Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carta Capital

VLADIMIR HERZOG
Redação CartaCapital

Premiados por retomar a memória, 20/10

‘A reportagem ‘Um torturador à solta’, assinada pelos jornalistas Gilberto Nascimento e Rodrigo Martins e capa da edição 501 de CartaCapital, foi a vencedora do 30º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos na categoria Revista.

Mais importante prêmio do jornalismo brasileiro na área de direitos humanos, o Vladimir Herzog surgiu há 30 anos para premiar os jornalistas que denunciavam as arbitrariedades do regime militar. Atualmente, o prêmio busca estimular a cidadania dos brasileiros.

O texto dos repórteres de CartaCapital chamava a atenção para uma iniciativa do Ministério Público Federal, que entrou com uma ação à Justiça Federal para responsabilizar civilmente torturadores e autoridades da época da ditadura militar no Brasil por crimes cometidos no DOI-Codi paulista, entre 1970 e 1976.

A reportagem mostrava ainda a ação do delegado Dirceu Gravina, um dos mais ferozes torturadores do DOI-Codi paulista, que continuava atuando numa delegacia de Presidente Prudente. Gravina foi localizado e entrevistado por CartaCapital. Após a publicação da denúncia, Gravina foi removido dessa função. Além disso, Nascimento e Martins traçam um quadro que explica como funcionava o esquema de prisão e tortura de militantes políticos montado pela ditadura militar brasileira.

A reportagem de CartaCapital foi uma das iniciativas que fomentaram a retomada da discussão da punição a torturadores que agiram durante o governo ditatorial conduzido pelas instituições militares do País e que foram beneficiados pela Lei de Anistia.

Confira a íntegra do trabalho premiado dos jornalistas Gilberto Nascimento e Rodrigo Martins.

Impunes, por enquanto

http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=8&i=1207

‘Isto é que é tortura’

http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=8&i=1209

Como eles agiam

http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=8&i=1210′

 

 

PUBLICIDADE
Carlos Leonam e Ana Maria Badaró

Se todos fossem iguais…, 17/10

‘A campanha publicitária minimalista da Vale com João Gilberto, um banquinho, um violão e um ambiente de um verde-e-amarelo fauvista, cantando Já Pensou, de autoria do publicitário Nizan Guanaes, é uma boniteza brasileira que vai para os anais. Mas, desculpe-nos, tem a cara do Rio de Janeiro. Não só por ser o tal ‘sambinha’ uma bossa nova puro-sangue, mas porque JG, apesar de baiano de Juazeiro, tem sua imagem visceralmente ligada ao berço carioca do dim-dom-dom e do oba-lá-lá. O barquinho chegou, foi e voltou.

O gênio enjoadinho da MPB continua tocando um violão que só. E, embora não saiba sorrir, talvez pelo hábito do mau humor eterno, presenteia os mui atentos com uma quebradinha de corpo, quase no final do pocket show, que prova que ele também é bicho de palco.

O, digamos, jingle chega numa hora em que a maioria absoluta dos comerciais de tevê se vale, inexplicavelmente, de temas cantados em inglês, com exceções, por exemplo, como o do Grupo Pão de Açúcar (‘O que faz você feliz?’) Aliás, tem tudo a ver com Abilio Diniz, que (por convicção filosófica?) também usa sua marca para propagar qualidade de vida e de sentimentos. Não sabemos se a onda anglófila varre os comerciais pátrios por falta de imaginação, de nacionalismo ou de dinheiro. Ou por causa do tal ‘alinhamento publicitário global’, que ocorria muito antes do ploc da bolha. Por oportuno, quantas agências realmente brasileiras ainda nos restam? A DPZ e poucas outras.

Depois da tietagem joãogilbertiana, mais tietagem ainda com a letra da música que ele interpreta e que faz a gente se esquecer de zapear na hora dos comerciais: Já pensou s’eu nascesse no frio/ já pensou s’eu nascesse sem mar/ já pensou s’eu nascesse sem sol/ nascesse sem bola/ sem Copacabana/ já pensou s’eu nascesse sem bar/ nascesse sem Rio ou sem a Bahia/ já pensou s’eu nascesse sem cor, sem esse sorriso e essa alegria/ já pensou s’eu não fosse essa graça, não fosse essa raça, o que seria?/ já pensou s’eu não fosse essa garra e essa coragem e essa energia/ já pensou se não fosse essa fé/ não fosse o que é, o que seria?/ já pensou este País inteiro, que o melhor do Brasil, é o povo brasileiro.

Já pensou que essa letra é uma releitura de Isto Aqui, o Que É? de Ary Barroso, regravada pelos Novos Baianos e por Caetano Veloso?’

