Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Carta Capital

ANÁLISE
Celso Marcondes

Festa na Paulista: Lula cai

‘‘COM CRISE, CAI APROVAÇÃO DE LULA’: esta é a manchete desta sexta-feira, 20 de março, da Folha de S.Paulo. No alto dá página, de ponta a ponta da capa. A matéria, que ocupa mais três das páginas nobres do jornal, apresenta os resultados de nova pesquisa do Datafolha, realizada entre 15 e 19 de março. Ela dá conta que da pesquisa de 28 de novembro até esta, a porcentagem de brasileiros que avaliam o governo Lula como ‘ótimo e bom’ caiu de 70 para 65%, enquanto as que consideram ‘regular’ foram de 23 para 27% e as que acham que o governo Lula é ruim ou péssimo subia de 7 para 8%.

Na primeira página interna com a matéria, o título é ‘APROVAÇÃO A LULA CAI PELA 1.a. VEZ NO SEGUNDO MANDATO’. Outros gráficos mostram também que cresceu o número de brasileiros que tomaram conhecimento da crise econômica mundial (de 72 para 81%) e que diminuiu o índice daqueles que aprovam o desempenho da equipe econômica do governo (de 61 para 53% de ótimo e bom).

Chama a atenção um gráfico inédito na história do instituto: ele compara, ilustrando com fotos dos dois, cara a cara, o desempenho do presidente Lula com o do presidente Obama. Ficamos sabendo que o americano tem um porcentual de 44% de ótimo/bom contra 43 de Lula. O texto não explica se foi o Datafolha quem fez a pesquisa sobre a popularidade de Obama. O articulista supõe que não, que a pesquisa é de algum instituto americano, feita com critérios, metodologia e datas diferentes. Porém, mesmo querendo crer que o Datafolha tivesse realizado o levantamento de norte a sul dos EUA, ficaria a certeza de que a comparação é absolutamente descabida, por vários motivos, entre eles o de que um começou o mandato há menos de três meses e o outro há mais de seis anos. Talvez a relação mais sensata fosse a que comparasse os índices de aprovação de FHC em seus momentos de crise com os de Lula, mas isso já seria querer demais do jornalão paulista.

A segunda página dedicada à pesquisa diz no título que o ‘PESSIMISMO COM O EMPREGO ATINGE RECORDE’ – antes eram 44% os que achavam que ia aumentar, agora são 59%. Seguem- se, entre outros, gráficos mostrando que este passa a ser o principal problema do País e que caiu de 71 para 65% o índice de brasileiros que entendem que não correm o risco de serem demitidos.

Já a terceira página dedicada aos resultados da pesquisa traz como manchete ‘SERRA LIDERA COM FOLGA, DILMA VOLTA A SUBIR’. E aí vem outra novidade: em vez de usar como referência para a análise o período entre as pesquisas de novembro e março, como fizera nas páginas anteriores, para destacar melhor a ascensão de Serra é usada como base de comparação a pesquisa de março de 2008, mostrando uma subida do governador paulista de 38 para 41% – isso se não for levada em conta a margem de erro da pesquisa, dita de 2%. .Se a base de referência fosse novembro, poder-se-ia ver com clareza que Dilma subiu de 8 para 11%, enquanto Serra mantinha-se em idênticos 41%. Ou seja, Dilma subiu em plena crise. Mas aqui também seria querer demais que o jornal destacasse este fato.

A sensação que fica ao terminar de ler a muita extensa cobertura é de que a Folha deveria ter distribuído como brinde para seus leitores juntamente com esta edição um pacote com fogos de artifício e outro com confetes e serpentinas. Bastaria juntar os quatro títulos das cabeças de página. Repetindo:

‘COM CRISE, CAI APROVAÇÃO DE LULA’.

‘APROVAÇÃO A LULA CAI PELA 1.a. VEZ NO SEGUNDO MANDATO’

‘PESSIMISMO COM O EMPREGO ATINGE RECORDE’

e, para fechar com chave de ouro,

‘SERRA LIDERA COM FOLGA, DILMA VOLTA A SUBIR’.

