Wednesday, 08 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Daniel Piza


‘A estranheza das circunstâncias que envolveram a entrevista do presidente Lula, exibida pelo Fantástico anteontem, só conseguiu delinear ainda mais a estratégia adotada pelo PT para se defender das acusações de corrupção. Faz cerca de 40 dias que o escândalo estourou, e Lula até agora não havia dado nenhuma entrevista sobre o assunto. Em Paris, na semana passada, contou até com o apoio de Jacques Chirac para não tratar de ‘assuntos internos’ durante viagem ao exterior; disse apenas que ‘o Brasil não merece isso’ (a crise ou a corrupção?) e que trataria ‘com prazer’ do tema quando retornasse. Mas na sexta-feira, mesmo dia do depoimento de Delúbio Soares à Procuradoria-Geral, aceitou dar entrevista a uma funcionária brasileira de produtora francesa no gramado de um hotel-palácio. Por que a ela? Por que na sexta?


Qualquer que seja a resposta, Lula não vai conseguir disfarçar sua apreensão em ser verdadeiramente confrontado por um jornalista que esteja informado do que se passa no Brasil. A entrevistadora mostrou seu despreparo já no tratamento reservado ao presidente, que ora chamava de ‘você’, ora de ‘Vossa Excelência’ e, numa minoria de vezes, ‘o senhor’. Quanto às perguntas, algumas maquiadas como contestação, no conjunto não passaram de um levantar-de-bola para Lula dar seu recado político. Em nenhum momento ouvimos, entre tantas, as seguintes questões:


– Muitas pessoas disseram ter avisado ao sr. do esquema do ‘mensalão’. É verdade? E o que o sr. fez?


– Por que o sr. disse que daria um ‘cheque em branco’ para o deputado Roberto Jefferson, apontado no flagrante de corrupção dentro dos Correios?


– Se o PT é uma coisa e o governo outra, por que o sr. usou tantas vezes a estrela do partido na lapela e mandou podá-la no jardim do Alvorada?


– Dirceu, Genoino, Delúbio, Pereira e os demais nunca o informaram dos encontros e negócios com Marcos Valério? O sr. nunca quis saber quem era essa pessoa fundamental para a saúde financeira do partido que o sr. fundou? Nem quis saber como ela seria paga, já que seus contratos com estatais aumentaram tanto nestes 18 meses?


– Três dos citados deixaram a direção do partido. Se não sabia de nada, o sr. não se sente responsável ao menos por ter dado a eles tanto poder no governo?


– O sr. acha ético que seu filho tenha vendido a empresa para uma empresa de telecomunicações mantida por fundos de pensão e BNDES?


– Se comprovado que Valério usou dinheiro público para dar via caixa 2 a partidos e políticos, inclusive a políticos do PT, ou usá-lo como contrapartida, o PT deve ser cassado? O sr. defende quais punições para todos os envolvidos nesse crime eleitoral?


– O sr. acha que um presidente que deixou que sua equipe mais próxima cometesse tantos crimes contra a administração pública tem autoridade moral para continuar no cargo ou se candidatar à reeleição?


– O sr. diz que a economia está muito bem, mas a média das previsões de crescimento do PIB para este ano é de apenas 3%. Isso é estar bem?


Mas não. A entrevista se limitou a perguntar o que o presidente tem a dizer a respeito da crise, deixando-o afirmar livremente que o problema é de algumas pessoas do partido, do qual estaria afastado, que o PT é vítima apenas de seu ‘crescimento’ e que só fez ‘o que é feito no Brasil sistematicamente’, como se fosse desculpa para transferir milhões de reais sem registro. O resultado, por isso mesmo, soou como um discurso plantado, alinhado com a estratégia de isolar Lula e o governo da crise, de circunscrevê-la a erros perdoáveis de dirigentes petistas. Tudo isso dito por um Lula nitidamente nervoso e abatido, com jeito de dom Pedro II no exílio, ou disposto a aceitar no máximo a alcunha de Luiz Pilatos Lula da Silva. O Brasil merece?’


 


Míriam Leitão


‘Sem explicação’, copyright O Globo, 19/7/05


‘A entrevista do presidente Lula em Paris é desrespeitosa à imprensa brasileira, pela forma como foi feita, e insultuosa ao país, pelo conteúdo do que disse. Em todo o seu mandato, Lula tem tratado os jornalistas com desprezo. Aceita apenas os longos monólogos, nunca o rigor de uma entrevista séria, com livre direito do contraditório. Mas pior o conteúdo que a forma. Ele foi a Paris, vejam só o local, dizer que o Brasil não é um país sério.


