Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Carta Capital


LIVRO


Mauricio Dias


Fernando Henrique está nu


‘O livro do pernambucano e ex-ministro da Justiça Fernando Lyra, Daquilo Que Eu Sei – Tancredo e a transição democrática (Editora Iluminuras), que será lançado dia 16 de março, enriquece com informações e análises os dias finais da ditadura militar, nos anos 1980, feita no ritmo imposto pela conveniência dos generais: lento e gradual.


Lyra, aliás, não titubeou quando perguntado por este colunista: a dita era ‘dura’ ou era ‘branda’, como quer a Folha de S.Paulo?


‘Dura, sem dúvida. Ditadura.’


Integrante do grupo de parlamentares chamados ‘autênticos’ ou ‘radicais’ do MDB (ancestral do PMDB) que atuou destemidamente contra o regime militar, Lyra tornou-se um escudeiro político, fiel e influente da vitoriosa candidatura indireta do moderado Tancredo Neves. Um marco da conciliação brasileira.


‘Eu não mudei. Mudou o processo’, ele explica, convicto de que foi ‘a melhor maneira de alargar as conquistas democráticas’.


No livro, Lyra deixa nu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao relatar a disputa interna, no PMDB, entre Ulysses Guimarães e Tancredo Neves. Eis a história para a qual o autor dá o seguinte título: Com quem está Fernando Henrique?


FHC era considerado peça importante ‘no contexto partidário’ para a escolha de Tancredo Neves, como candidato à Presidência da República.


– Certo sábado, fui a Belo Horizonte falar com o doutor Tancredo. De repente, no meio da conversa, ele me indagou de modo bem direto:


– Como está a posição de Fernando Henrique?


– Garanto que ele está conosco. Fernando Henrique é meu amigo e jamais negaria sua posição. Ele nos apoia pra valer, respondi.


– Pois veja esta entrevista.


Doutor Tancredo me mostrou, então, uma entrevista de Fernando Henrique ao jornal O Estado de S. Paulo daquele dia, com declarações habilmente apoiando Ulysses, ou que levam a essa interpretação.


– Isso tem uma explicação, doutor Tancredo. Veja que a entrevista foi concedida em São Paulo, numa sexta-feira à tarde. Ulysses também é paulista, como Fernando Henrique, que preside o PMDB paulista. De sexta-feira à tarde até segunda de manhã, ele está em São Paulo, mas em todos os outros dias da semana ele se encontra em Brasília, onde vai acontecer a eleição para presidente. Por isso, fique tranquilo, ele vota no senhor, ponderei.


FHC dizia em São Paulo e se desdizia em Brasília. Lyra consolida a imagem indecisa e claudicante do ex-presidente. O retrato de um político com perfil indefinido.’


 


 


INTERNET


Felipe Marra Mendonça


Mundo digital


‘‘Incremente este mendigo’ é uma tradução liberal do site americano Pimp This Bum (http://ascendgence.com/pimpthisbum/index.aspx). Ele surgiu de uma campanha de dois empresários americanos, Kevin e Sean Dolan, pai e filho, que sempre viam o mendigo Tim Edwards quando passavam por um viaduto em Houston (Texas). A ideia é dar uma face humana ao problema dos sem-teto e o nome provocativo do site foi pensado exatamente para isso. ‘Queríamos insultar a sensibilidade das pessoas, para que elas viessem ao site e vissem Tim. Os cidadãos parecem ter se apaixonado por ele’, disse Kevin, especialista em marketing, ao Houston Chronicle. ‘Se o site se chamasse algo como Ajude os Sem-Teto, muitos simplesmente passariam direto e não clicariam’, completou Sean.


Parte do apelo é fruto da atual situação da economia americana e do aumento expressivo na taxa de desemprego no país. Edwards foi um gerente de escritório com casa própria e era dono de um carro, mas lentamente ‘perdeu as esperanças’, segundo suas próprias palavras, e acabou vagando pelas ruas de Houston. ‘Sou o primeiro mendigo on-line do mundo’, disse Edwards. ‘O objetivo do projeto é tirar as pessoas das ruas. Eu sou um pioneiro, mas tenho outros amigos comigo. Se não acertar agora, não vai funcionar para eles também.’ O site aceita doações por cartão de crédito, mas algumas pessoas visitam Tim regularmente no lugar onde ele fica com maior frequência, para dar comida e vales-refeição. Ou simplesmente param para bater um papo.