Não faltou na pesquisa, outra novidade, uma pergunta mais que importante: você concorda com a frase ( de 4 meses atrás) do presidente Lula de que a crise será apenas ‘uma marolinha’? Ficamos sabendo que, em novembro, 42% concordavam com ela, agora são 35%. Ah, bom.

De fato, a edição desta sexta-feira da Folha, muito diferente de todos os outros grandes jornais do País, nos dá uma importante contribuição para a compreensão dos alcances da crise econômica e das limitações do atual governo para enfrentá-la. Poderei passar o final de semana com mais dados para reflexão.’

 

ADAPTAÇÃO
Felipe Marra Mendonça

A internet avança nas redações

‘A relação entre o jornalismo impresso e a internet continua a render histórias interessantes. A Editor & Publisher, revista americana especializada em mídia, informou que o Wall Street Journal decidiu fechar a biblioteca interna de pesquisas e demitir os funcionários que cuidavam da operação.

A dupla responsável pelos arquivos realizava toda a pesquisa dos jornalistas da casa. Leslie Norman, demitida, acredita que a decisão pode ter reflexos negativos na qualidade dos textos. ‘Quando perguntei quem faria a pesquisa para os repórteres, disseram-me que ninguém. Eles agora passarão a utilizar as bases de dados on-line, como o Lexis-Nexis’, afirmou. Ela argumentou ainda não acreditar que ‘o conhecimento sobre métodos de pesquisa e todos os truques que aprendemos ao longo dos anos’ possam ser substituídos e que ‘os repórteres provavelmente vão gastar dez vezes mais dinheiro com serviços que tentam se aproximar do que fazíamos’.

Um executivo do WSJ respondeu à Editor & Publisher que ‘é triste, mas nossos repórteres têm acesso a múltiplas bases de dados, incluindo a Factiva, e a migração para fontes digitais acontece há muitos anos’. Talvez um ou outro leitor se espante com a existência de um departamento de pesquisas para dar suporte ao trabalho de jornalistas, mas a sua extinção é preocupante.

Os repórteres do WSJ conseguirão manter a qualidade dos textos, sem os bibliotecários e o arquivo que geriam? A resposta talvez tenha sido dada na Suécia, pelo jornal Sydsvenskan, de forma bem radical. A editoria de Cultura decidiu escrever um extenso artigo sobre o Pirate Bay, site de troca de arquivos hospedado na Suécia, que enfrenta um processo no país. Antes da publicação na edição impressa, os editores decidiram colocar uma versão beta do texto no Pirate Bay, como relataram no blog do jornal.

O arquivo tornou-se um dos mais baixados e gerou uma onda de comentários, com correções e ideias para mais uma série de matérias. Os editores receberam também uma avalanche de críticas por terem postado o texto no site e supostamente legitimado a pirataria on-line.

O sucesso da tentativa do Sydsvenskan não acaba com os argumentos dos bibliotecários do WSJ. Abrir a criação de textos e tornar o processo coletivo e participativo talvez seja radical demais, mas é evidente que mesmo os jornalistas mais cuidadosos podem encontrar um meio-termo e fazer um bom trabalho de pesquisa com as ferramentas disponíveis na internet. É também claro que a perda do conhecimento adquirido por pessoas como a bibliotecária Leslie é desagradável, mas um sinal dos tempos.’

 

CENSURA
Leandro Fortes

Gilmar, o censor

‘No dia 11 de março de 2009, fui convidado pelo jornalista Paulo José Cunha, da TV Câmara, para participar do programa intitulado Comitê de Imprensa, um espaço reconhecidamente plural de discussão da imprensa dentro do Congresso Nacional. A meu lado estava, também convidado, o jornalista Jailton de Carvalho, da sucursal de Brasília de O Globo. O tema do programa, naquele dia, era a reportagem da revista Veja, do fim de semana anterior, com as supostas e ‘aterradoras’ revelações contidas no notebook apreendido pela Polícia Federal na casa do delegado Protógenes Queiroz, referentes à Operação Satiagraha. Eu, assim como Jailton, já havia participado outras vezes do Comitê de Imprensa, sempre a convite, para tratar de assuntos os mais diversos relativos ao comportamento e à rotina da imprensa em Brasília. Vale dizer que Jailton e eu somos repórteres veteranos na cobertura de assuntos de Polícia Federal, em todo o país. Razão pela qual, inclusive, o jornalista Paulo José Cunha nos convidou a participar do programa.