Na entrevista que ele concedeu na França, não era possível disfarçar o amadorismo da repórter que, numa pergunta, dirigiu-se ao presidente com o impróprio pronome ‘você’ para, na pergunta seguinte, exagerar com o ‘vossa excelência’. Jornalistas não usam nenhum dos dois tratamentos, apenas o cerimonioso ‘senhor’, que distancia e não bajula. Mesmo diante de perguntas lamentáveis a facilitar seu trabalho, o presidente Lula disse impropriedades.


Atribui-se a Charles de Gaulle a infeliz frase de que ‘O Brasil não é um país sério’. Talvez o líder francês tenha dito, talvez não, mas o país se ofendeu da mesma forma. E tem tentado seriamente, nas últimas duas décadas, livrar-se desse estigma.


Pois bem, Lula saiu daqui, voou no seu avião de 56 milhões de dólares, para, de lá, mandar dizer que o que o PT fez foi exatamente o que todo mundo faz no Brasil. Qual a diferença entre essa frase e a dita por PC Farias numa outra CPI? Naquela época, querendo dizer que todos os políticos tinham os mesmos padrões morais que ele, PC disse: ‘Estamos todos sendo hipócritas aqui.’ Aquela frase não ofendeu ninguém. PC Farias era um pária na política brasileira, chegara não se sabe de onde, a bordo do fenômeno da falsa promessa de caçar marajás. Completamente diferente é ver o mesmo conformismo com o desvio sendo demonstrado por um presidente da República: ‘O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente’, disse Lula na entrevista.


O que é sistematicamente feito no Brasil? Pegar empréstimos com o aval do fornecedor do governo, que pega outro empréstimo e dá como garantia o contrato com o governo e diz que é para o partido do governo? Essa promiscuidade é normal? Montar numa sala dentro do Palácio uma central de distribuição de cargos sob o comando de pessoas sem cargos na máquina pública? O que é feito sistematicamente? Ocupar a máquina com os quadros partidários, transformar cargos públicos em centrais de arrecadação? O presidente da República acha normal o caixa dois?


A TV Globo esclareceu que não teve interferências nas perguntas, apenas comprou o direito de transmiti-la. Ao pôr no ar a entrevista, ajudou a revelar duas coisas: a estranha avaliação do presidente da República sobre o que se faz no Brasil ‘sistematicamente’ e a relação que ele quer ter com os veículos da imprensa nacional, a quem recusa sistematicamente conceder entrevistas. Fica-se sabendo, graças à divulgação da entrevista, que Lula prefere assim, perguntas do tipo alavanca, que o ajudem, como aquela: ‘Há males que vêm para bem?’ E, desta forma, ele pode dizer que ‘doa a quem doer’, o ‘o governo vai ser implacável com a corrupção’. Sem que nada socorresse o jornalismo nesse diálogo de faz-de-conta. ‘Onde o pai Lula errou?’, perguntou a repórter, referindo-se ao ‘filho’ PT. Foi quando Lula mostrou o que pensa.


A estratégia do presidente foi acusar o PT. O governo dele apura como nunca se apurou, já prendeu, de verdade, mais de mil pessoas, garantiu. O PT tinha os melhores quadros do Brasil, eles foram para o governo dele e aí o partido cometeu erros e agora tem que explicar ao país os erros que cometeu, afirmou o presidente.


Se o problema foi só do partido, por que tantos foram demitidos dentro do governo Lula, a começar pelo chefe da Casa Civil, um dos dirigentes do qual ele desfalcou o PT? Nada se segura nesta tese de tentar jogar sobre o partido toda a culpa da grande confusão que houve, exatamente pelo erro de se misturar partido e governo.


Tanto que mais adiante — à pergunta: ‘Vossa Excelência sente mais peso hoje do que quando foi eleito presidente da República?’ — Lula disse que agora deveria ser a hora de colher o bom momento econômico. ‘Não estava previsto acontecer era nenhum erro político, nenhuma crise mais forte, mas aconteceu.’ Ora, se a crise é só do PT que decidiu fazer o que se faz sistematicamente no Brasil, não deveria haver risco algum. Mas Lula vê risco de o país perder uma chance. ‘O Brasil é mais respeitado hoje no mundo.’ O mundo, felizmente, sempre separou o Brasil de seu governo, tanto que, em plena crise Collor, o país viu desembarcar no Rio dirigentes do mundo inteiro para discutir o destino do planeta na Rio 92.


