Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Cassiano Elek Machado

‘Paulo Coelho já disse em diversas ocasiões que tinha poderes de mago. No fim de semana passado, o escritor deu sinais de que isso poderia não ser brincadeira. Pela primeira vez na história do jornalismo brasileiro, o lançamento de um livro, um livro seu, foi simultaneamente o tema da reportagem de capa das três maiores revistas semanais do país.

‘Veja’, ‘Época’ e ‘IstoÉ’ deram o bocado mais nobre de suas edições para anunciarem a publicação do romance ‘O Zahir’, o 19º livro do escritor.

Não foi nenhuma agência de publicidade ou de relações públicas, nem alguma assessoria de imprensa a responsável pela façanha. Tampouco a editora que publica o escritor no Brasil. ‘O mérito é todo do Paulo Coelho’, afirma Paulo Rocco, dono do selo editorial que leva seu sobrenome.

A estratégia de marketing do lançamento do livro, do qual foram impressas recordistas 320 mil cópias iniciais, veio lá da montanha francesa onde Coelho se retira para escrever seus best-sellers.

Da mesma forma que fará em diversos outros países, o escritor optou por oferecer a uma revista daqui o direito a publicar um livreto com o primeiro capítulo de seu livro. A escolhida foi a ‘Época’, que teria ainda direito a conversar com o autor de best-sellers.

Segundo Rocco, a revista ‘Veja’ tomou conhecimento disso e pressionou para ter acesso ao copião do livro e também ao direito de falar com seu autor. O escritor cedeu. A ‘IstoÉ’, diz a assessoria de imprensa da Rocco, também vinha no rastro de Coelho. ‘Não fazia sentido que ficasse de fora.’ Editores e diretores das três revistas, procurados pela Folha, não se pronunciaram sobre o assunto.

A editora do escritor, que lançaria o livro no dia 2 de abril, divulgou nota na quarta anterior às capas tríplices na qual afirmava: ‘A demanda das livrarias fez a editora Rocco antecipar a distribuição do livro para o dia 22 de março’.

A versão do próprio Paulo Rocco é diferente. ‘Quando soubemos que as três revistas haviam falado com ele, decidimos antecipar as vendas.’ Mas o editor diz não ter imaginado que obteria o destaque nas três publicações.

A estratégia de Coelho previa entrevistas aos jornais apenas depois do final de semana de 19 e 20 de março. A Folha e os demais veículos de grande porte, que haviam solicitado à Rocco acesso ao livro e à agenda do escritor, foram informados pela assessoria da editora que as revistas teriam primazia. Aos maiores diários, Folha incluída, Coelho agendou entrevistas para a segunda-feira.

Na edição do dia seguinte, os jornais ‘O Estado de S. Paulo’ e ‘O Globo’, do Rio, destacaram o lançamento do novo livro de Coelho na capa de seus suplementos culturais. O ‘Jornal do Brasil’ (RJ) também estampou uma entrevista na terça, mas em página interna.

A avalanche noticiosa já deu frutos. Paulo Rocco atribui em parte a ela os 120 mil exemplares que diz ter vendido nos primeiros três dias. O editor conta que a campanha publicitária, com propagandas em ônibus e outros foguetórios, ainda nem começou.’



Ana Maria Bahiana

‘Três coelhos de uma cajadada só’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 24/03/05

‘Eu sei que jurei não abordar este assunto por algum tempo, mas essa é irresistível _ as três capas idênticas das semanais, nas bancas agora. Tive pena da que saiu com um ‘exclusivo’ em cima da chamada. A sensação é um pouco como conversar com uma criança que ainda acredita em Papai Noel. Ou no Coelhinho da Páscoa, até porque as capas em questão envolviam um Coelho.

A verdade é que hoje existe muito pouca, talvez nenhuma matéria ou pauta que possa ser chamada de ‘exclusiva’, não nos termos estritos da palavra. Porque quase nada é realmente apurado ou descoberto, e quase tudo ou é negociado ou é plantado, os talentos e méritos envolvidos são outros, aqueles ligados a jogos de poder, administração de interesses, manutenção do custo mínimo relativo à receita máxima, etc. Não tenho visto currículos de escolas de jornalismo há alguns anos. Mas se elas realmente pretendem formar profissionais para o mercado atual de trabalho, sua oferta de matérias deve estar muito louca.

A ascendência dos divulgadores e relações públicas como fonte prioritária e, na maioria dos casos, única fonte de pautas é assunto que tem sido discutido amplamente aqui no Comunique-se, neste e em outros espaços. Aqui mesmo eu já fiz a crônica, em três partes, de como funciona, no coração da besta _ Hollywood _ a engrenagem que une, simbioticamente, fonte e matéria, pauta e rp. Neste momento pelo menos, é uma relação que parece fato consumado, pelo menos nas mídias fora da internet. Nada é permanente, é claro, mas creio que vamos viver por um bom tempo num universo onde tudo é fabricado, controlado, negociado. A cauda, enfim, tomou conta do cachorro. Ou do coelho, embora não tenha certeza se coelhos abanam ou não a dita cuja.

