Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carta Capital

CRISE GLOBAL
Luiz Gonzaga Belluzzo

Keynes e o fim do laissez-faire, 31/10

‘John Mayard Keynes nasceu em 1883, o ano da morte de Karl Marx. Nesse momento a economia mundial vivia o tempo da Grande Depressão do século XIX e das profundas transformações da 2ª Revolução Industrial. Entre 1873 e 1896 o aço, a eletricidade, o motor a combustão interna, a química da soda e do cloro, alteraram radicalmente o panorama da indústria, até então marcado pelo carvão, pelo ferro e pela máquina a vapor. A aplicação simples da mecânica cedeu lugar à utilização e integração sistemática da ciência nos processos produtivos. Esta segunda revolução industrial veio acompanhada de um processo extraordinário de ampliação das escalas de produção.

O crescimento do volume de capital requerido pelos novos investimentos impôs novas formas de organização à empresa capitalista. A sociedade por ações tornou-se a forma predominante de estruturação da propriedade. Os bancos, que concentravam suas operações do financiamento do giro dos negócios, passaram a avançar recursos para novos empreendimentos (crédito de capital), e a promover a fusão entre as empresas já existentes. Pouco a pouco todos os setores industriais foram dominados por grandes empresas, sob o comando de gigantescas corporações financeiras. O movimento de concentração do capital produtivo e de centralização do comando capitalista tornou obsoleta a figura do empresário frugal que confundia o destino da empresa com sua própria biografia. O magnata da finança é, agora, o herói e o vilão do mundo que nasce.

Estas violentas transformações sacudiram a Inglaterra e a Alemanha, os Estados Unidos e o Japão. A Inglaterra, pioneira da indústria, foi incapaz de deter o avanço dos demais e de preservar sua supremacia econômica. Os Estados Unidos e a Alemanha ingressaram no cenário. Fizeram valer a superioridade de suas respectivas estruturas capitalistas, especialmente a agilidade de seus bancos e a presença ativa de seus respectivos Estados nacionais. A emergência de novas potências inaugurou um período de grande rivalidade internacional. A disputa pela preeminência econômica intensificou a penetração de capitais nas áreas provedoras de matérias primas e alimentos, alterando a configuração da chamada periferia do mundo capitalista.

O padrão ouro foi a organização monetária do apogeu da Ordem Liberal Burguesa. Isto quer dizer que ele se apresentava como a forma ‘adequada’ de coordenação do arranjo internacional que supunha a coexistência de forças contraditórias: 1) a hegemonia financeira inglesa, exercida através de seus bancos de depósitos e de sua moeda; 2) a exacerbação da concorrência entre a Inglaterra e as ‘novas’ economias industriais dos trusts e da grande corporação, nascidos na Europa e nos Estados Unidos, 3) a exclusão das massas trabalhadoras do processo político (inexistência do sufrágio universal) e 4) a constituição de uma periferia ‘funcional’, fonte produtora de alimentos, matérias primas e, sobretudo, fronteira de expansão dos sistemas de crédito dos países centrais.

No seu célebre artigo O Fim do Laissez-Faire, John Maynard Keynes cuidou de refletir sobre as transformações que deixaram para trás os mitos do capitalismo liberal. Não por acaso, ironizou a idéia de que a busca do interesse privado levaria necessariamente ao bem estar coletivo. ‘Não é uma dedução correta dos princípios da teoria econômica afirmar que o egoísmo esclarecido leva sempre ao interesse público. Nem é verdade que o auto-interesse é, em geral, esclarecido.’

Conservador, Keynes professava a convicção de que a sociedade e o indivíduo são produtos da tradição e da história. Cultivava os valores de uma moral comunitária. Tinha horror ao utilitarismo e à hipocrisia da Era Vitoriana. Isso não quer dizer que recusasse o programa da modernidade, empenhado no avanço das liberdades e da autonomia do indivíduo. Não acreditava, porém, que esta promessa pudesse ser cumprida numa sociedade individualista em que os possuidores de riqueza orientam obsessivamente o seu comportamento para as vantagens do ganho monetário.