 

 

ELEIÇÕES
Mauricio Dias

O voto e o preconceito, 17/10

‘Nem só os peixes morrem pela boca. Os candidatos também. É o que pode acontecer com Marta Suplicy, em São Paulo, e com Fernando Gabeira, no Rio de Janeiro. Qual seria o impacto negativo nas duas candidaturas a partir de episódios de manifestação explícita de preconceito, tanto da candidata petista quanto do candidato verde, com grande repercussão na mídia?

Marta explorou a força do preconceito homofóbico dos paulistanos. Lançou no ar insinuações sobre aspectos da vida íntima do seu adversário, Gilberto Kassab.

Gabeira tropeçou no próprio preconceito social. Durante a campanha, ele abriu a guarda ao falar em um celular sobre a vereadora tucana Lucinha: ‘É analfabeta política. Tem visão suburbana e precária’.

A frase foi parar nos jornais. Lucinha é líder comunitária com trânsito entre os eleitores da populosa zona oeste carioca. Campeã de votos no Rio, obteve 68 mil, dos quais mais de 50 mil nesse reduto eleitoral dela.

Gabeira tentou se retratar. A emenda piorou o soneto. O fato prevaleceu sobre a versão do candidato. E pode ter contribuído para paralisar a ‘onda Gabeira’ que cresceu na reta final do 1º turno. Na segunda-feira 13, Gabeira posou com Lucinha para os fotógrafos. Aparentemente, a paz com a vereadora foi selada. Quanto aos corações suburbanos ainda não se sabe se a paz foi aceita.

O preconceito não é incomum na história das eleições brasileiras.

Em 1998, dez anos atrás, a milenar Igreja Católica ainda distribuía notas com restrições impostas a candidatos que contrariavam preconceitos e princípios da fé religiosa. É o que se pode ver no panfleto Candidatos Que Não Merecem o Voto dos Católicos, guardado nos arquivos do deputado udenista Álvaro Valle (1934/2000), em poder do CPDOC da Fundação Getulio Vargas, no Rio. Candidatos a favor da união civil de homossexuais, do aborto, por exemplo, entravam no índice de proibição.

Registre-se que os padres, em geral, não eram bem-sucedidos. Ao contrário, uma frase atribuída ao brigadeiro Eduardo Gomes (1896/1981) pode ter decretado a derrota dele. Em 1945, quando disputou a Presidência da República, ele teria dito em algum momento da campanha: ‘Não preciso do voto dos marmiteiros’.

Os anais políticos sugerem duas considerações. A frase contribuiu para a derrota de Eduardo Gomes, mas ela teria sido criada pelo empresário Hugo Borghi, adversário do brigadeiro. Se assim foi, prevaleceu a versão sobre o fato.

O fato, a frase de Gabeira, e a versão, a frase de Eduardo Gomes, têm o mesmo timbre elitista e, coincidentemente, encarnam em tempos diferentes ídolos políticos da classe média urbana.

A eleição presidencial de 1989, a primeira após a ditadura militar, também foi marcada por um episódio que mexeu com preconceitos dos eleitores. Foi a primeira derrota de Lula. O oponente do operário candidato do PT era Fernando Collor de Mello, um rebento político da ditadura.

Durante o horário eleitoral, Collor apresentou Miriam Cordeiro ao País, com estardalhaço. A soldo de Collor, ela acusou Lula, com quem teve uma relação amorosa, de tentar induzi-la ao aborto de uma filha dos dois.

A imprensa brasileira, que, contra Lula, sempre usa medida diferente da medida rotineira, repicou a história com grande destaque. Miriam Cordeiro virou tema do Jornal Nacional.

Os eleitores das classes média e alta costumam descarregar seus votos contra quem desafia seu falso moralismo ou desperta sua doutrina autoritária. Por sua vez, os eleitores mais pobres desprezam naturalmente candidatos que manifestam publicamente seus preconceitos sociais. O campo é fértil.’

 

 

ECONOMIA
Nirlando Beirão

Os jograis de wall street, 17/10

‘Eram tão seguros de si, os pobres-diabos, com sua assertiva sabedoria de pitonisas. Sabiam tudo da conjuntura e do futuro. Falavam em acerto fiscal e criticavam os gastos públicos. Diziam coisas como: o Brasil tem de fazer a lição de casa. A globalização é irreversível. Não podemos ficar de costas para o mundo. O governo Lula não terá da comunidade financeira internacional o benefício da dúvida. O Estado é a opressão. Liberdade para o mercado.

