Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Daniel Castro

‘Os livros abertos sobre uma cama e uma pequena escrivaninha denunciam que algo está improvisado. ‘Isso aqui é muito apertado, um sufoco’, reclama a jornalista, escritora e dramaturga Maria Adelaide Amaral, 62. E deixa escrito na tela do computador esse curto diálogo:


JK – Um dia eu vou para além daquelas montanhas.


Alkmim – Eu também.


A fala faz parte do primeiro episódio de ‘JK’, minissérie de 53 capítulos que a Globo exibirá de janeiro a abril de 2006. JK é Juscelino Kubitschek (1902-1976), o presidente da República (1956-1961) que se elegeu prometendo realizar 50 anos em 5, construiu Brasília e entrou para a história como desenvolvimentista.


Alkmim é o famoso político mineiro José Maria Alkmim, que, muitos anos depois da passagem acima, seria ministro da Fazenda de JK, que romperia com o FMI (Fundo Monetário Internacional). O mineiro JK, interpretado por Wagner Moura e José Wilker, será o protagonista.


Maria Adelaide escreve a minissérie em um apartamento em Higienópolis, onde mora temporariamente. Seu outro apartamento, muito mais amplo, no mesmo bairro de São Paulo, está em reforma. Deu cupim nos móveis, que comeram até alguns livros.


Seu trabalho ocupa um dos quartos. Sobre uma cama, ela espalha livros e cópias de escritos com trechos marcados com canetas coloridas, inspiração para seqüências, diálogos e climas da minissérie. Ela ainda tem outra base de produção, uma casa na serra da Cantareira, na zona norte de São Paulo.


Da estante, Maria Adelaide destaca cerca de 70 livros que usou em sua pesquisa para escrever sobre Juscelino Kubitschek, desafio que iniciou há um ano. Há volumosos tomos de memórias de JK, muitos livros sobre e escritos por Carlos Lacerda (que na minissérie será ‘antagonista político’), um do arquiteto Oscar Niemeyer (que também será personagem), outros sobre assessores de JK, como o empresário Augusto Frederico Schmidt, dono da rede de supermercados Disco e que Maria Adelaide define como ‘uma mistura de Olavo Bilac e Duda Mendonça de JK’. Na minissérie, ele será interpretado por Antonio Calloni.


Na prateleira também há obras de ficção, como ‘A Borboleta Amarela’, de Rubem Braga, com crônicas da época de JK. ‘Até aquilo que não parece importante é. Uma coisa que me ajudou a dar o clima de Minas Gerais foram as memórias do [escritor] Pedro Nava’, diz a autora.


De um armário que já foi guarda-roupa, Maria Adelaide tira mais material de pesquisa -jornais, revistas e relatórios da construção de Brasília, além de uma cópia do diário que Juscelino manteve de 1973 até a morte, cedida pelo jornalista Elio Gaspari, que, ao lado do também jornalista Zuenir Ventura, é um dos incentivadores da idéia de uma minissérie sobre Kubitschek.


Maria Adelaide Amaral dividirá a autoria de ‘JK’ com Alcides Nogueira, seu parceiro em ‘Um Só Coração’ (2004), Geraldinho Carneiro (cujo pai, Geraldo Carneiro, foi secretário de JK), Letícia Mey (que escreveu uma biografia romanceada de Augusto Frederico Schmidt, o ‘homem dos slogans’) e com seu filho Rodrigo Amaral, arquiteto, que escreverá ‘a história arquitetônica e urbanística, de Pampulha a Brasília’.


Ela conta ainda com a pesquisadora Madalena Prado. A direção-geral será de Dennis Carvalho. A produção começa para valer na segunda quinzena de julho. Um de seus desafios será reproduzir a construção de Brasília.