Descreveu sua utopia no artigo Perspectivas Econômicas para Nossos Netos: ‘Estou à espera, em dias não muito remotos, da maior mudança que já ocorreu no âmbito material da vida, para os seres humanos em seu conjunto. Vejo-nos livres para voltar a alguns dos mais seguros e tradicionais princípios da religião e da virtude tradicional – de que a avareza é um vício, a usura uma contravenção, o amor ao dinheiro algo detestável.. Valorizemos novamente os fins acima dos meios e preferiremos o bem ao útil. Honraremos os que nos ensinam a passar virtuosamente e bem a hora e o dia, as pessoas agradáveis capazes de ter um prazer direto nas coisas, os lírios do campo que não mourejam nem fiam.’

O ‘amor ao dinheiro’, dizia, é o sentimento que move o indivíduo na economia mercantil-capitalista. Fator de progresso e de mudança social, the love of money’ pode se transformar em um tormento para o homem moderno. Seus efeitos negativos precisam ser neutralizados mediante a ação jurídica e política do Estado Racional e, sobretudo, pela atuação de ‘corpos coletivos intermediários’; como, por exemplo, um Banco Central dedicado à gestão consciente da moeda e do crédito.

Keynes acreditava que a cura para os males do capitalismo deve ‘ser buscada, em parte, pelo controle da moeda e do crédito por uma instituição central e, em parte, por um acompanhamento da situação dos negócios, subsidiados por abundante produção de dados e informações’.

Keynes falava ‘da direção inteligente pela sociedade dos mecanismos profundos que movem os negócios privados’; particularmente os processos que envolvem as decisões de investimento, ou seja, a criação de riqueza nova.

Na Teoria Geral, Keynes tratou do caráter instável do investimento privado, concebido por ele como uma vitória do espírito empreendedor sobre o medo decorrente da ‘incerteza e da ignorância quanto ao futuro’. É a tensão não mensurável entre as expectativas a respeito da evolução dos rendimentos do novo capital produtivo e o sentimento de segurança proporcionado pelo dinheiro que vão determinar; em cada momento, o desempenho das economias de mercado. A vida do homem comum vai depender do volume de gastos que os capitalistas – detentores dos meios de produção e controladores do crédito – estarão dispostos a realizar, criando mais renda e mais emprego. O destino da sociedade é decidido na alma dos possuidores de riqueza, onde se trava a batalha entre as forças de criação de nova riqueza e o exército negro comandado pelo ‘amor ao dinheiro’.

As decisões de gasto estão subordinadas às expectativas dos capitalistas – enquanto possuidores de riqueza monetária – do sistema bancário em derradeira instância – de abrir mão da liquidez, criando crédito e incorporando novos títulos de dívida à sua carteira de ativos.

Nos momentos em que o medo do futuro atropela o espírito de iniciativa, a demanda capitalista por riqueza pode se concentrar em ativos líquidos já existentes, inchando a circulação financeira e jogando para baixo os preços dos papéis (e, portanto, afetando as taxas de juros), com prejuízos para o emprego e a renda da comunidade. Esta demanda por liquidez não suscita o aumento da produção e a contratação de novos trabalhadores para satisfazê-la. Por isso, o investimento não deve ser deixado exclusivamente aos caprichos do ganho privado. Deixados à sua lógica, os mercados são incapazes de derrotar a incerteza e a ignorância.

Não é surpreendente que nos trabalhos elaborados para as reuniões que precederam as reformas de Bretton Woods, Keynes tenha tomado posições radicais em favor da administração centralizada e pública do sistema internacional de pagamentos e de criação de liquidez. Ele imaginava que o controle de capitais deveria ser ‘uma característica permanente da nova ordem econômica mundial’.

Uma instituição supranacional-um banco central dos bancos centrais – seria encarregada de executar a gestão ‘consciente’ das necessidades de liquidez do comércio internacional e dos problemas de ajustamento de balanço de pagamentos entre países, superavitários e deficitários. Keynes pretendia evitar os métodos de ajustamento recessivos e assimétricos impostos aos países deficitários e devedores por um sistema internacional em que os problemas de liquidez ou de solvência dependem da busca da ‘confiança’ dos mercados de capitais.