A bordo de suas gravatas- borboletas, de seus cabelos lançados ao léu, de bochechas inchadas por batatas fonoaudiólogas, tudo muito de acordo com o figurino Chicago Boys (and girls), proferiam absurdos e profetizavam catástrofes. Viviam a certeza dos tolos. Sempre trilhando atalhos político-partidários.

Se você é, por exemplo, casado com um empolado scholar que presta serviços ao PSDB, sua obrigação é dizer que, se algo passa bem na administração de seu adversário de classe, não é por mérito dele – é porque ‘a administração anterior plantou raízes para o futuro’.

A gente não se surpreende mais com a má-fé dessa gente. Eles vivem para agradar aos patrões. Na virada dos anos 90, o muro caiu, o de Berlim – símbolo do comunismo. O FMI assumiu o poder sem contrapeso. Os tais telecomentaristas se submeteram ao consenso rebarbativo, sem imaginação. Passaram os anos subseqüentes sem entender que o capitalismo, em sua descabelada versão ultra, se era benéfico a privilegiados como eles, na precária ceia dos cardeais midiáticos, nem por isso seria o melhor dos mundos para a humanidade toda. Ninguém jamais se perguntou: será o hipercapitalismo hegemônico a salvação da África Negra? Do Magreb? Da América Latina?

Os profetas da teleprosperidade foram alinhando, num paredón ideológico, os tais adversários do progresso: Cuba, Chávez, Lula, o PT, o Estado de Bem-Estar, a Previdência Social, os socialistas europeus, os liberais americanos. Sabichões panglossianos papagueando-se a si mesmos, ventríloquos da verdade absoluta ditada pelo Grande Irmão Capitalista. Fora de Wall Street, pregavam, não há salvação.

Longe deste colunista querer caçar o ofício dos coleguinhas espertalhões. A gente sabe que a teleturma da economia tem de manter alto padrão de vida. Mas, com tudo isso que está acontecendo por aí, não seria o caso de oferecer a eles o piedoso refresco de umas férias remuneradas? Estão perplexos, os coitados. De todo modo, não se emendam. Penso nos telecomentaristas do futebol. Eles distorcem, manipulam, mas vestem a camisa de seus times. Os telecomentaristas de economia, não. Fazem-se de sérios e isentos. Enquanto o capitalismo pega fogo, encenam a hilariante seriedade de seu picadeiro. Besteiras são moeda de livre curso. Não seria o caso de processar por charlatanismo, com base na Lei do Consumidor?’

 

 

VAZAMENTO
Redação CartaCapital

A associação Veja-Mendes, 17/10

‘Ao depor na CPI das Escutas Telefônicas da Câmara dos Deputados, o chefe de operações especiais do Supremo Tribunal Federal (STF), Aílton Carvalho de Queiroz, fez uma revelação surpreendente. Responsável pelas varreduras antigrampo do tribunal, Queiroz disse haver uma ‘probabilidade muito grande’ de ter sido o gabinete do presidente do Supremo, Gilmar Mendes, a vazar à Veja um relatório sigiloso a respeito de supostos indícios de uma possível escuta ambiental na sala da presidência do STF. O documento, inconclusivo, baseou uma reportagem de capa da revista.

A revelação veio na seqüência de uma pergunta do deputado Domingos Dutra (PT-MA) sobre quem havia vazado o documento. Assim respondeu o chefe de segurança do STF: ‘Eu imagino que a própria presidência. Foram feitas duas vias, eu fico com uma e a outra fica com a autoridade competente. No caso, o chefe de gabinete do presidente’. Queiroz disse também que o documento era reservado e não ‘deveria ter saído’. A assessoria do STF negou o vazamento. Depois disse que o documento não era confidencial.

O depoimento do chefe de operações especiais mostrou, por diversas vezes, que o STF não se preocupou com os supostos grampos. Segundo Queiroz, não foi iniciada investigação sobre o vazamento do documento – prática que freqüentemente é criticada por Gilmar Mendes durante as operações da Polícia Federal. Além disso, ele afirmou que a varredura pode ter captado, por exemplo, sinais de uma retransmissora de tevê e que não há nenhuma conclusão da existência de uma escuta ambiental.

Queiroz afirmou ainda que o STF não se preocupou em saber se o grampo da conversa entre Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), outra denúncia até agora não comprovada de Veja, havia sido feito dentro da Suprema Corte e por agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). E garantiu não ter sido questionado a respeito pela presidência do STF. Mendes, por causa do episódio, iniciou uma campanha, inclusive chamando o presidente Lula ‘às falas’, que levou ao afastamento do delegado Paulo Lacerda da direção da Abin.