A assessoria de imprensa do presidente Lula quis garantir a ele um ambiente confortável, livre das incômodas perguntas diretas ao ponto, livre do risco de uma segunda pergunta mostrando a inconsistência do seu pensamento. Fracassou porque não conseguiu defendê-lo de si mesmo. Lula contou ao país que o PT, que chegou ao poder garantindo que seria diferente, fez o que ‘sistematicamente’ se faz. Lula encerrou a entrevista falando sobre 2006: ‘O Brasil está no caminho certo e não tem por que mudar de rota.’ Não, o país está num descaminho, vivendo a pior crise da sua história recente, sem que o presidente da República explique ao país como vai superá-la.’


 


O Globo


‘Roteiro para Lula’, copyright O Globo, 20/7/05


‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva errou duplamente na entrevista concedida em Paris, na sexta-feira, e levada ao ar no domingo pelo ‘Fantástico’. Os dois equívocos gritantes se encontram em uma única frase: ‘O que o PT fez, do ponto de vista eleitoral, é o que é feito no Brasil sistematicamente.’


Sem estabelecer qualquer hierarquia nos escorregões presidenciais, o primeiro problema no pensamento de Lula é conceitual. Se uma lei não é seguida — no caso, a legislação eleitoral — não importa quantos não a cumprem. Todos estarão na ilegalidade da mesma forma. Se o PT e todos os partidos têm caixa dois para financiar campanhas ou qualquer outra despesa, isso não serve de atenuante: as legendas, quantas forem, precisam ser investigadas e punidas como manda a legislação.


O segundo erro de Lula foi atrair a crise para as proximidades do seu gabinete, por fundamentar a suspeita de que conheceria previamente a estratégia de defesa do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e do publicitário, lobista e co-administrador do propinoduto petista Marcos Valério. Os dois, em entrevistas na sexta e no sábado, iriam admitir a existência do caixa dois no PT, explorando a mesma linha de argumentação de que nada fizeram de diferente em relação à prática da política brasileira — tese idêntica à defendida por Lula na entrevista feita nos jardins do Palácio Marigny, casa de hóspedes ilustres do governo francês. Tornou-se, então, no mínimo inevitável a suspeita de que o presidente estava informado da versão ensaiada entre Valério e Delúbio.


O presidente já havia cometido outros equívocos depois da eclosão da crise. Inicialmente, demorou a reagir, perdendo vinte e quatro horas preciosas após a primeira entrevista do deputado Roberto Jefferson, na ilusão de que tudo se resumia a uma disputa entre partidos da base do governo. Quando se movimentou, o fez na direção correta, declarando-se favorável à reforma política — embora esta tenha tomado, posteriormente, um rumo contrário ao que deseja a sociedade.


O presidente viria a entender, com acerto, ser inevitável o afastamento do ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, alvejado de forma mortal pela crise detonada por Jefferson, e que hoje evolui com vida própria. Mas antes de começar a necessária despetização do primeiro escalão do governo, o presidente ainda se deixou levar, num discurso de improviso no interior de Goiás, pela tese temerária e fantasiosa, levantada por Dirceu, da existência de um complô da ‘direita’ para desestabilizá-lo. Convenientemente, o mesmo discurso foi repetido pelo tesoureiro Delúbio Soares. E ainda sob a mesma influência dessa visão chavista, Lula abriu a sala de reuniões ministeriais para os chamados movimentos sociais, com direito a estandartes e bandeiras.


Mesmo a nomeação do presidente da CUT, Luiz Marinho, para o Ministério do Trabalho pode ser interpretada como uma tentativa do presidente de se cercar desses movimentos organizados para se defender.


Mas, como se tem dito no Congresso, por enquanto nada existe contra o presidente da República. Cuja maior defesa precisa ser o próprio ato de governar, sair da letargia. A crise política tem desvendado distorções que teriam de ser corrigidas pelo governo Lula, sem esperar o desfecho das investigações.