As instituições multilaterais de Bretton Woods – o Banco Mundial e o FMI – nasceram com poderes de regulação inferiores aos desejados inicialmente por Keynes e Dexter White respectivamente representantes da Inglaterra e dos Estados Unidos nas negociações do acordo, que se desenvolveram basicamente, entre 1942 e 1944. Harry Dexter White pertenceu à chamada ala esquerda dos New Dealers e foi por isso, depois da guerra, investigado duramente pelo Comitê de Atividades Anti-Americanas do Congresso. Seu plano inicial previa a constituição de um verdadeiro Banco Internacional e de um Fundo de Estabilização. Juntos o Banco e o Fundo deteriam uma capacidade ampliada de provimento de liquidez ao comércio entre os países-membros e seriam mais flexíveis na determinação das condições de ajustamento dos déficits do balanço de pagamentos. Isso assustou o establishiment americano. Uns porque entendiam que estes poderes limitavam seriamente o raio de manobra da política econômica nacional americana. Outros porque temiam a tendência ‘inflacionária’ desses mecanismos de liquidez e de ajustamento.

Keynes propôs a Clearing Union, uma espécie de Banco Central dos bancos centrais. A Clearing Union emitiria uma moeda bancária, o bancor, ao qual estariam referidas as moedas nacionais. Os déficits e superávits dos países corresponderiam a reduções e aumentos das contas dos bancos centrais (em bancor) junto à Clearing Union. Uma peculiaridade do Plano Keynes era a distribuição mais eqüitativa do ônus do ajustamento dos desequilíbrios dos balanços de pagamentos entre deficitários e superavitários. Isto significava, na verdade, dentro das condicionalidades estabelecidas, facilitar o crédito aos países deficitários e penalizar os países superavitários. O propósito de Keynes era evitar os ajustamentos deflacionários e manter as economias na trajetória do pleno-emprego. A proposta também sofreu sérias restrições dos Estados Unidos, país que emergiu da segunda guerra como credor do resto do mundo e superavitário em suas relações comerciais com os demais.

O enfraquecimento do Fundo, em relação às idéias originais, significou a entrega das funções de regulação de liquidez e de emprestador de última instância ao Federal Reserve. O sistema monetário e de Bretton Woods foi menos ‘internacionalista’ do que desejariam os que sonhavam com uma verdadeira ordem econômica mundial.’

 

 

O FUTURO DO JORNAL
Felipe Marra Mendonça

A profecia auto-realizável do fim da imprensa?, 31/10

‘Em entrevista recente com Marc Andreesen, criador do Netscape, primeiro navegador comercial da internet, a revista Portfolio perguntou o que ele faria se estivesse no controle do New York Times. Parte da pergunta se devia ao fato de Andreesen ter em seu blog (blog.pmarca.com) uma espécie de contagem regressiva da morte da edição impressa do diário nova-iorquino. A resposta foi taxativa: ‘Eu acabaria com a edição impressa imediatamente. É preciso jogar pra frente’.

Andreesen cita o exemplo da Intel em 1985. A empresa era esmagada pelos japoneses no mercado de memória, o carro-chefe de vendas. A companhia fechou a divisão e dirigiu a energia para um negócio à época muito menor, o de microprocessadores. A Intel garantiu o futuro e hoje é líder mundial na fabricação de chips. O criador do Netscape acredita que as companhias que publicam jornais precisam fazer exatamente a mesma coisa. Uma coisa é acreditar, a outra é apostar no incerto e pular no vazio.

Os primeiros saltos foram dados por publicações de circulação menor e alguns exemplos foram mostrados nesta coluna, mas a decisão do Christian Science Monitor de acabar com a ‘versão papel’ é histórica. Foi o primeiro jornal americano com circulação nacional a se transformar em uma publicação on-line e atualizada durante todo o dia. Em editorial que busca explicar o motivo da decisão, Mary Trammel, editora-chefe, escreveu que ‘o método de entrega e o formato são secundários e precisam ser ajustados para que fiquem em sincronia com os tempos’.

