Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Celso Ming

‘Apesar das vacilações habituais, parece definitiva a decisão do governo Lula de desistir da proposta de um padrão verde-amarelo para TV digital, tal como foi anunciado terça-feira pelo secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Paulo Lustosa.

O aparelho convencional que temos em casa tem os dias contados, porque não está em condições de proporcionar qualidade de imagem e de som à altura das necessidades atuais. Além disso, impede a utilização de outros serviços, como internet, telefonia e de novas tecnologias de informação. O mundo está migrando da TV de tecnologia analógica para a TV de tecnologia digital e não vai ser apenas o Brasil que vai ficar fora dessa.

Estão em jogo pelo menos R$ 100 bilhões em negócios. O Brasil tem, em princípio, um mercado potencial de 60 milhões de aparelhos de TV digital que irão substituir os aparelhos em operação, à proporção de 4 milhões de unidades por ano.

Um dos principais problemas técnicos a enfrentar por aqui é o fato de que, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, a rede interna de TV a cabo e por satélite é muito restrita. O sistema a ser implantado no Brasil terá de levar em conta que a captação de som e imagem continuará sendo feita predominantemente por antena externa.

Obstáculos – Além disso, a novidade vai exigir novas soluções para captação de imagem, pós-produção, sistemas de transmissão e retransmissão. Como a troca não vai ser feita de uma vez, parece inevitável alguma duplicação de equipamentos, especialmente nas emissoras de TV.

Ainda durante o governo Fernando Henrique, o setor foi alertado para o risco da ‘reinvenção da roda’, ou seja, de optar por um modelo que apenas fosse usado no Brasil, como aconteceu com sistema Pal-M de TV em cores. Por isso, o que então estava em discussão era apenas o padrão a ser escolhido, se o ISDB-T japonês, o ATSC americano ou o DVB-T europeu.

A posse do ministro Miro Teixeira (então no PDT), na pasta das Comunicações, trouxe de volta velhos sonhos do major Policarpo Quaresma, renitente nacionalista imortalizado na obra-prima de Lima Barreto. Quaresma foi aquele que, pelas suas idéias delirantes, teve o triste fim já conhecido.

O argumento do ministro era o de que não caberia comprar lá fora o que os brasileiros poderiam inventar aqui, com financiamento local e, principalmente, com talento próprio.

Mas o projeto brasileiro esbarrou em três obstáculos incontornáveis. O primeiro é o de que isso não ficaria barato. Estados Unidos, União Européia e Japão despejaram bilhões de dólares no desenvolvimento de projetos de TV digital e não vai ser uma verbinha de R$ 78 milhões ajeitada pelo governo para o Instituto Genius (grupo Gradiente), a partir de recursos do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel), que permitirá uma solução eficaz.

Riscos – Em segundo lugar, um produto assim não pode destinar-se apenas ao mercado doméstico. Tem de ter um mínimo de aceitação global. No entanto, se as potências mais ricas já trabalham com soluções próprias, não vai ser para elas que o Brasil vai poder exportar e assim contar com um mínimo de escala de produção.

O ministro Miro Teixeira ainda tentou despertar o interesse de países emergentes, como China e Índia, para o produto brasileiro. Mas não houve resposta. A China mostrou disposição de desenvolver sistema próprio e a Índia pareceu confiar mais na sua capacidade de desenvolver programas (softwares) que eventualmente pudessem adaptar melhor o padrão dos países ricos. Muito provavelmente, o Brasil não conseguiria vender seu modelo nem mesmo para seus sócios no Mercosul.

Finalmente, não dá para deixar de levar em conta que este é um ramo da ciência aplicada que vai passando por profundas modificações. O que parece ser definitivo pode tornar-se obsoleto da noite para o dia e muito dinheiro poderia ser despejado fora, como há alguns anos aconteceu na informática. E, decididamente, o Brasil tem necessidades mais imediatas a satisfazer do que correr riscos assim.

Esquecer a idéia do padrão brasileiro parece decisão de bom senso. E, assim, voltamos à situação herdada do período Fernando Henrique, em que era preciso escolher entre os três modelos estrangeiros em oferta no mercado.

Em todo o caso, todo o cuidado é pouco. Nessa matéria, este governo está mais sujeito a recaídas do que qualquer outro.’



