Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carol Knoploch

‘Contam-se nos dedos as cinegrafistas que trabalham na TV brasileira. De jogo de futebol – único tema que reúne mais homens do que mulheres diante da TV -, a programas de auditório, as imagens são fruto do olhar masculino.

‘Ainda há medo do peso da câmera, do empurra-empurra na busca da imagem.

Mas, se as mulheres fossem maioria, a TV seria diferente, nosso material é mais rico’, comenta Wlacyra Barreto Lisboa, de 47 anos, a primeira cinegrafista da TV. ‘Nós temos preocupação maior com a estética. Os homens são menos românticos’, conclui.

‘A mulher, mesmo sendo mais detalhista e cuidadosa, retrata melhor o todo, a história, a matéria’, opina Vera Ferreira, de 49 anos, neta de Lampião e Maria Bonita. ‘Me diverti muito quando coordenei um teste para assistente de câmera. Os meninos tinham de fazer imagens daquelas piscinas de onda. Nunca vi tanto bumbum e peitos na vida’, conta, aos risos. Para Vera, no entanto, as mulheres são as mais preconceituosas. ‘Não se ajudam. Já aconteceu de uma repórter negar-se a sair comigo para uma pauta.’

Wlacyra, que trabalha para os canais GNT, Sony e AXN – hoje está registrando o Rally dos Sertões – , conta que foi exigida demais no início da carreira.

Da TV Educativa do Rio Grande do Sul, foi para RBS em Florianópolis e para a Globo no Rio e em São Paulo.

Bateu à porta da Globo com ‘uma idéia na cabeça e uma fita na mão’. Foi na época da Copa de 1986. A emissora precisava de reforço. ‘Quando voltava da rua, meu chefe revisava todo o meu material na ilha de edição. Teve um dia que eu disse que estava sendo muito pressionada e ele me falou uma frase que é a pura verdade: para eu me manter lá, não poderia ser só mais uma, mas sim a melhor’, lembra.

Quando entrou para a TV, Wlacyra revelava filme de 16 milímetros. ‘Para não perder o emprego, quando mudaram os tipos de câmeras, meu chefe me propôs de ser cinegrafista. Achei que não agüentaria o peso da câmera. Com a bateria, chegava a uns 14 quilos’, diz Wlacyra, que teve problemas com vários assistentes que se negavam a controlar o áudio para ela. Diz que não se conformavam ao vê-la passando batom e ligando para o filho, entre uma imagem e outra.

Lampião – Vera começou a trabalhar como cinegrafista meses depois que Wlacyra. As duas são referências. Assim como a amiga, Vera era da turma da fotografia. Após o curso, foi contratada para ser cinegrafista na TV Sergipe, em Aracaju. Passou pela Manchete, Bandeirantes e Globo.

Quando estava na Band, em São Paulo, via todas as equipes saírem para a rua, menos a dela. ‘Tive de me impor. Na rua, todos os homens ficavam olhando.’

Colocava os assistentes na linha quando tentavam sabotá-la e entrava em vestiário de time de futebol. ‘Me escalavam para eu ficar com vergonha de ver homem pelado.’ Em Brasília, conseguiu quebrar o tabu e entrar no Plenário do Senado de calças. ‘Antes, as mulheres tinham de usar saia. Um dia, peguei o presidente do Senado, coloquei a câmera no ombro dele e perguntei se era possível trabalhar com aquele peso e ter de me preocupar em subir e descer de cadeira, mesa, muro, etc., de saia.’

Hoje, Vera, que enumera os jornalistas com quem trabalhou – Tonico Ferreira, Neide Duarte, Caco Barcellos, Maria Cristina Poli, entre outros… -, toca o projeto de um memorial do cangaço. Deixou as câmeras há sete anos.

Tudo azul – Maria Cândida da Silva, de 33 anos, diz que nunca teve problema. ‘A Wlacyra e a Vera abriram o caminho’, declara a cinegrafista da Globo, acostumada a viver entre homens. Quando pequena, não brincava de boneca. Gostava dos esportes e das piadas dos garotos.

