Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Carta Capital

PESQUISA
Mauricio Dias

A vitória da continuidade, 10/10

‘Símbolo de audiência e de tendências eleitorais, o Ibope virou também sinônimo de polêmica. As televisões não gostam de perder audiência e os candidatos detestam as previsões de fracasso. Carlos Augusto Montenegro, a voz do Ibope, está acostumado a isso.

Nesta entrevista à CartaCapital, ele desfaz muitos palpites sobre as recentes eleições municipais. Para ele só houve um fator preponderante no resultado: o continuísmo. Montenegro argumenta que a popularidade do presidente Lula, de 80%, não significa que ela seja capaz de eleger postes. ‘Lula não foi perdedor e nem vencedor.’

Para Montenegro, a eleição municipal de 2008 não tem nada a ver com a presidencial de 2010. Na entrevista a seguir, ele explica por que as pesquisas eleitorais não captaram alguns resultados, como o fato de Gilberto Kassab ter recebido mais votos do que Marta Suplicy em São Paulo, e o de Fernando Gabeira ter ido ao segundo turno no Rio de Janeiro.

CartaCapital: Houve algum fator predominante na decisão do eleitor nesse primeiro turno das eleições municipais?

Carlos Augusto Montenegro: Houve uma onda de reeleição. A reeleição já ajuda, naturalmente, a quem está no cargo. Nestas eleições municipais quem mais ajudou a todos que estavam no cargo foi Lula. Foi a eleição do continuísmo. A eleição que já favorecia quem concorria à reeleição favoreceu mais ainda com Lula.

CC: Independentemente do partido?

CAM: Por conta do momento mágico que o Brasil atravessa na economia, de crédito consignado, de empregos formais, de inflação baixa, de pessoas saindo da classe pobre para a média, pessoas comendo mais, comprando bens de consumo.

CC: É uma descrição da felicidade…

CAM: As pessoas estão muito felizes e, estando muito felizes, não só Lula atingiu uma marca histórica de aprovação, como os candidatos à reeleição foram beneficiados, independentemente do partido, se são aliados ou opositores do presidente. Eu sou até capaz de afirmar que Kassab, em São Paulo, foi mais beneficiado pelos efeitos do governo Lula do que Marta.

CC: Há cidades sobre as quais se possa dizer: Lula foi vitorioso aqui, Lula foi derrotado ali?

CAM: Zero. Não ganhou nem perdeu em nenhuma. Primeiro, ele não estava disputando. Segundo, porque ele não entrou de cabeça. E, terceiro, o que prevaleceu foram administrações locais, currículos locais, fadiga de material de alguns, mas nada relacionado a Lula. E vou mais além: por mais que ele participe em algum lugar do segundo turno o efeito será zero. Não adianta tentar antecipar uma eleição que só vai ocorrer em 2010.

*Confira a íntegra desta entrevista na edição impressa’

 

 

GILMAR MENDES
Mino Carta

As provas são irrefutáveis, 10/10

‘Que diria o atento leitor, o cidadão honrado, ao ser informado que o supremo representante da Justiça brasileira compra terrenos de 2 milhões de reais por um quinto do valor? E que diria ao verificar que, ao aliar à atividade de magistrado a de empresário da educação, fecha contratos sem licitação para cursos diversos com entidades estatais as mais variadas, desde a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional até o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação? É de se supor que o cidadão em pauta ficaria entre atônito e espantado.

A mídia nativa aposta porém em leitores rudes e ignaros, que não precisam, ou melhor, não podem e não devem conhecer situações do Brasil 2008 como as acima apontadas. Donde, que Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, aquele que chamou às falas o presidente da República, durma sonos tranqüilos a despeito do clamoroso conflito de interesses revelado pela magistral reportagem de Leandro Fortes, publicada na edição de CartaCapital da semana passada.

A mídia nativa alimenta uma convicção terrível e, ao mesmo tempo, patética: não acontece aquilo que ela não noticia. Por quanto tempo ainda conseguirá enganar muitos cidadãos, por mais honrados e atentos? A verificar. Vale, em todo caso, citar o chamado ombudsman (ombudsman? Estaremos na Suécia?) da Folha de S.Paulo, na sua tentativa de explicar o silêncio do seu jornal em relação às revelações de CartaCapital.

Pergunta-lhe diretamente um leitor por que ignorar fatos tão relevantes, sem deixar de recordar que o célebre grampo da conversa entre Mendes e o senador Demóstenes Torres, até hoje sem prova, teve ampla cobertura da Folha. Responde o ombudsman que, dependesse dele, ambos os assuntos não teriam registro, embora sustente que a reportagem de CartaCapital apenas se refere ‘a um possível conflito de interesses’.

