Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Clóvis Rossi

‘O tratamento dado pelo governo e pela mídia aos dados sobre o crescimento econômico do terceiro trimestre é revelador de como o empobrecimento do país nas duas décadas de anemia econômica provocou um empobrecimento também das expectativas.

Explico melhor: crescimento em tese não deveria ser notícia se a definição de notícia é a de novidade, aquilo que nunca havia ocorrido ou raramente ocorre. Crescimento econômico (em qualquer país do mundo) é a norma. Tanto que, mesmo nos anos de vacas magras, o Brasil cresceu dois terços do tempo, conforme mostrou recente levantamento para esta Folha do excelente Marcelo Billi.

O texto de Billi dizia que, de 1982 a 2004, o Brasil esteve em recessão 35% do tempo. Ou, visto de outro ângulo, é a recessão, não o crescimento, que ocorre mais raramente, mesmo em tempos difíceis -e, por extensão, é mais notícia.

O fato, no entanto, é que a anemia dos 20 anos mais recentes deixou cicatrizes profundas na alma tupiniquim. Passou-se a temer que ela fosse habitante da casa Brasil, em vez de visitante eventual indesejada.

Por isso, festeja-se o crescimento, como se ele fosse eventual e como se fosse único no mundo. Não é: entre 11 países em desenvolvimento com crescimento mais expressivo no mundo, o desempenho do Brasil ganha apenas do da África do Sul e do do México (‘Estado de S. Paulo’, 1º/12/2004).

Além disso, muita gente que hoje bate palmas para a gestão Lula acreditava cegamente que o PT, uma vez no governo, levaria ao caos, que é o inimigo número 1 do crescimento. Logo, não poderia, por definição, haver crescimento em um governo Lula. É natural que esses setores, em geral situados no mercado financeiro, de voz hegemônica no capitalismo contemporâneo, se encantem com o crescimento que era impossível pela sua própria lógica anterior.

Os críticos cegos deste jornal dirão que a Folha vaia até crescimento. Tolice. Como diria o Che, ‘hay que conmemorar, pero sin perder la perspectiva jamás’.’



Renato Lemos

‘O segredo de Lula só o seu barbeiro sabe qual é’, copyright Jornal do Brasil, 5/12/04

‘Lula gosta de metáforas. Eu também. Por isso gostei tanto de Entreatos, o filme de João Moreira Salles que acompanha os últimos dias de um candidato antes de virar presidente. É uma espécie de metáfora sobre o poder do poder. Um filme imperdível. Não só por mostrar os bastidores da campanha presidencial, mas por mostrar a vida privada de um homem público. E – protagonizado por Lula e Duda Mendonça – está cheio de metáforas, claro. Ali, Lula se expõe corajosamente, ao mesmo tempo em que dá pistas sobre seu estilo de governo. Conta casos, relembra histórias, usa e abusa das metáforas para explicar o panorama político do país. Mas nenhuma de suas metáforas é tão contundente quanto a criada, involuntariamente, por Fernando, o barbeiro oficial do candidato. Numa cena logo no início do filme, Lula chega ao salão em São Bernardo do Campo e, após uma sessão de tesouradas e navalhadas, sai exatamente com a mesma cara com que entrou. Não mudou nada. Fernando, o barbeiro do Lula, antecipou para o público o que seria o governo do PT.

Aviso desde já que não sou a pessoa mais indicada para falar sobre cabelos e a foto aí do lado explica parte dos meus motivos (a outra parte, o enquadramento esconde). Nem para falar mal do Lula. Votei nele em todas as oportunidades que tive. E é provável que volte a fazê-lo, mesmo me decepcionando ocasionalmente. Como volto ao barbeiro, ainda que sabendo que um novo corte (nos últimos três anos, invariavelmente, recorri à máquina 1 no cabelo e zero na barba) não mudaria fundamentalmente a minha imagem. Lula e o barbeiro têm meu voto de confiança. Vou ao barbeiro como vou às urnas. Um dever cívico. Um ato que exige reserva e privacidade. Sem testemunhas. Cortar cabelo, para mim, é mais ou menos como experimentar roupa em provador de loja. Ou olhar revistas de mulher pelada. Coisa que, sintomaticamente, só faço na cadeira do barbeiro.

