Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Carta Capital

MÍDIA E POLÍTICA
Mino Carta

Pesos e medidas

Mutáveis os da mídia nativa, certa de que nós da plateia não passamos de um bando de idiotas

Não há semelhança possível entre um estúdio de tevê e um ringue. Pelo menos não havia até poucos dias atrás. A gravação de uma entrevista na TV 5, filiada à Rede Bandeirantes em Rio Branco, acabou em vale-tudo entre o entrevistador, o jornalista Demóstenes Nascimento, e o entrevistado, candidato ao Senado pelo Acre, o emedebista João Correia. De categoria nitidamente superior, Demóstenes pareceu mais talhado para catch-as-you-catch-can e ganhou a luta com bom aproveitamento tanto nos socos quanto nos pontapés. Empate em matéria de insultos e palavrões.

O entrevistado farejou certa agressividade em uma pergunta sobre segurança pública e reagiu com acusações ao atual governo acriano. O entrevistador negou-lhe condições morais para manifestar-se ao apontá-lo como envolvido em certo escândalo. O candidato ergueu-se de sua poltrona aos gritos de ‘lacaio, vendido’. Partiram para a briga e a célebre turma-do-deixa-disso demorou para entrar em ação.

Correia sofreu escoriações no rosto e no joelho direito e lesão no tendão do dedo anular, também direito. Trata-se de um lutador comprovadamente destro. Mas o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Acre e a Federação Nacional divulgaram uma nota para verberar ‘a atitude covarde e agressiva’ do entrevistado. Nada como a eterna vigilância dos paladinos da liberdade de imprensa, mesmo quando participam de refregas desiguais, representados por pesos-pesados chamados a enfrentar moscas ou galos.

A luta de Rio Branco é um episódio novo na nossa história das campanhas eleitorais, mesmo porque, salvo melhor juízo, os candidatos entrevistados não pulam corda ou socam o punching ball antes de qualquer entrevista. Para revidar às perguntas que não são do seu gosto, o candidato José Serra adota uma linha de refinado senso de humor. Anota a repórter Juliana Cipriani, de O Estado de Minas, que Serra ‘parece ter dificuldade em entender o que dizem os brasileiros ou inventou uma nova estratégia para evitar responder às perguntas que não o agradam’.

Em meados de julho passado, em Pernambuco, o repórter de um jornal local dirigiu-lhe uma pergunta sobre o trem-bala destinado a ligar São Paulo ao Rio: obra feita ou tiro de festim? A pergunta deveria ser do seu gosto, pois o candidato é contrário ao projeto. Surpresa. ‘Não entendi, foi muito sotaque’, decretou Serra. Em Minas, quando um jornalista o questionou sobre recente entrevista de Lula em que o presidente lamenta-lhe a falta de sorte ao enfrentá-lo em 2002 e agora diante de Dilma Rousseff, Serra escandiu: ‘Esta fala mineira de vocês eu não entendo’.

O candidato tucano consegue, porém, ser mais cordato, a depender das situações. Lá pelas tantas desta tertúlia eleitoral, o repórter Fábio Turci dirige a Serra uma pergunta sobre juros. O perguntado não esconde sua irritação, e indaga com a devida veemência: ‘De onde você é?’ Turci esclarece ser da Globo. E Serra, de pronto: ‘Ah, então desculpe’. Tucano não voa, mas sabe onde pisa.

Na noite de 11 de agosto coube a ele ser sabatinado por 12 minutos pelo casal JN, William Bonner e Fátima Bernardes, os sorrisos mais radiosos do Brasil. Antes, a oportunidade foi bondosamente oferecida às candidatas Dilma Rousseff, segunda 9, e Marina Silva, terça 10. Para ambas, um sufoco. As perguntas do locutor que considera Homer Simpson como telespectador ideal foram muito mais esticadas que as respostas, quando estas não foram furibundamente atropeladas.

No caso de Dilma, o propósito foi mostrar (ingenuamente?) que ela é ao mesmo tempo uma marionete na mão de Lula e personagem dura, prepotente, mandona. De sorte a suscitar a observação da entrevistada, mais ou menos do seguinte teor: então, como vocês me querem, como títere do titereiro ou como a ministra inflexível que chama às falas os colegas de gabinete? Na vez de Marina, o intuito foi outro: provar que ela saiu do governo por discordâncias sobre a política ambiental enquanto, tempos antes, não se incomodou com o mensalão, o escândalo pretendido e até hoje não provado. A certa altura, a ex-ministra teve de reagir com alguma, insólita veemência, para pedir que a deixassem concluir o raciocínio.

Com Serra, na quarta 11, tudo mudou. O casal JN deixou o candidato falar à vontade. E quando a entrevista pretendeu chegar ao ponto de fervura, a pergunta foi: o senhor não se sente constrangido de ter o apoio do PTB, partido metido no escândalo do mensalão petista? Nada do mensalão mineiro nem do escândalo do DEM em Brasília. Maluf e Quércia? Esquecidos. E os votos comprados para a reeleição de FHC?

Segundo momento de aperto. Pergunta a evocar os usuários que reclamam dos preços altos do pedágio em São Paulo. Serra ganha a oportunidade de falar mal das estradas federais. Aí Bonner acrescenta: não existe um meio-termo, só dá para ter estradas boas e caras ou ruins e baratas? Serra emenda, feliz, que na última concessão que fez, os preços do pedágio caíram pela metade. Omitiu que os postos de cobrança foram dobrados e ao cabo cita sua origem humilde, estudante de escola pública etc. etc. Só falta chorar.