Nesta carta, contudo, falo somente por mim.

Durante a gravação, aliás, em ambiente muito bem humorado e de absoluta liberdade de expressão, como cabe a um encontro entre velhos amigos jornalistas, discutimos abertamente questões relativas à Operação Satiagraha, à CPI das Escutas Telefônicas Ilegais, às ações contra Protógenes Queiroz e, é claro, ao grampo telefônico – de áudio nunca revelado – envolvendo o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás. Em particular, discordei da tese de contaminação da Satiagraha por conta da participação de agentes da Abin e citei o fato de estar sendo processado por Gilmar Mendes por ter denunciado, nas páginas da revista CartaCapital, os muitos negócios nebulosos que envolvem o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), de propriedade do ministro, farto de contratos sem licitação firmados com órgãos públicos e construído com recursos do Banco do Brasil sobre um terreno comprado ao governo do Distrito Federal, à época do governador Joaquim Roriz, com 80% de desconto.

Terminada a gravação, o programa foi colocado no ar, dentro de uma grade de programação pré-agendada, ao mesmo tempo em que foi disponibilizado na internet, na página eletrônica da TV Câmara. Lá, qualquer cidadão pode acessar e ver os debates, como cabe a um serviço público e democrático ligado ao Parlamento brasileiro. O debate daquele dia, realmente, rendeu audiência, tanto que acabou sendo reproduzido em muitos sites da blogosfera.

Qual foi minha surpresa ao ser informado por alguns colegas, na quarta-feira passada, dia 18 de março, exatamente quando completei 43 anos (23 dos quais dedicados ao jornalismo), que o link para o programa havia sido retirado da internet, sem que me fosse dada nenhuma explicação. Aliás, nem a mim, nem aos contribuintes e cidadãos brasileiros. Apurar o evento, contudo, não foi muito difícil: irritado com o teor do programa, o ministro Gilmar Mendes telefonou ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, do PMDB de São Paulo, e pediu a retirada do conteúdo da página da internet e a suspensão da veiculação na grade da TV Câmara. O pedido de Mendes foi prontamente atendido.

Sem levar em conta o ridículo da situação (o programa já havia sido veiculado seis vezes pela TV Câmara, além de visto e baixado por milhares de internautas), esse episódio revela um estado de coisas que transcende, a meu ver, a discussão pura e simples dos limites de atuação do ministro Gilmar Mendes. Diante desta submissão inexplicável do presidente da Câmara dos Deputados e, por extensão, do Poder Legislativo, às vontades do presidente do STF, cabe a todos nós, jornalistas, refletir sobre os nossos próprios limites. Na semana passada, diante de um questionamento feito por um jornalista do Acre sobre a posição contrária do ministro em relação ao MST, Mendes voltou-se furioso para o repórter e disparou: ‘Tome cuidado ao fazer esse tipo de pergunta’. Como assim? Que perguntas podem ser feitas ao ministro Gilmar Mendes? Até onde, nós, jornalistas, vamos deixar essa situação chegar sem nos pronunciarmos, em termos coletivos, sobre esse crescente cerco às liberdades individuais e de imprensa patrocinados pelo chefe do Poder Judiciário? Onde estão a Fenaj, e ABI e os sindicatos?