Quando trabalhou em posto de lavagem, aos 12 anos, tirava de letra as brincadeiras machistas. ‘Resolvi seguir o conselho do meu cunhado. Ele dizia que minhas fotos eram lindas e que tinha jeito para trabalhar com imagem.’

Cândida começou na TV Sergipe como câmera. Após 11 anos na afiliada da Globo, resolveu conhecer a sede da emissora em São Paulo. Acompanhou uma equipe e fez duas matérias. Logo na seqüência, recebeu um convite para o SPTV – 1.ª edição.

Cândida diz que nunca sofreu distinção e dá o exemplo de quando ‘inaugurou’ o motolink no SPTV – 2.ª edição. ‘Tinha acabado de voltar de uma pauta e me perguntaram se eu sabia andar de moto. Achei legal porque não esperaram um cinegrafista homem chegar. Confiaram.’

A cinegrafista está na Globo até hoje. ‘Nunca fui para a rua com a mentalidade de querer competir com homem para provar que as mulheres também sabem fazer. E nunca aceitei o mimo de deixar algum homem segurar a câmera para mim quando não estou gravando.’ Acredita que homens e mulheres que trabalham com imagem precisam ser sensíveis e que não há diferença no vídeo.

Colete à prova de balas – Sandra Alves, de 39 anos, freqüentava a Record por causa do pai. Gilberto, de 62 anos, que trabalhou no canal nos áureos tempos dos grandes festivais de música.

‘Acompanhava o trabalho dele, principalmente no estúdio. Achava legal quando editava as matérias com gilete’, ela lembra.

Sandra largou um emprego no banco quando foi convidada para ser assistente de câmera – ‘parecia uma pateta, com o fone de ouvido, os cabos, segurando a luz em forma de cruz, com as lâmpadas, e a caixa do áudio’. O pai não gostou: achava que não daria certo porque não havia mulher no ramo. ‘Quando pedi uma câmera de presente para ele, aos 10 anos, ele desconversou e me deu uma xereta.’

O peso do equipamento, as dificuldades da profissão e o preconceito quase fizeram Sandra desistir. ‘Um dia não fui trabalhar, tinha desistido, mas um câmera amigo meu me buscou em casa.’ Foi promovida a câmera quando teve de substituir um companheiro em uma cobertura esportiva.

‘Penso assim: tenho de fazer a imagem que eu gostaria de ver sobre o tema.

Acredito que as mulheres são mais atentas em relação aos homens’, compara a cinegrafista, que brinca que nunca perdeu gol – ‘diferente de alguns amigos, que torcem para o seu time e perdem o lance’, fala.

Hoje, Sandra é cinegrafista do Cidade Alerta, da Record. A equipe anda com coletes à prova de balas e não tem pauta: é guiada por rádios da polícia e bombeiros. Mesmo sacolejando dentro do carro – eles andam rápido e usam aquelas sirenes -, Sandra trabalhou até o 5.º mês de gravidez. O pai de Janaína, de 4 anos, Fernando Garrone, também era câmera e hoje é chefe do departamento.

Para o repórter Ulisses Rocha, que trabalha com ela, ‘a sensibilidade é maior, sim, e proporcional à quantidade de assuntos que as mulheres têm’. ‘A Sandra fala pelos cotovelos!’, ele diz.’



AMÉRICA
Carol Knoploch

‘Herói da próxima novela tem xará na vida real’, copyright O Estado de S. Paulo, 4/07/04

‘Novela das 9 na Globo é assim: mal estreou uma e sua substituta já está em produção. Senhora do Destino está há uma semana na telinha e América, que deve ir ao ar em fevereiro de 2005, está sendo preparada já faz algum tempo. A trama, de Glória Perez, terá como temas principais o universo dos rodeios e a emigração para os Estados Unidos.