Sean Dolan explica que ele e o pai decidiram abordar um grupo de mendigos que sempre viam sob o viaduto da Rota 66, em Houston. Ao se aproximarem, explicaram o que pretendiam com o site e o mais alto deles, Edwards, aproximou-se e perguntou qual seria o nome do projeto. ‘Não sabia como eles reagiriam, mas disse ‘incremente este mendigo pontocom.’ Depois de um período de silêncio, eles começaram a gargalhar’, explicou Dolan. ‘Marcamos um novo encontro com Edwards e voltamos para casa. Na semana seguinte, nos encontramos e ele pareceu entusiasmado com o projeto, tinha bom senso, humor e era caloroso.’


Edwards deve aderir a um programa de desintoxicação alcoólica nesta semana em um centro médico na cidade de Seattle, que decidiu doar o tratamento ao conhecer o site, além de pagar o traslado de Houston até a Costa Oeste americana. O site terá webcasts do tratamento enquanto durar. Muitos dizem que este centro e qualquer outra empresa que se associem ao projeto só querem usar a imagem de Edwards. Seria uma exploração da sua condição, mas ele não concorda. ‘Eu pedi a Deus pela chuva e apareceram esses caras’, disse ao Chronicle.


Antes da entrada no centro, Edwards disse querer marcar a nova vida, ao cortar o cabelo e tirar a barba. Tudo ao vivo no Pimp This Bum, claro.’


 


 


TELEVISÃO


Nirlando Beirão


Semideuses da América


‘Assim como faz o ombudsman da Folha, este colunista decidiu escapulir do tema Ronaldo.


Ele dá ibope, mas já que o Fenônemo é, segundo o ombudsman, na ordem das relevâncias jornalísticas, um tipo irrelevante, esta coluna resolve se locomover para temas mais consistentes. Aí vão: tortura em Guantánamo, casamento gay, assédio sexual, discriminação por raça ou status social, crimes passionais, a doença da vaca louca, pena de morte no Texas, o mal de Alzheimer, eutanásia, políticos trapaceiros, erro médico, estupro, aborto, doping, Charles Darwin e travestis.


Esses assuntos salpicam – com perspicácia e humor – as cinco temporadas (e, ao todo, 101 episódios) de um seriado de tevê em que, via ficção, a gente fica sabendo mais da realidade do que ao folhear as penosas páginas dos jornalões metidos a sério. Repito: é ficção. Mas o mundo passa por ela. Absurdo, ilógico e, como convém à realidade, surreal.


Boston Legal voltou ao Brasil (como Justiça sem Limites) nesta quarta 11 (Fox, 21 h) para aquela temporada que nos Estados Unidos foi a quinta e última (produzida para a ABC). Serão treze episódios. O último deles, acachapante, não conto nem sob tortura. Num país que se orgulha de ser governado ‘por leis, não pelos homens’, é natural que as criaturas que gravitam febrilmente em torno da Justiça ganhem status que não têm em outras sociedades. O advogado é o personagem da América. Haja vista quanta piada existe em torno dele.


Crane, Poole & Schmidt é um desses superescritórios com pedigree liberal no currículo e elasticidade ética na atuação. Não é gratuito que Boston seja o cenário. Boston é cidade de nariz empinado e combina bem com o figurino bem talhado de um corporate lawyer disposto a tudo para vencer. O happy hour no terraço dos sócios, regado a antiquado scotch, é a metáfora de um universo de aparências pomposas, mas calamitosas.


O problema é que a Fox insiste em dublar os episódios, o que faz o William Shatner (ex-comandante de Star Trek, hoje o atormentado sócio Denny Crane) soar, durante suas bombásticas prédicas de tribunal, como se tivesse sido submetido a prévio estágio na Praça Mauá. Na era dos vídeos e videolocadoras, a vantagem das séries de tevê é que ninguém precisa vê-los na tevê.’


 


 


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