Apelo, portanto, que as entidades de classe dos jornalistas, em todo o país, tomem uma posição clara sobre essa situação e, como primeiro movimento, cobrem da Câmara dos Deputados e da TV Câmara uma satisfação sobre esse inusitado ato de censura que fere os direitos de expressão de jornalistas e, tão grave quanto, de acesso a informação pública, por parte dos cidadãos. As eventuais disputas editoriais, acirradas aqui e ali, entre os veículos de comunicação brasileiros não pode servir de obstáculo para a exposição pública de nossa indignação conjunta contra essa atitude execrável levada a cabo dentro do Congresso Nacional, com a aquiescência do presidente da Câmara dos Deputados e da diretoria da TV Câmara que, acredito, seja formada por jornalistas.

Sem mais, faço valer aqui minha posição de total defesa do direito de informar e ser informado sem a ingerência de forças do obscurantismo político brasileiro, apoiadas por quem deveria, por dever de ofício, nos defender.’

 

EL SALVADOR
Redação CartaCapital

Vitória ainda que tardia

‘Em 15 de março, Mauricio Funes, ex-jornalista e apresentador da CNN en Español, derrotou o ex-diretor da Shell e ex-chefe de polícia Ricardo Ávila e foi eleito presidente de El Salvador com 51,3% dos votos, pela FMLN. Depois de enfrentar a ditadura militar durante 13 anos de guerra civil (1979-1992) e seus herdeiros da direitista Arena em 17 anos de disputas eleitorais (1992-2009), o movimento de esquerda deve assumir o governo em 1º de junho, na primeira transferência pacífica e democrática de poder em 171 anos de independência.

Funes é casado com a brasileira Vanda Pignato, integrante do PT e funcionária da embaixada brasileira. Seu porta-voz não hesitou em declarar que ‘o que fez o presidente Lula é assombroso em matéria de redução da pobreza, ao mesmo tempo que conseguiu desenvolver a economia em seu país. Sem dúvida, o Brasil é um modelo a ter em conta’. Essa simpatia pelo modelo brasileiro representa, no quadro da esquerda latino-americana, uma preferência pela moderação. Mas o pequeno país não pode abrir mão de nenhuma ajuda possível e desde já se anuncia o reatamento de relações com Cuba e a filiação à Alba liderada por Hugo Chávez.

A promessa de Barack Obama de cooperar com qualquer governo eleito (ao contrário do governo Bush júnior que, em 2004-2005, advertia os salvadorenhos contra votar na FMLN) facilitou a transição. Mas a vitória da oposição está relacionada à piora do quadro econômico e social do país, que tem um dos mais altos índices de homicídios do mundo e depende fortemente da economia estadunidense em crise.’

 

INTERNET
Pedro Alexandre Sanches

Caiu na rede é peixe

‘Na noite do domingo 15, a equipe coordenadora da comunidade Discografias, do site de relacionamentos Orkut, jogou a toalha, decretou o fechamento de suas portas virtuais e apagou por conta própria todo o conteúdo acumulado em quase quatro anos por 920 mil integrantes.

O conteúdo era música, toneladas virtuais de música compartilhadas pelos participantes de modo gratuito. Ou era pirataria, ilegalidade, crime, de acordo com o argumento usado por corporações musicais que pressionavam a população da Discografias a parar de infringir direitos autorais de compositores, músicos, produtores, editoras e gravadoras.

Um aviso ficou no lugar do maior fórum brasileiro de troca de música: ‘Informamos a todos os membros da comunidade Discografias e relacionadas que encerramos as atividades, devido às ameaças que estamos sofrendo da APCM e outros órgãos de defesa dos direitos autorais’. APCM é a sigla para Associação Antipirataria Cinema e Música, criada há um ano pelas indústrias fonográfica e cinematográfica, e dirigida por um ex-delegado.

Em comunicado oficial, a APCM confirmou que havia meses acompanhava e solicitava a retirada de links. ‘Já estava claro que a comunidade se dedicava a disponibilizar músicas de forma ilegal, ignorando todos os canais legais de divulgação e uma cadeia produtiva de compositores, autores, cantores, produtores fonográficos, etc.’ E acrescentou considerar um ‘avanço positivo’ a exclusão da Discografias.