Não estou sozinha neste realismo pessimista. Há bem pouco tempo o editor da revista GQ, Dylan Jones, admitiu que metade das matérias da publicação são paridas pela iniciativa dos divulgadores e se concretizam graças a complicadas negociações com eles. Falando num seminário sobre relações públicas e mídia, Dylan admitiu que os divulgadores que trabalham em Hollywood nunca foram tão poderosos como agora, defendeu a proximidade e o bom relacionamento entre sua equipe e eles (sei exatamente do que ele está falando..) e chamou de hipócritas os jornais que criticam esse relacionamento.

Ainda não estamos em Hollywood mas….. almoçando com uma amiga que labuta com muito sucesso na seara da divulgação e marketing nativos, ouço uma avaliação interessante das dificuldades dela para colocar pautas mais complexas na mídia. Parafraseio: ‘Ninguém mais sai de casa ou da redação para viver o ambiente que cobre, se informar dos bastidores, saber das tendências. Tem que estar tudo no release e tem coisas que não dá pra por no release… você tem que imaginar que o cara saiba por que aquilo é importante, qual o contexto daquela informação. Tem que presumir que ele conhece a indústria que cobre, principalmente os bastidores. Mas não é o caso, na maioria das vezes. Tem muita pauta boa que se perde porque os caras não tem noção do que está acontecendo fora do que eu possa fornecer.’’



OESP RECOLHIDO
Simone Menocchi

‘Desaparece das bancas o jornal com as denúncias’, copyright O Estado de S. Paulo, 24/03/05

‘Todos os exemplares do Estado desapareceram ontem logo cedo das sete bancas de jornais de Ilhabela. O jornal trazia reportagem sobre a venda irregular de terrenos nos loteamentos de Siriúba 1 e 2 e no Parque Estadual de Ilhabela e a participação do prefeito Manoel Marcos de Jesus Ferreira (PTB) na imobiliária responsável pelas transações comerciais nessas áreas. Na Banca da Barra, por exemplo, funcionários informaram que todos os exemplares foram levados de uma só vez antes das 8 horas.

Os proprietários das bancas, que não quiseram se identificar, contaram que sempre que há denúncias em jornais é a mesma história. ‘Eles mandam buscar todos. Eu, já sabendo disso, fui colocando os exemplares aos poucos e acabei conseguindo vender escondido’, disse um deles.

Segundo outros dois comerciantes, a correria pelo jornal foi em meia hora. ‘Abrimos às 7h30 e antes das 8 não tinha mais jornais. Eles mandam funcionários da imobiliária comprar.’ Mas os ‘compradores’ não esperavam que a reportagem também fosse publicada no Jornal da Tarde. ‘A gente vendeu todos os exemplares do JT também. Os moradores querem ler sobre as denúncias. Teve gente que quis pagar o dobro, mas não tinha mais nenhuma unidade’, disse outro dono de banca.

Em uma terceira banca, o funcionário disse que muitos correram para São Sebastião para comprar o jornal, mas na principal banca do município vizinho também não havia mais nenhum exemplar.

O prefeito Manoel Marcos negou qualquer envolvimento com o desaparecimento dos jornais das bancas. ‘Eu jamais faria isso, nem o pessoal da imobiliária. Eu tenho o maior interesse em esclarecer tudo. Vou apresentar minha defesa no momento certo.’

Diante da venda rápida dos exemplares, a Associação dos Amigos de Ilhabela (Amailha) fez cerca de cem cópias da reportagem para distribuir à população. ‘Eu pagaria mais de R$ 10 por um exemplar’, disse o jornalista Fernando de Santis, que mora na ilha.’



O Estado de S. Paulo

‘Jornais continuam desaparecendo das bancas’, copyright O Estado de S. Paulo, 25/03/05

‘Moradores de Ilhabela reclamam que os exemplares do Estado de ontem e anteontem estão sendo retirados das bancas. As edições trazem reportagem com denúncias sobre irregularidades em loteamentos de alto padrão envolvendo imobiliárias, entre elas a da qual é sócio o prefeito Manoel Marcos de Jesus Ferreira (PTB).

Um leitor que não quis se identificar afirmou que teve de viajar a São Paulo ontem para comprar um jornal, já que nem em São Sebastião encontrou exemplares. Ele havia pedido ao dono de uma banca para reservar um exemplar. Pagaria R$ 10,00. ‘Mas quando cheguei lá, um homem ofereceu R$ 30,00. E eu fiquei sem.’