Alguma contabilidade também deve ter entrado no processo de decisão. O Monitor tem pouco mais de 52 mil leitores e era entregue pelo correio, o que tornava a operação impressa financeiramente hemorrágica. O site deve receber atualização significativa durante o processo de conversão total para a internet, o que vai melhorar uma página (www.csmonitor.com).

Uma versão em formato menor será publicada em papel semanalmente e a assinatura custará 90 dólares, em comparação ao preço atual de 220 dólares pela assinatura da edição impressa diária. Outra versão, em PDF, será oferecida aos leitores para que seja lida eletronicamente ou impressa em casa, mas os editores ainda não fixaram o preço do produto.

Ao concluir o editorial, a editora-chefe Trammel afirmou que o Monitor está numa posição única de poder tirar proveito de novas tecnologias, condições de mercado e hábitos de consumo de notícias que podem aumentar dramaticamente sua relevância, seu alcance e sua utilidade. Cita também a resposta dada por Arthur Sulzberger Jr., publisher do New York Times, quando foi perguntado em 22 de outubro se a edição impressa do jornal continuaria existindo em uma década. ‘O cerne da resposta precisa ser a de que isso não tem qualquer importância. Precisamos estar onde as pessoas nos quiserem pela nossa informação.’’

 

 

ELEIÇÕES NOS EUA
Luiz Carlos Azenha

McCain: Difícil, não impossível, 31/10

‘O sonho republicano é que John McCain possa fazer como o democrata Harry Truman, cuja derrota eleitoral para o republicano Thomas Dewey foi ‘antecipada’ pelo jornal Chicago Tribune, em 1948, com a clássica manchete: ‘Dewey derrota Truman’. Truman venceu por 303 votos a 189 no Colégio Eleitoral.

A diferença, meio século depois, é que as pesquisas eleitorais se multiplicaram e não passam algumas horas sem que um novo levantamento seja divulgado nos Estados Unidos.

O cenário permanece praticamente inalterado: o democrata Barack Obama tem consistentemente mais de 50% da preferência do eleitorado. John McCain avançou um pouco, atingindo até 47% em algumas pesquisas nacionais.

O problema é que isso nem sempre se reflete nas pesquisas estaduais, especialmente nos estados em que a disputa vem sendo travada. A vantagem de Obama, ainda que pequena, persiste na Flórida, em Ohio, na Virgínia e na Carolina do Norte.

McCain precisa reverter essa tendência e virar o jogo em pelo menos um estado democrata, a Pensilvânia, para conquistar a Casa Branca.

Para isso o republicano precisa contar com o apoio da grande maioria dos eleitores indecisos. Ou com uma taxa de participação de eleitores democratas inferior à projetada pela campanha de Barack Obama. Ou com uma presença de republicanos bem acima da expectativa, já que o voto nos Estados Unidos é facultativo.

Os republicanos sempre tiveram a máquina mais eficiente para levar os eleitores às urnas. Foi o que garantiu as vitórias de George W. Bush em 2000 e 2004. Por outro lado, Obama construiu pacientemente uma organização nacional para registrar novos eleitores e convencê-los a votar na próxima terça-feira.

A essa altura, John McCain precisa de uma conjunção extraordinária de fatores para virar o jogo. Difícil, mas não impossível.’

 

 

AMEAÇA
Wálter Fanganiello Maierovitch

A máfia croata, 31/10

‘Ivo Pukanic, apelidado de Puki, ficou conhecido na Europa pelo jornalismo investigativo e pela amizade com o biliardário compatriota Hrvoje Petrac, um traficante de armas que fizera fortuna durante o governo do sanguinário presidente Franjo Tudjman. Com Tudjman e os seus generais croatas na mira da Corte Especial das Nações Unidas para os crimes de guerra e contra a humanidade na ex-Iugoslávia, Petrac fugiu para a Grécia, mas não escapou à extradição.