A rapaziada não se dá ao respeito. Quem sabe haja quem se incomoda ao perceber que nos enxergam como malta de idiotas. Esta visão da plateia é própria, aliás, dos jornalistas nativos e seus patrões. Será que não usam na medição o metro recomendável para medir a si mesmos?

 

WIKILEAKS
The Observer

Assange, por ele mesmo

O criador do WikiLeaks rebate as acusações de ter colocado inocentes em perigo ao vazar os papéis sobre a guerra no Afeganistão

Assange queria ser enigmático, mas seu estilo aguçou a curiosidade geral sobre seu trabalho

Quantas pessoas tinham ouvido falar no WikiLeaks semanas atrás? Ou em Julian Assange? Sete dias depois do maior vazamento de informações secretas de todos os tempos, a publicação de mais de 75 mil documentos que correspondem a uma história inteira da guerra no Afeganistão, ele está em toda parte. Foi uma semana extraordinária para o WikiLeaks,que viu entrar no cenário mundial um novo personagem notável: Assange, um homem que, como admitem até seus amigos e defensores, parece ‘um pouco com um vilão de James Bond’.

Poderia ser a semana que mudou a guerra no Afeganistão? É possível, se as revelações contidas nos documentos mudarem a opinião pública e depois a opinião política. No mínimo, elas provocaram um novo debate sobre o futuro do conflito. Porque os arquivos revelaram a escala e os detalhes exaustivos da violência cotidiana sofrida pela população civil afegã, causada pelas forças da coalizão, assim como pelos talebans, além de evidências do que pode ou não ser uma atitude traiçoeira do governo do Paquistão.

O presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, chamou Assange de ‘irresponsável’. E o secretário da Defesa dos EUA, Robert Gates, o acusou de ‘ter sangue em suas mãos’. A acusação era de que Assange tinha revelado os nomes de colaboradores afegãos que agora podem ser alvos de represálias; que a informação não foi verificada; que parte dela pode ter origem dúbia, e que Assange parece não prestar contas a ninguém.

 

TECNOLOGIA
Felipe Marra Mendonça

Literatura só para o iPad

Atransição da celulose para os bits prossegue em ritmo acelerado. Depois do lançamento do novo Kindle a um preço ainda mais convidativo (mostrado abaixo, no Prazer de Ponta) e de um aumento na venda das versões eletrônicas de livros pela Amazon a ponto de ultrapassarem a venda de livros de capa dura, como noticiado na edição 606, agora é a vez de um renomado autor decidir deixar para trás sua editora e lançar um livro em parceria com a Apple em formato exclusivo para o iPad.

O pioneiro é Ryu Murakami, com seu livro A Singing Whale. Figura importante da cena literária japonesa, Murakami rasgou o contrato com a editora Kodansha e decidiu apostar no número de compradores do iPad como um mercado de leitores em potencial, um público que se interessaria pelo seu texto e um punhado de extras interessantes como vídeos com trilha sonora feita pelo compositor Ryuichi Sakamoto. Outros autores tinham flertado com a ideia, como o americano Stephen King, que decidiu lançar Blockade Billy como um livro eletrônico alguns meses antes do lançamento da versão ‘física’, mas ainda não existia uma aposta tão radical na mídia ‘impressa-eletrônica’ como a feita por Murakami.

Parte do que atrai os autores para o formato eletrônico é a possibilidade de se tornar um gerente total da sua obra, sem precisar passar por agentes literários ou editoras. A revolução que isso deve causar no mercado de livros é semelhante à que provocou a banda britânica Radiohead, quando lançou o disco In Rainbows em outubro de 2007, como um download eletrônico e permitiu que os fãs pagassem o que quisessem pela obra, até mesmo que a baixassem de graça. Pouco antes do lançamento do disco, o vocalista da banda, Thom Yorke, disse à revista Time que tinha uma boa relação com a sua gravadora, ‘mas chega uma hora em que você precisa se perguntar se realmente precisa deles. E, sim, provavelmente nos dá algum prazer perverso em poder dizer ‘foda-se’ a esse modelo de negócios em decadência’. Talvez a discrição japonesa de Murakami o impeça de fazer semelhante julgamento da indústria editorial, mas é certo que sua aposta além dos livros trai sua inclinação.

Outro serviço de assinatura de músicas chega à web. Depois do Spotify, por enquanto somente acessível na Europa, agora é o Rdio, nos Estados Unidos. Criação de Niklas Zennström e Janus Friis, fundadores do Skype, o Rdio oferece 7 milhões de músicas. O número é menor do que os 13 milhões disponíveis no iTunes, mas a diferença é: por pouco menos de 10 dólares por mês é possível ouvir todas, sem qualquer restrição, quantas vezes o usuário quiser. As músicas podem ser acessadas via qualquer navegador, ou por aplicativos disponíveis para iPhone, celulares com sistema Android ou aparelhos Blackberry.

A diferença entre o Rdio e o iTunes é que, no novo serviço, as músicas não são propriedade do usuário. Ele as acessa quando quiser, mas elas não ficam gravadas no disco rígido. Isso pode parecer ruim, mas os mesmos 10 dólares comprariam, no máximo, cerca de 13 faixas no iTunes. O que é melhor: ter 13 faixas permanentes ou cerca de 7 milhões disponíveis em diversos aparelhos? Não é à toa que a computação ‘nas nuvens’, como é chamada a tecnologia de armazenamento em servidores remotos, torna-se cada vez mais atraente.

 

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