Haja o que houver, já é certo que como pano de fundo do escândalo dos mensalões e do caixa dois petista está o aparelhamento da máquina pública empreendido com furor pelo PT, em sociedade com partidos aliados, aos quais foi destinada uma cota de cargos nessa máquina. Há várias hipóteses sobre as fontes de abastecimento do caixa dois do PT. A dupla Delúbio-Valério quer fazer crer que o caixa foi abastecido apenas pelos tais financiamentos levantados por Valério para o PT. Ora, esses empréstimos, hoje, atualizados, somam R$ 90 milhões, cifra muito inferior às que trafegaram de forma ilícita pelas agências de Marcos Valério. Certamente a infiltração político-partidária do Estado é pista segura que levará a uma copiosa fonte de arrecadação de recursos à margem da lei para o PT e legendas aliadas.


Há propostas na mesa de Lula para cortar todos ou boa parte dos aproximadamente 20 mil cargos ditos de confiança — na verdade uma ampla e escancarada porta de entrada de interesses escusos na máquina do Estado. Também ficou evidente a desnecessária existência de estatais como o Instituto de Resseguros do Brasil, IRB, usado para a captação ilegal de contribuição a partidos, pelo menos para o PTB.


A melhor trincheira de defesa de Luiz Inácio Lula da Silva é tratar de desaparelhar o Estado, reduzir a obesa equipe de ministros, cortar gastos e deixar o PT penitenciar-se, sem interferir no processo de autocrítica da legenda — algo que os companheiros petistas, pela origem ideológica, devem estar aptos a fazer.’


 


Artur Xexéo


‘Há malas que vêm para o bem’, copyright O Globo, 20/7/05


‘Esta coluna deveria estar comemorando. Já faz tempo, desde o começo dessa crise, que vem cobrando do presidente da República uma entrevista. Diante da suspeita de que o presidente sabia do esquema de corrupção, crime eleitoral e tráfico de influência armado para pagar dívidas de campanha, votos da base aliada do governo e até a construção da nova sede do PT, nada mais democrático, republicano, transparente que ele viesse a público contar a sua versão. No domingo, finalmente, isso aconteceu. O presidente apareceu no ‘Fantástico’ divagando, em Paris, sobre a crise em que seu governo se atola. Mas, sinto muito, não dá para comemorar. Essa não valeu, presidente. Vamos tentar outra vez.


Que entrevista foi aquela? Toda a imprensa brasileira estava em Paris na sexta-feira em que o presidente, seguindo um impulso que vem acometendo petistas de todas as categorias — Delúbio, o tesoureiro falou; Valério, o publicitário, que não é petista, mas é simpatizante (e bota simpatizante nisso), falou, Gushiken falou — resolveu falar também. Poderia ter convocado uma entrevista coletiva. Poderia ter oferecido uma exclusiva para qualquer veículo que estava lá. Mas o presidente escolheu a jovem Melissa Monteiro, repórter free-lancer que trabalha numa produtora de televisão francesa! Por quê? Fica difícil não acreditar que foi tudo uma armação, uma entrevista combinada, uma entrevista em que o entrevistador seria aconselhado previamente a não questionar o entrevistado quando a repórter, diante de um presidente da República que vive a maior crise que um governo já viveu nos últimos dez anos, pergunta candidamente: ‘Há males que vêm para bem?’ Fala sério, isso é pergunta que se faça a Lula neste momento?


A repórter mostrou-se tão despreparada que, numa mesma pergunta, tratou Lula por você, Vossa Excelência e senhor. A coisa toda era tão amadora que, a certa altura, viu-se a imagem da jovem Melissa operando a filmadora. Tudo indica que ela era, ao mesmo tempo, a repórter, a produtora, a operadora da câmera e o ‘caboman’. Vai ver que foi por isso que titubeava tanto no tratamento. A produtora chamava o presidente de você, a repórter de senhor, a operadora da câmera de Vossa Excelência e o caboman… Bem, o caboman ficou calado porque não havia mais formas de tratamento para utilizar.


Como esta imagem, a da jovem Melissa operando a filmadora, foi tomada tornou-se uma pergunta que não quer calar. Quem filmou Melissa filmando?


Apesar do ambiente favorável ao entrevistado, o presidente acabou escorregando. É natural. Essa crise tem muitas cascas de banana espalhadas por aí. E o presidente bobeou ao dizer que ‘o que o PT fez, do ponto de vista eleitoral, é o que é feito no Brasil sistematicamente’. A jovem Melissa deve ter se impressionado com a informação. Ela não perguntou nada que levasse Lula a dizer tamanha bobagem. Afinal, ele foi eleito exatamente para não fazer o que é feito no Brasil sistematicamente. Se fosse para isso, a população teria eleito o candidato do PSDB, que já estava no poder há oito anos, governando sistematicamente.