Petrac recebeu condenação, em primeiro grau, como mandante de crime de extorsão mediante seqüestro do filho do corrupto ex-general e ex-ministro da Defesa croata Vladimir Zagorec. Este foi preso e extraditado por corrupção para a Croácia, depois de localizado o seu esconderijo austríaco, onde mantinha contas bancárias estimadas em mais de 26 milhões de euros. Pelo resgate do filho de Zagorec o mandante Petrac teria solicitado 1,5 milhão de euros.

A propósito, quando a Croácia estava sob embargo, Zagorec comprava armas no mercado ilegal, por ordem de Tudjman, líder ultranacionalista, primeiro presidente da Croácia independente (1990) e vencedor da guerra contra a Iugoslávia de Slobodan Milosevic. Além dos desvios de dinheiro, Zagorec subtraiu dos cofres do Ministério da Defesa diamantes avaliados em 5 milhões de dólares. Uma das testemunhas da apropriação foi Petrac.

Tudjman e o delirante Milosevic, da Grande Sérvia, livraram-se, pelas mortes, de condenações pela Corte Internacional da ONU: um câncer fatal inviabilizou a extradição de Tudjman, falecido, em dezembro de 1999.

Por meio de fotografias, filmagens, extratos de contas correntes e declarações de entrevistados, o jornalista Puki adquiriu fama ao revelar como o primeiro-ministro de Montenegro fazia contrabando de cigarros Marlboro para toda a Europa.

Os 007 dos Estados integrantes da União Européia suspeitavam da associação do premier motenegrino Milo Djukanovic com a criminalidade organizada e a cobertura que ela dava, pois brecava pedidos de extradições a membros condenados da Cosa Nostra, foragidos e com mandados internacionais de prisão espalhados por todo o planeta. Só que a denúncia, com relação ao premier Djukanovic, partiu do polêmico Puki.

Puki, croata de 47 anos, conseguiu entrevistar, em 2003, o general Ante Gotovina, enquanto ele era, desde 2001, caçado, sem sucesso, pela combativa procuradora Carla Del Ponte, da mencionada Corte Internacional. A tarefa não deve ter sido difícil, pois o seu amigo Petrac era quem dera, por mais de quatro anos, cobertura financeira para Gotovina.

E mais: Gotovina aproveitou a entrevista para declarar que se apresentaria, caso fosse considerado apenas suspeito, e não réu-preso, em processo internacional. Apenas em dezembro de 2005 ocorreu, em Tenerife (Espanha), o encontro e a prisão de Gotovina. Gotovina era o homem da confiança do presidente Tudjman, que o encarregou de comandar a Operação Tempestade, iniciada em 4 de agosto de 1995, de recuperação, expulsão e massacre de civis sérvios, de maioria muçulmana, que ocupavam área proclamada como República Sérvia do Krajina, por Milosevic.

Como explica Carla Del Ponte, no seu livro La Caccia: Io e i criminali di guerra (A Caça: Eu e os criminosos de guerra), no final de 1991, o Exército de Milosevic havia ocupado um terço do território da Croácia e, por acordo e fragilidade militar croata, a área acabou sob proteção dos capacetes-azuis da ONU.

Na quinta-feira 23, final da tarde, Puki deixou, na capital Zagreb, a redação do seu semanário chamado Nacional. Estava com o redator-chefe Niko Franjic. Ao abrir a porta do seu automóvel, na conhecida prática mafiosa sículo-americana que acabou incorporada aos atentados de Beirute, uma bomba detonou e mandou os dois jornalistas para os ares, a causar mortes imediatas.

Mais um crime de máfia, consoante reconheceu o primeiro-ministro croata Ivo Sanader, ex-pupilo e partidário do falecido Franjo Tudjman. Aliás, máfias que tomaram conta de países financeiramente quebrados do Leste, depois da queda do Muro de Berlim.