O episódio é apenas a ponta visível de um fenômeno mundial de enormes proporções, que transformou a internet num admirável mundo novo para usuários, tanto quanto um inferno para os produtores da cultura antes vendida no formato de CDs e DVDs. Por baixo da pequena multidão reunida numa comunidade do Orkut, há proliferação vertiginosa de blogs e outros recursos de internet dedicados majoritariamente a ofertar download instantâneo e gratuito de discos, filmes e livros.

Tudo está disponível ali para ser compartilhado em qualquer lugar do planeta, do recente filme Gomorra a Louco por Você, um disco cuja reedição é vetada há 48 anos por Roberto Carlos. No campo editorial, o Portal Detonando desenvolve o chamado Projeto Democratização da Leitura – Biblioteca Virtual Gratuita, de downloads de livros. ‘Compartilhar, nesses casos, é o equivalente a disponibilizar, que por sua vez é uma forma de distribuição. Conteúdo protegido por direito autoral só pode ser disponibilizado por seus titulares’, reage o diretor-executivo da APCM, Antonio Borges Filho.

Mas, à diferença do que aconteceu na fase da pirataria física, hoje não é uma máfia ou o crime organizado que desrespeitam os cânones do direito autoral. Os blogueiros, a maioria deles anônima, são em geral colecionadores de discos, DVDs e livros que descobriram nos blogs a chave para participar do processo cultural, compartilhando seus acervos privados com o resto do mundo.

Em grande medida, são cidadãos comuns (médicos, fotógrafos, técnicos de informática, estudantes), desacostumados aos holofotes da mídia e distantes, inclusive geograficamente, dos bastidores do mercado cultural. De cinco blogueiros ouvidos por CartaCapital, todos garantiram não ganhar nenhum centavo (ao contrário, dizem investir dinheiro na atividade). Portanto, não aceitam o termo ‘pirata’ nem se consideram como tal.

Cada blogueiro demonstra construir uma ética própria, e às vezes critica o que considera ‘errado’ no comportamento do vizinho, mas não em seu próprio. ‘Acho estranho jogar na rede o trabalho de alguém que ficou dez anos sem gravar e agora fez um disco. É sacanagem’, afirma Mauro Caldas, de 44 anos, integrante de banda punk no Rio de Janeiro dos anos 80, que hoje trabalha em informática e é o único dos blogueiros entrevistados a abrir publicamente sua identidade.

Ele usa o codinome Zeca Louro no Loronix, um dos mais atuantes e abrangentes blogs musicais do Brasil. Escrito em inglês, recebe em média 3,2 mil visitas por dia e já foi acessado em 191 países, segundo Caldas. ‘Loronix só publica o que é antigo, sem nenhuma possibilidade comercial. Essa distinção a indústria sabe fazer muito bem’, diz, para justificar o fato de nunca ter sido incomodado ou ameaçado. Ao contrário: ‘Gente da indústria vem até mim, pergunta se tenho determinado disco, pede a capa se vai relançar. Eu colaboro’.

Outro blogueiro, autoapelidado Eterno Contestador e especializado em compartilhar CDs que ainda não chegaram às lojas, defende sua atitude. Diz que não distribui nada de maneira ilegal ou pirata, apenas copia links existentes na rede. E insinua que esses são vazados por integrantes da própria indústria, como jogada de marketing.

O produtor musical Pena Schmidt, ex-executivo de gravadoras e atual diretor do Auditório Ibirapuera, tem argumento semelhante: ‘A indústria sempre deitou e rolou com o vazamento do novo disco do Roberto Carlos ou do Michael Jackson, sempre deu para poder vender. Na época do piano de rolo, Chiquinha Gonzaga e Zequinha de Abreu eram demonstradores de lojas, tocavam para chamar a atenção das pessoas. Gravadora tocava música de graça no rádio por quê? Para vender música’. A diferença é que antes os vazamentos podiam ser controlados e se dirigiam a uns poucos ‘formadores de opinião’. Hoje, basta uma cópia cair na rede e pronto, a obra é de todo mundo e não é mais de ninguém.