Nas sete bancas de Ilhabela, a venda das edições do Estado e do Jornal da Tarde de ontem triplicaram. Depois que os jornais foram recolhidos na manhã de quarta-feira, o volume de vendas surpreendeu os comerciantes. ‘Hoje vendeu tudo, mas depois da polêmica de ontem, ninguém veio comprar de batelada’, contou um deles.

Para o prefeito, esse ‘sumiço’ das edições é uma armação da oposição para tentar comprometê-lo. ‘Não tenho motivos para retirar jornal das bancas’ , disse Manoel Marcos. ‘Toda a documentação da prefeitura está à disposição dos cidadãos.’’

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‘Ilhabela ameaçada’, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 26/03/05

‘Não é de hoje que a descontrolada ocupação ilegal tem causado grandes devastações ambientais no litoral paulista e próximo a regiões da mata atlântica, cujas nesgas que ainda restam são, justamente, as que propiciam as belezas naturais de uma rica vegetação, a água pura e o encanto das praias que tanto atraem os habitantes de uma megalópole como São Paulo. Sob este aspecto, o avanço das construções irregulares sobre a mata de Ilhabela, predando e erodindo áreas tombadas pelo Condephaat, apesar de desalentador, não seria grande novidade, caso não soubéssemos que um dos maiores responsáveis por essa devastação é, justamente, aquele que foi eleito para cuidar do município: o seu prefeito.

Matéria de Bárbara Souza, na edição de quarta-feira deste jornal, nos dá conta de um quadro, realmente, desolador. Embora o Parque Estadual de Ilhabela tenha sempre sofrido a ameaça de invasões, agora seu predador-mor é um loteamento de alto padrão. Laudo do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN) atesta que lotes do Loteamento Siriúba 1, assim como cerca de 60% dos 190 lotes do Loteamento Siriúba 2, apresentam irregularidades, ocupando áreas dentro dos limites do Parque. E uma das principais imobiliárias proprietárias de lotes no local, a Ilhabela Imóveis, tem também como sócio-proprietário o prefeito da cidade, Manuel Marcos de Jesus Ferreira (PTB). No dia em que foi publicada a reportagem, o Estado ‘desapareceu’ de todas as bancas de Ilhabela. Os exemplares foram todos comprados antes das 8 horas e o prefeito nega a participação de seus funcionários no episódio. De qualquer forma, não será com esse tipo de prática que se cerceará a circulação de informações sobre as irregularidades, principalmente porque já se articulam investigações sobre loteamentos irregulares na região, no âmbito da Câmara de Vereadores de Ilhabela, da Assembléia Legislativa de São Paulo e da Secretaria de Estado do Meio Ambiente.

Sobre sua participação nos loteamentos irregulares, eis a justificativa do prefeito – a indicar uma cara-de-pau mais dura do que a de qualquer madeira nobre remanescente na mata: ‘Mantenho a sociedade mas permaneço afastado das funções.’ Ah, bom! Quer dizer então que a prefeitura de Ilhabela autoriza construções ilegais, permite o assoreamento de córregos e cursos d’água, dá alvarás e ‘habite-se’ para imóveis construídos em locais proibidos, e o prefeito – beneficiário de muitas práticas que constituem crime ambiental – não tem absolutamente nada que ver com isso? Observe-se o pormenor: essa ‘sociedade’ em que o prefeito afirma que ‘permanece’, ‘afastado de funções’, começou suas atividades em 13 de fevereiro de 2001, ou seja, 1 mês e 12 dias após a posse de seu primeiro mandato.

O pior é que muitas dessas práticas, conduzidas por imobiliárias inescrupulosas, levam pessoas de bem a cometer crimes ambientais por julgarem que aquilo que o poder público municipal aprovou é perfeitamente legal – o que seria óbvio em qualquer sociedade minimamente civilizada. ‘Pessoas corretas que tiveram seus projetos aprovados na Prefeitura, agora respondem por crime ambiental’, diz o supervisor do DEPRN de São Sebastião.

Os compradores desses terrenos, na expectativa de poderem fazer suas construções numa paisagem privilegiada, com grande amplitude de vista para o mar, certamente jamais imaginaram vir a contribuir para a deterioração do que mais ali apreciavam. Pois comprovado está que o adensamento descontrolado, naquela região, comprometerá mananciais, reduzirá o abastecimento de água, eliminará parte de uma rica vegetação e causará erosão que, aliás, já começa a ocorrer. Certamente não será a primeira vez que a exploração ou especulação imobiliária significará um verdadeiro sacrifício da ‘galinha dos ovos de ouro’.

Certamente os compradores que se sentirem prejudicados com os embargos realizados pelo poder público contra suas construções terão todo o direito de recorrer à Justiça – conselho, aliás, que lhes dá o próprio prefeito. Seja como for, e independentemente das batalhas judiciais que venha a ocasionar, o caso de Ilhabela pode ser considerado emblemático, a mostrar a que ponto pode chegar a falta de escrúpulos, neste país, de pessoas investidas de poder, de que esfera for.’