Duas semanas antes das explosões de Puki, amigo de Petrac que protegia Gotovina, a jovem Ivana Hodak, 26 anos, foi assassinada com dois disparos na cabeça, no centro de Zagreb. Ela era filha do advogado mais famoso da Croácia, Zvonimir Hodak, defensor do ex-general, ex-ministro da Defesa Vladimir Zagorec, inimigo de Petrac.

A Croácia, que tinha dificuldade de ser aceita na União Européia por demorar a entregar à Corte Internacional os seus generais foragidos, conseguiu vencer as barreiras do nacionalismo assassino: cooperou nas capturas. Agora a ameaça é outra, ou seja, terá a Croácia de acabar com a máfia para ser admitida.’

 

 

CINEMA
Ana Paula Sousa

Os véus do mundo, 31/10

‘Vestida de preto, com um lenço sobre a cabeça, Samira Makhmalbaf caminha em São Paulo à espera de um ar condicionado. Incomodada com o calor, a cineasta, que integrou o júri da Mostra Internacional, faz ligeiros movimentos com o lenço enquanto conversa. Cada vez que seus cabelos negros se anunciam, abaixa o olhar e refaz o nó do lenço. Cabeça de novo coberta, volta a mirar quem está à sua frente com firmeza. Os olhos, expressivos, parecem servir de modulação à fala serena. É com um fiapo de voz, acompanhada de perto pelo marido, que Samira fala sobre violência, censura e política.

Integrante da dinastia de Mohsen Makhmalbaf, diretor de O Ciclista (1989) e A Caminho de Kandahar (2001), Samira chamou a atenção do mundo ao emplacar, no Festival de Cannes, em 1988, o memorável A Maçã. Tinha então 18 anos. Sua irmã, Hana, debutou aos 14 no Festival de Veneza, em 2003. A mãe e o irmão também participam da atividade familiar. Neste momento, no entanto, por pressões do governo, nenhum deles pode trabalhar em Teerã.

‘Durante muito tempo, pensei: ‘Será que meu pai será morto por causa de um filme?’, diz a diretora. Seu pai, expoente da chamada Nouvelle Vague iraniana, ao lado de Abbas Kiarostami, mudou-se para o Afeganistão.

Samira está sem residência fixa e, durante as filmagens de Cavalo de Duas Patas, em março deste ano, sofreu um ataque à bomba. ‘Mostrei o roteiro no Irã e me disseram que ninguém da família Makhmalbaf teria permissão para filmar. Decidi filmar no Afeganistão. Depois do atentado, mais do que com medo, fiquei muito triste.’

CartaCapital: Como é a vida sob constante ameaça?

Samira Makhmalbaf: É sempre estranho, mas, desta vez, foi diferente. Nunca tinham nos atacado com uma bomba. Mais do que com medo, fiquei muito triste. Não podemos fazer filmes na nossa terra e, se vamos para outro país, também somos atacados.

CC: Uma bomba explodiu no set?

SM: Alguém se escondeu entre os figurantes e atirou uma granada contra a câmera. Seis pessoas ficaram feridas, uma delas morreu no hospital. A ONU disse que deveríamos ir embora. Eu iria, pela segurança da equipe, mas todos decidiram continuar. Trabalhamos cercados por soldados e aceleramos as filmagens. Essas pessoas não querem que eu e meu pai façamos filmes. Uma das razões para continuar foi evitar que eles tivessem sucesso.

CC: Vocês descobriram alguma coisa sobre os autores do atentado?

SM: Não poderíamos tentar descobrir, seria ainda mais perigoso.

CC: Você e seu pai fazem sucesso ao redor do mundo. Mas, no Irã, como vão os filmes que vocês realizam? SM: Infelizmente, nada bem. Por causa da censura, o governo não mostra o que fazemos. Quando mostram, como aconteceu com alguns filmes do meu pai, estipulam uma lista de regras. Eles definem o mês, o horário, de preferência aquele em que ninguém vai ao cinema, e a sala, geralmente inadequada. Mas hoje há a possibilidade do DVD.

*Confira a íntegra dessa entrevista na edição impressa’

 

 

 

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O Estado de S. Paulo – 2

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