Como Delúbio, Valério e Gushiken, Lula vendeu o peixe de que o governo não tem nada a ver com o PT. A crise é no PT, não no governo. As denúncias de corrupção são contra o PT, não contra o governo. Lula nem sabe o que acontece no PT. Tudo bem, mas, se é assim, por que cargas d’água, ao primeiro sinal de que havia o mensalão, antes mesmo de o partido afastar o tesoureiro, antes de Genuino deixar a presidência do PT, o primeiro político a cair em desgraça foi o deputado José Dirceu, afastado da chefia da Casa Civil do governo? Se o governo não tem nada a ver com isso, por que Lula aceitou que seu homem de confiança deixasse o poder? Se o governo não tem nada a ver com isso, por que a primeira vítima da crise foi justamente um homem do governo?


Ah, o presidente continua devendo uma entrevista. Mas uma entrevista de verdade.


***


Não é porque a crise política domina todas as conversas que a gente vai deixar de lado os assuntos, digamos, mais fúteis. Tirando da disputa o que diz o homem da cueca, o publicitário bonzinho, o tesoureiro desastrado, o presidente distraído, a revelação da semana foi do publicitário Roberto Justus ao pessoal do ‘Pânico’: ‘Eu nunca fiz operação plástica!’ Opa, nunca? Então recomendo a Justus que procure urgentemente um clínico geral. Por que, se não é por causa de cirurgia, alguma doença deve estar fazendo com que ele não movimente o lábio superior quando fala.


***


A frase de Justus ganhou por muito pouco da de Fernanda Basto sobre a detenção de Eliana Tranchesi: ‘Ninguém faz à toa uma empresa como a Daslu. Teve muito trabalho e competência.’ É, Fernanda, muito trabalho, muita competência e — essa você se esqueceu — muita sonegação.’


 


Zuenir Ventura


‘O temido desfecho’, copyright O Globo, 20/7/05


‘Acada dia que passa, a cada depoimento ou revelação, a sensação é de que a crise política está caminhando para um desfecho que não se deseja — por se temer o que possa vir depois — mas que parece inevitável: a descoberta de que o envolvimento do presidente com os acontecimentos é maior do que se admite. Ninguém gostaria de ver Lula comprometido diretamente com os escândalos, nem mesmo a oposição, não por solidariedade, evidentemente, mas porque prefere mantê-lo no governo fraco e desmoralizado, até 2006.


O problema é que Lula não tem colaborado e continua cometendo erros uns atrás dos outros, mantendo uma relação esquizofrênica com a realidade. Ele se comporta como se o país estivesse dentro da normalidade. Quando se esperava que fosse reagir ao desastre com uma obra de saneamento, aterrando o lamaçal para começar de novo sobre outras bases, única maneira de atenuar os estragos sofridos, promove uma reforma ministerial em cuja eficácia só ele parece acreditar.


Quando resolve falar, foi o que se viu em Paris, onde até a escolha do veículo é discutível: por que, tendo toda a imprensa brasileira lá, preferiu uma freelancer da televisão francesa? Com tanta coisa para dizer, optou por justificar um crime eleitoral sob a alegação de que é cometido ‘sistematicamente’, como se a repetição conferisse legitimidade ao ilícito e esquecendo que 53 milhões de pessoas votaram nele justamente para mudar esse sistema corrupto. Cobrou que se diga à sociedade ‘onde o PT errou, por que o PT errou’, mas nada sobre os próprios erros. Será que não desconfia que, tanto quanto o PT, ele deve explicações ao país? Ou será que não dá por que não as têm?


‘Trabalhar com a verdade é muito melhor’, ele disse, e todo o trecho soou como uma gafe diante da barafunda geral de mitômanos e cleptômanos que cercam seu governo: ‘A desgraça da mentira é que você, ao contar a primeira, passa a vida inteira contando mentiras para justificar a primeira que você contou.’ Pois é.


O senador Pedro Simon, do PMDB do B, ou seja, do bem, que torce pelo melhor, disse anteontem no programa do Jô que Lula ainda poderia aproveitar a crise para passar tudo a limpo, através de um choque moral e de gestão, tentando uma volta por cima. ‘Lula tem a obrigação de fazer uma limpa, de demitir, por exemplo, o presidente do Banco Central, que está sendo processado por corrupção.’