Currículo


‘JK’ será a quinta minissérie que Maria Adelaide assina em sete anos. Das últimas seis exibidas pela Globo no verão, quatro são dela (‘A Muralha’, de 2000, ‘Os Maias’, de 2001, ‘A Casa das Sete Mulheres’, de 2003, e ‘Um Só Coração’). Ela dominou o espaço mais desejado pelos autores da Globo -’Todos querem fazer minissérie’, diz Maria Adelaide- com textos que têm em comum (exceto ‘Os Maias’) o fato de misturarem romance folhetinesco com história do Brasil, o que dá prestígio à emissora, admite.


‘Foi coincidência’, diz a portuguesa naturalizada brasileira Maria Adelaide sobre a descoberta do ‘filão’ histórico. ‘Eu gosto de história, sinto prazer na investigação, mas não tenho a pretensão de fazer produto educacional. Meu olhar não é de documentarista, historiadora. É de ficcionista que gosta de história. A minha leitura de todos esses livros é em termos dramáticos. Toda vez que leio, destaco aquilo que dá cena. Minha função não é documentar, mas contar uma história emocionante. Não vou mobilizar interesse em ‘JK’ se não conseguir emocionar’, afirma.


‘JK’ terá, além da trama sobre Juscelino Kubitschek, duas subtramas principais: uma amorosa, fictícia, e outra que mostrará a juventude da empresária da noite paulistana Lilian Gonçalves, que foi miss Brasília.


Humano


A trama principal deve trazer um JK humanizado. A minissérie contará sua história desde o nascimento, em Diamantina (MG), até o velório, em 1976, ‘a primeira manifestação para valer na ditadura’. ‘Ele foi um menino pobre. Depois da morte do pai, aos três anos, só foi ter sapato aos 14, no seminário’, diz Maria Adelaide.


Kubitschek se formou médico ‘pelo esforço’, acredita. ‘Trabalhava à noite nos Telégrafos e estudava o dia todo. Dormia das 19h às 23h. Entre a formatura e o primeiro carro, levou apenas um ano. Tinha uma clínica extremamente bem-sucedida’, conta Maria Adelaide.


O médico urologista, em 1934, entrou para a política. Elegeu-se deputado, foi prefeito nomeado de Belo Horizonte, governador eleito de Minas Gerais e presidente de uma época tida como glamourosa da República. Em 1964, teve seu mandato de senador cassado pela ditadura militar. Morreu em um acidente de carro. ‘Ele não morreu rico. Aquela coisa de que era a sétima fortuna do mundo não procede. Mesmo no diário [nos últimos anos de vida], ele reclama da falta de dinheiro’, relata. A minissérie será narrada por Kubitschek.


No último mês, Maria Adelaide embarcou para uma folga de dez dias em Paris, onde sua peça ‘Mademoiselle Chanel’ foi apresentada. Voltou a escrever há duas semanas. Está no segundo tratamento do primeiro capítulo e admite que pode mudá-lo de novo. ‘Estou começando a achar o tom. É necessário dormir sobre o capítulo. Minissérie permite isso.’’




ÍNDIO QUER TV
Ancelmo Gois


‘Programa de índio’, copyright O Globo, 10/7/05


‘Um canal indígena será lançado este mês. A TV Aldeia Virtual terá direção do cacique Raoni.’




BRASIL LÁ FORA
Marcelo Bartolemei


‘Canais internacionais mostram Brasil que país não vê’, copyright Folha de S. Paulo, 10/7/05


‘Por aqui, a ficção conta em ‘América’ -a novela que fala do ‘sonho’ de morar nos EUA- o que os canais não exibem sobre as histórias de compatriotas que moram em outros países, sejam elas de sucessos ou mazelas, quando decidiram atravessar as fronteiras. Mas a vida de brasileiros em outros países chamou a atenção da Globo e da Record, que atualmente dedicam programações exclusivas ao mercado internacional, numa espécie de Brasil que o próprio Brasil não vê.


Ambos os canais internacionais exibem grande parte da programação brasileira, com um ou dois dias de atraso, em horários diferentes, de acordo com cada fuso. É possível, de Nova York, assistir ao matinal de Ana Maria Braga e também acompanhar a investida da emissora em dramaturgia, com ‘Essas Mulheres’, à noite.