O produtor Marco Mazzola, dono da gravadora MZA, defende a estratégia punitiva: ‘Medidas radicais devem ser tomadas, punindo, prendendo os que praticam. Você fica três meses dentro de um estúdio criando com o artista um CD, gasta em músicos, estúdios, capa, marketing, e antes de o produto estar no mercado já está na rede’. Schmidt discorda: ‘A lei não se encontra com a realidade digital. Por causa de 22 pessoas, 50 milhões se transformaram em criminosos? Não é mais fácil refazer a legislação?’

Se as gravadoras se desesperam com a perda de valor do material plástico que as sustentava, nebulosa é a posição dos artistas e criadores. ‘A indústria alega a defesa do direito dos autores, mas não é verdade, é só discurso. É a defesa de um modelo de negócio. Não sabem fazer de outra maneira e querem que o resto do mundo todo pare’, diz Schmidt. ‘Autor não fala sobre o assunto, a não ser que seja diretor de sociedade arrecadadora, como Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Walter Franco.’

CartaCapital procurou ouvir os três citados, entre outros, mas não obteve respostas. Uma possível razão para o silêncio é dada indiretamente pelos blogueiros. Diz um deles, identificado como Fulano Sicrano: ‘Meu blog adquiriu notoriedade entre artistas e produtores e, atualmente, uma parte do que é publicado é fornecida por eles próprios, à busca de divulgação’. Fulano é mantenedor do Um Que Tenha, que põe na rede novidades musicais, e, segundo ele, recebe 14 mil visitas diárias. ‘Embora deseje que seu trabalho tenha o máximo de divulgação possível, o artista teme a indisposição com a gravadora, por isso o sigilo’, afirma.

O blogueiro diz receber também e-mails de gravadoras, produtores e artistas que solicitam a retirada de conteúdo. Afirma atendê-los prontamente. Seja repressor ou legitimador, o contato direto com músicos e outros fãs parece ser uma das recompensas pelas dez ou doze horas semanais dedicadas a blogar discos. ‘Pelo seu ângulo, pode até ser generosidade. Pelo meu, não. Eu me sinto tão bem publicando o UQT que isso passou a ser um ato de puro egoísmo.’

Zeca Louro também cita a notoriedade adquirida no meio musical: ‘O máximo que me aconteceu foi um ou dois casos de alguém comercialmente ligado a um artista dizer ‘poxa, seria legal você não ter mais o disco aí’. Imediatamente tirei, mas num dos casos o próprio artista reclamou, pediu para contornar. Tem artista que reclama de não ter nada no blog, pergunta se tenho alguma coisa contra ele. Muitos são avessos à tecnologia, eu ajudo’.

Nos bastidores, poucos admitem praticar pirataria virtual, mas há quem o propague aos quatro ventos, caso de Carlos Eduardo Miranda, produtor de grupos de rock e jurado dos programas de tevê Ídolos e Astros. ‘Sou fã dos blogs de música, muito mesmo. Sou usuário.’ Em guerra retórica com a indústria, devolve aos acusadores as acusações de pirataria, roubo, crime: ‘Deveriam tomar vergonha na cara, porque estão vendendo a mesma música várias vezes, em vinil, depois em CD, depois em MP3. Já paguei, preciso pagar quantas vezes? Quando vão parar de me roubar? Se o artista se acha importante para a cultura, não pode fazer nada que impeça a circulação, senão ele é criminoso também’.

E desafia: ‘Compro 40 CDs por mês, poucos compram tanto como eu. Sou um criminoso? Os caras estão brigando com quem os sustentou a vida inteira. Deviam contratar os blogueiros para serem executivos deles’. Miranda antevê soluções futuras para o conflito: ‘Ninguém mais vai precisar guardar nada, e você vai ter acesso a todas as músicas do mundo. Vai ligar o botão como se fosse rádio e escolher. Que se pague uma mensalidade, como paga água e luz, e o problema vai acabar’.