Possível? Escancarado, indigno de um país que se pretende democrático. Que esperar, no entanto, do ombudsman (esta palavra, insisto, me causa enormes perplexidades) de um jornal que, por exemplo, se esbaldou em casos como o do cartão corporativo da tapioca, enquanto enterrava rapidamente as informações sobre o relacionamento tucano com a Alstom. Seria demais exigir do solerte fâmulo que se perguntasse por que o próprio Gilmar Mendes, ao reagir contra CartaCapital, falasse em ‘pistolagem jornalística’ em lugar de se dizer vítima de mentiras. Não diz porque as provas são contundentes, e um magistrado ao menos sabe disso.

Agora sou eu quem pergunta aos meus pacientes botões qual seria a razão pela qual figuras como Gilmar Mendes, ou como Daniel Dantas, contam com o pronto amparo da mídia nativa. Arrisco-me a um palpite: antes de qualquer outro interesse eventualmente em jogo, trata-se talvez de exercer a proteção corporativa, pontual e inexorável entre aqueles que, de uma forma ou de outra, participam dos mesmos privilégios e os mantêm com a ferocidade necessária. Os donos do poder, dispostos a vender a alma para deixar as coisas como estão.

Há, entre os próprios mestres chamados a transmitir seu saber no instituto de propriedade de Gilmar Mendes e mais dois sócios, quem se prontifique a enaltecer a qualidade dos cursos ali ministrados, em precipitada prática do vitupério. É o de menos. Demais é constatar a obediência à omertà por parte da mídia, a lei do silêncio imposta ao povo siciliano pela Máfia e aqui cumprida pelos senhores midiáticos.

Diz Mendes, de quem supomos mais familiaridade com a lupara do que com a pistola, que CartaCapital serve às conveniências do diretor afastado da Abin, Paulo Lacerda. Pingos nos is. Lacerda, íntegro e competente policial, merece o maior respeito. Afastado injustamente, por obra das insuportáveis pressões do presidente do STF e do ministro da Defesa, Nelson Jobim, já foi convidado a retornar ao cargo pelo presidente da República. Foi o reconhecimento tácito, mas explícito, do erro cometido ao dar ouvidos a dois prepotentes intérpretes da nossa Idade Média.’

 

 

INIMIGOS PÚBLICOS
Gianni Carta, de Paris

O marketing do insulto, 10/10

‘Com 150 mil exemplares impressos em sua primeira edição, o livro Ennemis Publics, baseado na correspondência eletrônica dos dois autores franceses mais lidos no exterior, é a sensação desta rentrée, início do novo ano escolar e época em que centenas de obras são publicadas no país europeu.

De saída, aguça a curiosidade a leitura de uma troca de e-mails feita de janeiro a julho deste ano entre dois protagonistas díspares. Michel Houellebecq, de 52 anos, é um ranheta niilista avesso a entrevistas que encontra refúgio em uma ilha irlandesa. Bernard-Henri Lévy, de 60 anos, um sorridente filósofo dândi e proprietário de luxuosas moradias em Paris, Saint-Paul de Vence, Marrakesh e Nova York. BHL, como é conhecido, está sempre em busca dos holofotes.

O que, portanto, esses dois intelectuais têm em comum para escrever Ennemis Publics (Flammarion-Grasset, 336 págs., 20 euros) a quatro mãos? Excetuada a vaidade desenfreada de ambos, BHL e Houellebecq escreveram e dirigiram péssimos filmes. Um importante crítico considera a obra de BHL Le Jour et la Nuit (1997) ‘o pior filme da história do cinema’. La Possibilité d’une Île (2008), baseado no último best seller de Houellebecq, também foi um fiasco. Porém, ganhou elogios de BHL, que o julga ‘muito bonito’, ‘poético’, ‘metafísico’. Detalhe: a glamourosa mulher de BHL, a atriz Arielle Dombasle, que atua em Le Jour et la Nuit, também é protagonista deste filme.

Eis outro elo entre os dois intelectuais, fundamental para o sucesso de Ennemis: os dois escrevem com maestria sobre diversos temas, abrangendo desde literatura até o corpo do escritor, seus pais, a filosofia, a coragem, o humor, o exílio, a religião, Google (BHL tem obsessão em saber o que dizem sobre ele) etc.

Em seus livros, BHL exibe estilo elegante e objetivo; já o cativante texto de Houellebecq é caótico, sem enredo, com clara inspiração no nouveau roman. Em Ennemis, os dois são profundos em suas análises, mas Houellebecq parece mais ousado. Marie-Laure, do semanal Journal du Dimanche, resume: ‘Eles fazem seu trabalho de intelectuais confrontando as vulgaridades, as questões, os insultos de seu tempo’.