No Brasil não se assiste aos programas produzidos no exterior desde 2003 -quando a Globo deu o pontapé inicial com o ‘Planeta Brasil’, jornalístico com reportagens sobre brasileiros que vivem legal ou ilegalmente mundo afora. Os canais internacionais começaram a investir na comunidade brasileira para aproximar a linguagem da programação ao público e oferecer serviços para a crescente audiência nos continentes onde distribuem seus sinais.


Os programas exclusivos também servem para preencher lacunas da programação, para não abusar de reprises. É que as emissoras não podem exibir algumas produções nos seus canais internacionais, como filmes (cujos contratos garantem exibição somente no Brasil), jogos de futebol como os da Copa das Confederações (Globo), atrações ao vivo e, no caso da Record, programação religiosa durante a madrugada.


A Globo Internacional -audiência de 1,8 milhão de assinantes- tem também boletins de notícias (‘Brasil Notícias’), programação esportiva e um dia de shows com artistas brasileiros em Nova York, uma vez por ano, chamado ‘Brazilian Day’.


Na Record Internacional (cerca de 300 mil assinantes, segundo o canal), há quatro programas produzidos especificamente para o canal do exterior: um de entrevistas com personalidades (‘Link Brasil’, apresentado por Celso Freitas), outro de shows e entrevistas (‘Brasil in Concert’), um de videoclipes (‘Top Clip’) e boletins diários de notícias e serviços (‘Record News’).


Poucas reportagens são exibidas nos programas da casa, como o ‘Jornal Nacional’ e o ‘Fantástico’. Na Record, também não há espaço na grade para a produção internacional, que, diferentemente da concorrente, é gravada em São Paulo. ‘A grade aqui é mais enxuta. Não temos horários para encaixar os programas criados para o canal internacional e já temos alguns programas enraizados na cultura brasileira, como o futebol e as novelas’, diz Paulo Calil, 33, diretor de programação da Record Internacional.


Juntos, os jornalistas César Augusto, 37, e Luciana de Michelli, 31, viajam pelo mundo à procura de histórias que os brasileiros têm para contar ao ‘Planeta Brasil’ (Globo Internacional). ‘Brincam com a gente nas ruas, dizendo que acham ruim que as entrevistas não passam no Brasil, pois eles querem mostrar para os familiares que estão bem’, diz Michelli.


Com o ‘Planeta Brasil’, que é apresentado pela jornalista Patrícia Poeta, a dupla de repórteres já viajou por 22 Estados norte-americanos e para outros países, mostrando a realidade da comunidade brasileira, onde são recebidos com café e pão de queijo. ‘Eles criam um universo brasileiro onde estiverem’, diz a jornalista.


Segundo Augusto, que falou à Folha da Filadélfia, onde gravava um especial do Dia dos Pais, a maioria dos brasileiros com quem conversa têm saudades do país e pretende voltar. ‘O brasileiro é muito batalhador. A maioria busca uma esperança de mudar de vida e oferecer algo melhor para a família’, diz o repórter.


Parte das histórias são tristes, como as de pais que trabalham nos EUA para pagar a faculdade dos filhos no Brasil, mas também há relatos engraçados, como os de brasileiros que já fizeram as vezes de pedreiro da casa de Sylvester Stallone, de manicure da atriz Jennifer Aniston, de cozinheira de Michael Jackson e do motorista do cantor Lenny Kravitz, entre outros, e gente que construiu sólida carreira no exterior com criatividade (como um brasileiro que vende uma das bolsas mais cobiçadas de Nova York).


Os temas para o programa chegam por e-mail (planetabrasil@ globotv.com) ou pelas histórias que os entrevistados contam. Os assuntos são variados: falam de comportamento, como tratar de assuntos diplomáticos e mostram o estilo de vida dos brasileiros.’