A APCM confirma a pressão sobre os piratas, mas nega fazer ‘ameaças’. ‘Não estamos no campo da repressão, muito menos na área policial’, diz Borges Filho. ‘Fazemos a solicitação ao provedor, no caso o Google, para a retirada de conteúdo ou links.’

‘Não aceitamos pressão da indústria fonográfica’, diz Felix Ximenes, diretor de comunicação local do Google, dono do Orkut e do gerador de blogs Blogger. ‘Nosso compromisso é com o usuário, com quem buscamos compartilhar responsabilidades.’ O Google baseia-se na política de receber denúncias, verificar e tirar do ar se for o caso. ‘Antes, só tínhamos apagado links que levavam a produtos de copyright. O fechamento da Discografias foi um ato do próprio coordenador, que a desarticulou sob protesto, pelas ameaças da APCM. O Orkut é mais visível, eles preferem ir onde há volume.’

‘Nunca recebi nenhum e-mail de censura, ameaças ou coisa parecida’, atesta Augusto TM, do Toque Musical, outro dos blogs recheados de raridades. ‘Isso se deve, acredito, à minha postura de não levar para o blog coisas que se encontram em catálogo nem fazer negócio, comércio ou propaganda.’ No início do ano, o Toque Musical protagonizou comoção ao publicar a gravação caseira de uma sessão feita por João Gilberto em 1958, imediatamente antes da fama.

A fita fora vendida para japoneses e já não era propriedade brasileira, como acontece com todo o relicário musical pertencente às multinacionais do disco. Caiu na rede mundial, e o Toque Musical, com média diária de mil visitantes, foi fechado por algumas semanas. Mas isso ocorreu, segundo o blogueiro, devido a seu próprio temor de alguma reação negativa do cantor. Até hoje João Gilberto não reclamou.’

 

TELEVISÃO
Nirlando Beirão

Humor a conta-gotas

‘Faz algum tempo que o Casseta & Planeta faz jejum de bom humor. É compreensível. Não deve ser nada fácil fazer rir a plateia abobalhada de uma terça-feira à noite com aquelas repetidas anedotas sobre homossexuais, gaúchos, argentinos, bebuns e gostosonas. De mais a mais, os Cassetas tiveram de aceitar o inesperado surgimento de um avantajado concorrente. Na TV Globo, piada por piada, melhor ficar com o Jornal Nacional.

Para quem começou com veia satírica no palco e no papel, esses quase 30 anos corroeram a mais remota evocação de um non sense original, espontâneo, com a marca registrada do hilário Monty Python. A morte súbita do Bussunda, em 2006, fez o grupo perder muito de sua verve, mas o que conspirou de fato contra os Cassetas foram as mudanças no próprio universo da tevê. Na separação histórica do joio e do trigo, os canais abertos ficaram – as exceções são raras – com o lixo e a mediocridade; a inteligência e a originalidade se exilaram na tevê a cabo e por assinatura.

Casseta & Planeta, para esta temporada que começa em abril, anuncia novidades contra o marasmo e a mesmice. Buscou, por exemplo, o imediato reforço do casal Angélica e Luciano Huck, queridinhos do broadcasting. Os dois fazem uma ponta no programa de estreia. Angélica e Luciano são capazes de levantar qualquer ibope. Dureza será mantê-lo depois, sem eles.

O Estadão antecipou que os Cassetas vão descansar ‘alguns clássicos’ – a exemplo do caricato Seu Creysson – e esquecer os esquetes políticos. ‘Essa coisa de cercar os caras em Brasília já era’, disse o porta-voz do grupo. ‘Vamos deixar isso com o CQC, que acha que é inédito.’

O CQC, que quer ser hoje o que o Casseta & Planeta foi no passado, escorrega no trampolim que derrubou seus precursores. Ri dos parlamentares, mas poupa tipos que são igualmente de gargalhar. Este colunista queria ver o CQC invadir uma das sessões do Supremo Tribunal Federal. Há tanto ridículo ali quanto numa entrevista daquele deputado do castelo.’

 

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