois, é um prêmio por semana: o dos cineastas, o dos atores e o dos roteiristas. Aí faz sentido. Os produtores que votam no seu prêmio são os mesmo produtores que votam no Oscar. Os diretores, os atores e os roteiristas também. Desse jeito, o filme que ganha o prêmio dos produtores vira favorito para o Oscar. O cineasta que ganha o prêmio dos diretores vira favorito para o Oscar. Os atores que ganham….

Feitas as contas, completadas as análises, descobre-se que todos os favoritos ganharam o Globo de Ouro. É por isso que já se sabe que o próximo Oscar será uma disputa entre Clint Eastwood e Martin Scorsese.

E ‘Olga’? Quais as chances de o filme brasileiro participar da festa? Por incrível que pareça há alguma chance. Mesmo sem a repercussão de outros interessados numa vaga entre os candidatos a melhor filme estrangeiro, como o francês ‘A voz do coração’, o chinês ‘O Clã das Adagas Voadoras’ e o espanhol ‘Mar adentro’, ‘Olga’ deu sorte. Como todo mundo sabe, americanos não gostam de ver filmes com legendas. Eleitores da Academia também. Por isso, os eleitores aptos a votar nos filmes para serem indicados são divididos em três grupos: o branco, o azul e o vermelho. Assim, cada votante não precisa ver 50 ou 60 filmes estrangeiros — a média anual do número de países que se candidatam a uma candidatura. Cada grupo assiste a algo entre 16 e 20 filmes. Os filmes para cada grupo são escolhidos por sorteio! Cada grupo de votantes elege, no mínimo, um filme, mas os grupos onde ficam os filmes mais ‘fortes’ elegem dois. É possível que um filme entre na lista de cinco candidatos tendo sido visto por apenas um terço dos eleitores.

Pois bem, ‘Olga’ caiu na chave mais ‘fácil’. Foi sorteado para ser visto por um grupo que não precisa ver nem o filme chinês, nem o francês, nem o espanhol. Um filme será escolhido para ser candidato ao Oscar por um grupo onde não há favoritos. É uma roleta. E tudo pode acontecer. Até ‘Olga’ ser escolhido.’