Obviamente, o depoimento de Queiroz mereceu escassos e burocráticos registros nos principais jornais brasileiros. Já as declarações do delegado Daniel Lorenz, da Divisão de Inteligência da Polícia Federal, com duras críticas ao colega Protógenes Queiroz, comandante da Operação Satiagraha, recebeu aquela cobertura atenta e isenta típica do jornalismo nacional. Sempre, é claro, empenhado em bem informar os cidadãos.’

 

 

ELEIÇÕES NOS EUA
Luiz Carlos Azenha

Não bastasse a crise, 17/10

‘‘Não sou daquela turma que se formou na faculdade, ganhou dos pais um passaporte e uma mochila e ouviu ‘vá conhecer o mundo’. Não. Trabalhei toda minha vida. Na verdade, sempre tive dois empregos, até ter filhos.’

E assim Sarah Palin, com o auxílio dos marqueteiros republicanos, se defendeu do fato de que só recentemente tirou um passaporte, sugerindo que viajar é privilégio de desocupados. Que os eleitores respirem aliviados: não haverá um mochileiro na Vice-Presidência dos Estados Unidos.

A experiência internacional da governadora do Alasca se resume a visitas ao México, Canadá e Kuwait. Assessores de Palin chegaram a incluir o Iraque na lista, até que ficou demonstrado que ela não cruzou a fronteira durante a visita que fez a soldados americanos baseados no Kuwait.

Aliás, como em quase tudo o que cerca Palin, a versão oficial de campanha nem sempre combina com os fatos.

Pelo que dizem os republicanos, a governadora do Alasca é uma reformista que atropelou os políticos tradicionais do estado, vendeu o jato oficial na internet e controlou a gastança de dinheiro público vetando a construção de uma ponte que ligava o nada a lugar nenhum.

Investigações subseqüentes demonstraram, no entanto, que o avião do governo servia para transportar presos, que não foi vendido no site de leilões eBay, que o estado perdeu 600 mil dólares na venda e que antes de se opor à ponte que a tornou famosa a governadora apoiou o projeto.

Sarah Louise Heath Palin, de 44 anos, veio para ficar. Ainda que a chapa republicana seja derrotada em 4 de novembro, como mostram as pesquisas, ela terá vez na partilha dos despojos do Partido Republicano. Se, de fato, como indicam as projeções, os democratas assumirem o controle do Executivo e das duas casas do Congresso, tanto melhor para Palin.

*Confira a íntegra da reportagem na edição impressa’

 

 

CULTURA
Ana Paula Sousa

O Estado busca retomar as rédeas, 17/10

‘Há quem diga que o ministro Juca Ferreira era ministro muito antes de sê-lo. Secretário-executivo de Gilberto Gil, ele, de fato, toca o dia-a-dia da pasta desde o primeiro mandato do presidente Lula. Mas, agora, além do papel executor, tem também o de representação institucional, justamente o ponto forte de Gil. Caberá a ele acalmar os ânimos do setor cultural quando vier à tona – e a promessa é de que seja até o final do mês – o projeto de mudanças da Lei Rouanet. Caberá ao sociólogo baiano, filiado ao PV, convencer a sociedade de que, sem as alterações, a cultura perderá.

CartaCapital: Mudar a Lei Rouanet será sua prioridade?

Juca Ferreira: Será uma das prioridades. Como meu mandato é de continuidade, tenho de manter o ministério no processo em que vinha. Trabalharemos também o Plano Nacional de Cultura, um instrumento de nacionalização da política, e a modernização do direito autoral e da Funarte.

CC: Uma de suas maiores batalhas, na secretaria-executiva, talvez tenha sido pelo aumento do orçamento do ministério. Será possível conseguir isso?

JF: A gente já vem aumentando o orçamento e acho que vai continuar. A crise mundial pode levar o governo a uma posição mais rígida na redução de gastos. Mas temos conseguido sensibilizar as áreas econômicas para a nova formatação da cultura. A mudança na lei vai estabelecer um balanço entre custo e benefício.

CC: Entre o que custa para os cofres públicos e os benefícios que traz?

JF: A mudança fará com que a lei seja usada com mais responsabilidade. Em princípio, a renúncia significa uma parceria entre público e privado. O governo disponibiliza um dinheiro de imposto e a empresa financia projetos e programas. Mas, como a decisão cabe aos departamentos de marketing das empresas, há uma certa promiscuidade entre financiamento à cultura e publicidade.

CC: O que mudará o comportamento das empresas?