Cristiana Nepomuceno

‘TV digital: Lustosa afirma que foi mal interpretado na abertura da ABTA’, copyright Telecom Online, 10/8/04

‘O secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Paulo Lustosa, afirmou agora à noite que seu discurso sobre a TV digital feito hoje, 10, na abertura da ABTA 2004, foi ‘mal-interpretado’. Ele afirmou que não descartou a criação de um Sistema Brasileiro de TV digital e que o conhecimento acumulado pelos institutos de pesquisa que vêem trabalhando no desenvolvimento do sistema há mais de um ano não será perdido. Pelo contrário, esse conhecimento será fundamental para que seja possível desenvolver o midleware (software de apoio ao conteúdo) brasileiro que poderá receber qualquer aplicativo para completar a transmissão e a recepção digital. O secretário reiterou que o governo quer um sistema que se ajuste ao perfil de renda da maioria da população brasileira e que seja possível, além de atender ao consumidor de baixa renda, fornecer transmissão de dados e conexão à Internet. Pela manhã, na ABTA, Lustosa afirmou que quando o então ministro das Comunicações, Miro Teixeira, alardeou a necessidade de desenvolvimento de um padrão local, o objetivo ‘talvez tenha sido o de mexer com a auto-estima da população’. ‘Se no prazo estipulado por decreto (março de 2005) não tivermos desenvolvido qualquer padrão ou interface para a TV digital, apenas a mobilização dos centros acadêmicos já valeu o esforço. Esse é um trabalho que não se perde’, disse.’



Gerusa Marques

‘Miro critica desistência de padrão próprio’, copyright O Estado de S. Paulo, 11/8/04

‘O ex-ministro das Comunicações deputado Miro Teixeira (PPS-RJ) criticou duramente a possibilidade de o Brasil abandonar a idéia de desenvolver um padrão próprio de televisão digital. A proposta de criação de um sistema brasileiro foi apresentada por Miro durante sua gestão à frente do ministério. Ontem, o secretário executivo do ministério, Paulo Lustosa, disse que criar um padrão brasileiro de TV digital seria o mesmo que tentar ‘reinventar a roda’.

‘Essa é uma frase feita e repetida de maneira impensada. Se tivessem pensado assim não existiriam três sistemas, bastava um’, disse o deputado, referindo-se aos padrões existentes no mundo: o americano, o europeu e o japonês. Ele destacou que a criação do Sistema Brasileiro de TV Digital foi uma decisão de governo. ‘A decisão de desenvolver um padrão brasileiro de TV digital está prevista em um decreto do Presidente da República e não está na esfera de um secretário executivo revogá-lo’, afirmou Miro, lembrando que um decreto presidencial somente pode ser revogado por outro decreto do presidente.

Segundo Miro, a hipótese da pesquisa desse novo padrão, por si só, já é boa porque ‘junta a comunidade acadêmica’. O ex-ministro disse que se o Brasil desistir da idéia perde o passo do desenvolvimento tecnológico e da inclusão digital, uma vez que um estudo que vem sendo desenvolvido prevê a criação de um conversor de sinais digitais de televisão para analógicos, que também permitirá acesso à internet, além de alta qualidade de som e imagem.

Miro disse que a pesquisa de um novo sistema não obriga a sua utilização e seguramente o padrão brasileiro será comparado com os demais antes de o governo fazer sua opção.’



Monica Tavares

‘Brasil não vai criar padrão digital, diz secretário’, copyright O Globo, 11/8/04

‘O secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Paulo Lustosa, afirmou ontem que o Sistema de TV Digital Brasileiro aproveitará um dos três modelos mundiais – o americano, o japonês e o europeu – como base, mas que o padrão a ser implantado será adaptado às necessidades e ao perfil dos brasileiros. Para ele, não se pode querer reinventar a roda e tampouco deixar de adaptar os modelos às exigências locais:

– Queremos um sistema que se ajuste ao sistema de renda do país – disse o secretário-executivo, que participou ontem do congresso da Associação Brasileira de TV por Assinatura, em São Paulo.

Segundo Lustosa, o sistema brasileiro deverá permitir a interatividade, a transmissão de dados e a conexão à internet. Mas precisa considerar a situação econômica da população, onde a maioria dos 57 milhões de televisores do país é de 14 polegadas e com antena interna. O padrão terá de oferecer tecnologia dentro das restrições.

Ele disse ter sido mal interpretado quando afirmou que o Brasil não pretende reinventar a roda, pois o fato de não criar um padrão não implica deixar de atender às necessidades do país. Lustosa ressaltou que o sistema brasileiro deverá ser aberto, permitindo a recepção de qualquer aplicativo.

Miro critica dependência: ‘O Brasil precisa ousar’

O ex-ministro das Comunicações e deputado federal Miro Teixeira (PPS-RJ) disse que a sua proposta original era partir dos subsistemas conhecidos – o americano (ATSC), o europeu (DVB) e o japonês (ISDB) – para criar um sistema adequado ao Brasil, lembrando que os três padrões têm subsistemas comuns.

– A discussão da TV digital não pode ficar restrita à qualidade de som e imagem. Precisa ter conexão com a internet – disse Miro.

Para o deputado, tecnologia exige continuidade e, se o país optar por um dos padrões existentes, estará decretando sua dependência:

– O Brasil precisa ousar. Discussão parecida com essa deve ter acontecido quando da pesquisa de petróleo em águas profundas, ou da máquina de votar ou na produção de álcool combustível.’