A idéia de Ennemis Publics teria vindo à tona num restaurante: o livro seria uma espécie de plataforma para compreender, por meio do diálogo eletrônico, o motivo pelo qual, escreveu Lévy, ‘nossos contemporâneos vomitam em cima de nós’.

* Confira a íntegra da reportagem na edição impressa’

 

 

CULTURA
Rosane Pavam

Humor de rua, 10/10

‘Nesta terra onde tudo dá, dá-se um artista como Flávio Damm e pouco conhecimento tomamos dele, com a exceção daquilo que é exposto em um livro simples, concebido em editora que circula principalmente entre profissionais. Preto no Branco (Fotos & Fatos) alterna textos e imagens ofertados com significado jornalístico e também poético, raros porque banhados em elegante humor.

Talvez esteja neste ingrediente que sobra em Damm e falta em muitos outros fotógrafos a chave para seu afastamento memorial do panorama das artes. A felicidade parece constituir um obstáculo ao reconhecimento. Mas, distraído do preceito, o autor nascido em Porto Alegre em 1928, trabalhador por uma década na revista O Cruzeiro, fundador da primeira agência fotográfica brasileira, a Image, e retratista exclusivo do pintor Candido Portinari em seus dois últimos anos de vida, imprime em papel fotográfico a alegria das ruas.

Fora assim com Jacques-Henri Lartigue (1894-1986), que, no final do século XIX, menino francês de posses, ganhara um equipamento fotográfico que era um trambolho e ainda assim, com ele, fizera seus retratados pularem de gosto. Damm se parece com uma criança, com a diferença de que fala sério.

Fotojornalista, ele acredita que a verdade da imagem deva ser preservada. Nada acrescenta a seus negativos, principalmente cores, nem os corta, como ensinava Henri Cartier-Bresson. Ele lamenta que a ética empurre a imprensa para a forja do que é falso, especialmente agora que as câmeras digitais dominam a cena, e até exemplifica a mentira nele próprio, mostrando como, para ajudar um colega, fingiu um dia ser professor de matemática em uma foto.

O livro (Editora Photos, 142 págs., R$ 75, www.editoraphotos.com.br) está cheio daquela surpresa que, lembra Damm citando André Kertész, é o elemento que constitui a arte. Pela lente desse gaúcho, a lendária e demolidora cartunista Nair de Teffé porta um facão no parapeito da janela e olha atravessado para a rua. Há outra mulher de olhos enviesados, desta vez intimidantes, a senhora de treze maridos. Perón e Evita sorriem de cachorrinhos nas mãos, a ressaltar a doce irresponsabilidade do poder, e a rainha Elizabeth é fotografada pelo artista com distância de um metro, quando o protocolo britânico exige oito.

O que sua máquina fotográfica Leica não mostra está nos textos, aventureiros como o jornalismo de antes, em que o risco era desejável para o profissional e delicioso para o público. Não é que, por esse motivo, Damm esteja desatualizado com o que se pratica hoje. É que, com ética e sabor de viver, parece se colocar adiante de todos.’

 

 

MARILYN MONROE
Nirlando Beirão

Os papéis de Marilyn, 10/10

‘Duas pessoas estavam na mansão em estilo colonial espanhol da Fifth Helena Drive, número 12.305, em Brentwood, Los Angeles, quando uma delas – a governanta Eunice Murray – descobriu o corpo inanimado da patroa, no quarto dela, naquela fatídica madrugada de 5 de agosto de 1962. A outra criatura no casarão era uma furtiva senhora de seus 60 anos, Inez Melson, que fora indicada por Joe DiMaggio para ser mais do que a agente financeira da vítima. Ms. Melson instalara-se ali a fim de zelar para que não acontecesse com Marilyn Monroe aquilo que acabara de acontecer.

Diagnosticada a morte pelo doutor Hyman Engelberg, as duas entregaram-se a um insano trabalho antes que a polícia fosse chamada. Eunice tratou de lavar os lençóis sujos de sangue. Inez acendeu a lareira – pleno verão californiano – e passou horas entregando às chamas um maço de papéis avulsos. Depois, encheu duas sacolas de documentos, cartas e retratos e deu o devido sumiço na coisa toda.

A revista Vanity Fair, nesta edição de outubro (seu 25º aniversário), teve acesso ao que restou da sigilosa coleta empreendida – ‘para preservar a privacidade de Marilyn’, explicaria anos depois. Os farejadores de escândalo ficaram meio frustrados, a não ser talvez por aquela carta em que Marilyn descreve, com as palavras recendendo a libido, a noite em que lhe apresentaram Bobby Kennedy – seu futuro affair. Mas, até nos segredos de algibeira, a diva relutante é o retrato de uma ingenuidade sofrida, coração sem malícia, corpo subjugado por paixões sem remédio.’

 

 

 

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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