Um dos consultores da autora é o ex-peão Tião Procópio, o primeiro brasileiro a montar em touro nos Estados Unidos. Foi ele quem trouxe a modalidade para cá. Tião, que hoje organiza rodeios pelo Brasil todo, será homenageado no folhetim: um dos dois peões que conduzirão a trama ganhará o seu nome. Para interpretar o papel, a autora pensa em Murilo Benício.

Rodrigo Santoro está cotado para viver o outro peão, Nick, ‘um atleta americano de sucesso que disputará com Tião o amor da mocinha’, diz Glória.

A autora inicia a partir de amanhã a escalação de elenco.

‘A Glória ouviu falar de mim e me procurou na Festa do Peão de Barretos no ano passado. Desde então ela está estudando sobre os rodeios e eu a ajudo.

Acho muito legal que este universo volte a ser retratado em uma novela’, afirmou Tião. A primeira novela que utilizou o rodeio como enredo foi A História de Ana Raio e Zé Trovão (1991), da extinta Manchete. Jayme Monjardim, que será o diretor de América, também dirigiu Ana Raio.

A sinopse da novela já está concluída e o elenco vem sendo estudado. Murilo e Rodrigo vão freqüentar rodeios – imagens das provas de touro de verdade serão captadas pelas lentes da Globo. Glória quer mostrar também as provas de tambor (femininas). Eri Johnson é outro nome cotado para o elenco. Ele viverá um ‘abeia’ – jargão que denomina o moço da cidade que quer se vestir como peão, gosta de ir a rodeios, mas não sabe montar nem se vestir adequadamente. O papel deverá ser cômico.

A idéia é que Tião (o da novela) seja um peão de sucesso e que conquiste reconhecimento internacional. Tião (o Procópio) também teve carreira de sucesso lá fora.

Nascido em São José do Rio Preto (SP) e criado na fazenda dos pais em Paulo de Faria (SP), Tião andava a cavalo quando tinha 3 anos. Aos 7, montou em um bezerro pela primeira vez. Sua família foi fundadora do Clube dos Cavaleiros de Paulo de Faria, entidade que promove a segunda festa do peão mais antiga do País, que faz 41 anos em julho deste ano – Barretos é a mais tradicional.

Tião ficou duas temporadas nos Estados Unidos – fez cursos, competiu e tornou-se membro de uma associação de peões profissionais. Quando voltou ao Brasil, após a primeira fase fora do País, ‘inaugurou’ a montaria em touros – antes, o animal mais utilizado para a prática deste esporte era o cavalo.

Hoje, montar em touro é a modalidade principal nos mais de 1.200 rodeios que o Brasil faz por ano. Barretos dá prêmio de R$ 100 mil ao campeão.

Sob risco – Há 15 anos, Tião parou de competir.

Resultado de vários acidentes graves que poderiam ter lhe custado a vida. Em 1986, tomou uma chifrada e ficou longe das arenas por mais de um ano. Além de tombos, machucados e de contusões graves no joelho, Tião convivia com problemas no ombro – às vezes saía do lugar quando estava montando. ‘É o esporte mais radical que existe. E é preciso que se saiba que é um esporte e que os praticantes têm de ter o dom e se preparar muito bem para praticá-lo.’ Durante a montaria (8 segundos), é recomendável usar capacete e colete.

Em 1979 montou em Barretos pela primeira vez, mas como amador. No ano seguinte, quando a montaria em touro já tinha regras, ganhou o título de campeão e uma TV de 14 polegadas.

Tião, de 45 anos, é um homem bonito. Casado pela segunda vez, é pai de duas meninas: Débora (18 anos) e Yasmin (de 2,5 anos). Diz que anda sempre ‘montado’, ou seja, com calça jeans justa, cinto com fivela grande, chapéu de caubói e camisa xadrez. Foi assim que recebeu a reportagem do Estado, no apartamento da irmã, em São Paulo. ‘A novela também desmistificará esta história de que peão é feio e não tem estudo. Meu irmão estudou Agronomia e é bonito, não?’, pergunta Arlete.’