Como corto o cabelo a cada 15 dias e a Playboy é mensal, cheguei a estabelecer um ranking para as garotas da capa. Algumas merecem uma segunda olhada. Outras, na segunda visita ao barbeiro, são substituídas pelas entrevistas (li, há muito tempo, uma ótima entrevista de Lula na revista) e pela seção de viagens maneiras. Luísa Thomé, por exemplo, não teve uma segunda chance. Coisa que Juliana Paes alcançou com facilidade. Já Mel Lisboa foi uma incógnita. Não sei se voltei às páginas centrais para conferir um pouco mais a presença de Anita ou para tentar decifrar o que significava cada uma das tatuagens em suas costas. Mel, na verdade, teve direito a uma terceira conferida, oportunidade em que concluí que aquilo que eu imaginava ser um dragão com a cauda enrolada em torno do umbigo era uma outra coisa. E nem tatuagem era.

Por guardar nossos segredos mais íntimos, há muito tempo aprendi que a maior qualidade de um barbeiro, além do silêncio e da atualização na coleção da Playboy, é sua localização: longe das ruas, de preferência no fundo de galerias. Acho inconcebível, por exemplo, a existência de salões de cabeleireiro em frente a ponto de ônibus. Ou diante das escadas rolantes dos shoppings. Caracoles! Deveria haver uma lei que regulamentasse a questão. Para mim, ser flagrado na cadeira do barbeiro – com ou sem a Mel Lisboa entre os dedos – é como ser surpreendido com o zíper da calça aberto. Um crime de superexposição (sem trocadilhos, meu amor.) Em Entreatos Lula aparece, de certa forma, com o zíper de sua calça aberto. E tira partido disso.

Lula fala de boca cheia. Lula fala palavrões a três por quatro. Lula erra na concordância. Lula fala mal do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Lula fala mal do seu costureiro. Lula elogia o Sarney. Lula toma uma cervejinha. Lula admite que gosta de uma cachacinha. Lula experimenta gravatas com a destreza de um vendedor da Ducal. ‘É impressionante como a gente passa uma vida inteira e não se acostuma ao macacão de operário e em duas semanas de terno e gravata não quer saber de outra coisa. Gosto de me vestir bem’, admite ele lá pelas tantas.

E, é incrível, todos esses deslizes, toda essa incontinência verbal, só conta pontos a favor do presidente da República. Em Entreatos, Lula e João Salles travaram o pacto da sinceridade. E é disso que é feito o filme. É impossível pensar no filme com o Serra, por exemplo, como personagem principal. Lula, na intimidade, mostra a alma comum e defeituosa de qualquer cidadão. Uma alma difícil de modificar. Está na cara. Fernando, o barbeiro de São Bernardo do Campo, já sabe disso há muito tempo.’



Painel do Leitor, Folha de S. Paulo

‘Competência’, copyright Folha de S. Paulo, 1/12/04

‘‘Deve ser terrível para um ex-presidente vaidoso como FHC assistir aos sucessivos recordes de exportação e de crescimento que o governo Lula vem alcançando neste ano. Tal como um jogador de futebol veterano, FHC parece ter dificuldade de aceitar que seu tempo sob os holofotes já passou. Apenas essa mistura de sentimentos pode explicar as rancorosas declarações de FHC (‘Governo é ‘incompetente’ e o ‘rei está nu’, afirma FHC’, Brasil, 30/11). Sugiro que o ex-presidente se acomode em um bom ‘divã’ para melhor digerir os feitos do governo que o sucedeu.’ Patrícia Ramos Tonello (São Paulo, SP)

‘Manchetes de todos os jornais de ontem mostraram as críticas de FHC ao governo Lula. Todos podem criticar o governo Lula -e com razão!-, menos o senhor FHC e membros de seu desgoverno. O senhor FHC levou embora metade dos meus vencimentos, deixou milhões de desempregados, deixou o brasileiro com a menor renda média da história e entregou de mão beijada dezenas de empresas importantes. Deixou um salário mínimo que causa vergonha e comprou sua reeleição a um preço tão caro que pagamos os custos até hoje. Foram oito anos jogados fora. Como dizia José Simão, o ‘avanço do retrocesso’.’ Antonio Carlos Ciccone (Cotia, SP)’