JF: Haverá uma mudança no padrão da lei. Hoje, 80% do que o ministério disponibiliza para a cultura vem da lei. Mas o mecanismo não é vocacionado para financiar políticas públicas. As empresas, quando se associam a um projeto, querem retorno de imagem e, em busca disso, priorizam certas coisas em detrimento de outras. Desejamos que sejam apoiadas iniciativas relevantes. Mas, claro, uma política pública não pode depender exclusivamente da lei. Vamos substituir um mecanismo não apropriado por um conjunto de mecanismos. Além da renúncia, teremos o Fundo Nacional de Cultura, com uma contribuição orçamentária maior e mecanismos de mercado. O Fundo será reafirmado como o principal mecanismo de financiamento da política pública.

CC: Mas o que garantiria dinheiro para o fundo, hoje quase vazio?

JF: Vamos estruturá-lo por meio de fundos setoriais. Teremos o Fundo Nacional das Artes, o Fundo Setorial do Audiovisual, que já existe, cada um com um gestor próprio. O Fundo Nacional do Livro e Leitura, por exemplo, terá 1% do lucro de toda a cadeia produtiva. Esses fundos poderão fazer parcerias de produção e patrocínio com a área privada.

CC: Hoje, o próprio ministério depende da Lei Rouanet. Vocês vão diminuir esse uso?

JF: Espero que sim. Não só o ministério como os governos estaduais e municipais que usam a lei para atividades permanentes. Mas a solução depende do orçamento.

CC: Então não é ilusória?

JF: Não. A gente tem aumentado o orçamento e os recursos para a cultura.

CC: Quando a lei foi criada, a idéia era estimular o empresariado a colocar dinheiro próprio nos projetos, o que não aconteceu. Como mudar isso?

JF: Os índices de renúncia não serão previamente definidos, como é hoje. Não haverá mais a definição de que o investimento em música popular tem direito a 30% de renúncia (ou seja, os 70% restantes do orçamento devem ser completados com dinheiro da própria empresa), e música erudita a 100%. Vamos criar grades de critérios para avaliar os projetos. O teto de renúncia será definido pela pontuação. Vamos levar em conta a relevância cultural, a qualidade na elaboração, a acessibilidade e o quanto um projeto beneficia as regiões que mais necessitam. Quanto mais se aproximarem desses critérios, mais se aproximarão dos 100%. De início, pode haver um estranhamento, mas acho que vai ser positivo.

CC: O Estado vai cumprir um papel fiscalizador?

JF: Mude ou não mude a lei, a gente está avançando na direção de que o dinheiro seja disponibilizado com critérios e que, uma vez disponibilizado, tenha seu destino acompanhado pelo ministério. Dinheiro público requer responsabilidade.

CC: Mas o ministério não tem gente suficiente para avaliar os projetos. Como conseguirá ainda fiscalizar?

JF: Enviamos uma proposta de reforço do ministério. Esperamos que o Congresso aprove isso rapidamente.

CC: Como o senhor define o campo de atuação do ministério?

JF: Ampliamos o conceito de cultura e trabalhamos a cultura como política pública, a partir da idéia de que todo brasileiro tem direito à cultura, tanto no sentido da expressão quanto da fruição. É a cultura como fato simbólico, direito de cidadania e economia.

CC: O setor cultural absorveu essas idéias? Vocês, inicialmente, receberam duras críticas.

JF: Acho que sim. É evidente que divergências existem, mas percebo um diálogo muito forte. Me considero sortudo, não esperava ser tão bem recebido. Houve um reconhecimento de que a melhor opção seria a continuidade. Não há mais a idéia de que o Estado é o lobo-mau que vai devorar os pobres dos produtores. O Estado democrático não quer dirigir nem fazer escolhas estéticas, mas tem o seu papel.

CC: Qual seria a grande aproximação do MinC com o governo Lula? A chegada de novos protagonistas?

JF: O governo Lula incorporou parcelas da população que nunca tiveram participação na vida econômica brasileira. Mas, agora, uma pesquisa mostrou que os recém-incorporados à classe C não se consideram de classe média por não terem lazer qualificado nem acesso à cultura. Eles sinalizaram que o esforço de inclusão não pode se basear só no aumento do poder aquisitivo. Eles querem a inclusão simbólica. E quando o presidente Lula nos colocou, através do Mais Cultura, na agenda social, apontou nessa direção, mudando um paradigma histórico. Desde que o Brasil é Brasil, quando se falava em agenda social, só se falava em estômago, moradia e educação.

CC: O senhor acredita que o discurso da cultura como necessidade básica tenha sido mesmo absorvido pela sociedade?

JF: Não digo que esteja consolidado, mas a mensagem foi compreendida. Não se pode mais tratar a cultura como a cereja do bolo.’

 

 

 

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