Só que, ele completou meio desanimado, em lugar de governar com a sociedade, ‘Lula prefere se aliar a Sarney e a Renan Calheiros’. O primeiro seria hoje o principal conselheiro do rei.’


 


UNIVERSAL


Ancelmo Gois


‘Dinheiro de Deus’, copyright O Globo, 19/7/05


‘Veja como a Universal é boa patroa. Outro dia, na TV Record, num programa com o deputado-bispo João Batista, o da mala de R$ 10 milhões, o pessoal tentava explicar a origem do dinheiro.


Foi dito que a igreja tem 3.600 funcionários e folha de R$ 12 milhões. Dá uma média de R$ 3.333,33 por empregado.’


 


TODA MÍDIA


Nelson de Sá


‘Paranóia’, copyright Folha de S. Paulo, 19/7/05


‘A entrevista que caiu do céu continuou em exibição, ontem nos telejornais da Rede Globo.


No ‘Bom Dia Brasil’ e ao longo do dia, ‘o presidente diz que o PT fez o que é sempre feito pelos partidos no Brasil’.


Se alguém avaliou que a entrevista ajudaria a blindar Lula, deve estar arrependido. A repercussão foi na linha de que a desculpa não anistia.


E a simultaneidade com Marcos Valério e Delúbio Soares, sempre na Globo, acabou por aproximar ainda mais o presidente de ambos. Na escalada do ‘Jornal Nacional’:


– Depois da entrevista de Valério, depois da entrevista de Delúbio, depois da entrevista do presidente Lula, integrantes da CPI estranham as coincidências da nova versão.


O ‘JN’ pode empostar certa estranheza, mas outras Globos cuidavam ontem de defender a entrevista.


Do blog destacado na home page da Globo Online, logo abaixo do ‘link’ para o vídeo com a entrevista:


– Chega de paranóia: a mídia cumpre seu dever… A jornalista que entrevistou o presidente presta serviço para os principais canais da França e estava envolvida havia meses com um documentário sobre Lula.


Quando ela conseguiu afinal a entrevista:


– Vendo que tinha matéria quente nas mãos, decidiu vender a peso de ouro. Ligou para o impoluto Caco Barcellos oferecendo o material. Acabou vendendo a preço de mercado, bem alto, por sinal, para os padrões brasileiros.


Sobre a própria Globo, além de pagar alto:


– Quem é que, tendo acesso a uma entrevista como esta, do presidente em meio à crise, deixaria de publicá-la?


No exterior, a repercussão até ontem se restringia aos despachos de agências.


No título da Reuters, ‘Lula culpa chefes do PT por crise’. Da Dow Jones, ‘Presidente do Brasil diz que partido cometeu erros’. Da UPI, ‘Lula diz que PT deve explicar escândalo’.


Em texto anterior à entrevista de Lula, o ‘Financial Times’ publicou a reportagem ‘Admissão de financiamento ilegal atinge presidente’.


Ecoou a entrevista de Delúbio Soares à ‘televisão Globo’, ainda no sábado, e disse que, com ela, ‘o Partido dos Trabalhadores de Lula mergulhou mais fundo na crise’.


Entre outros, repercutiram o texto a própria Globo, Folha Online, BBC Brasil e vários outros sites e blogs.


Para a reportagem do ‘FT’, ‘a pressão da oposição e da mídia sobre Lula se intensificou’.


Mas ontem, na cobertura local de TV, rádio e internet, o alvo preferencial foi o partido. O pior -a piada pronta- veio na voz da apresentadora Fátima Bernardes, na Globo:


– O ex-assessor do PT flagrado com R$ 200 mil e US$ 100 mil contou a versão dele. Disse que não levava dinheiro na cueca e sim na cintura.


E que era tudo para abrir uma ‘locadora de automóveis’. E tem mais, na primeira manchete no ‘Jornal da Band’:


– O homem preso com US$ 100 mil na cueca agora quer o dinheiro de volta.


Mais contra o PT, na primeira manchete do ‘JN’:


– Um documento comprova triangulação. Valério contraiu empréstimo, contratos com os Correios foram usados como garantia e o PT recebeu dinheiro de Valério.


FRENESI


O site do ‘Financial Times’ adiantou ontem uma reportagem a ser publicada em sua edição de hoje, sob o título ‘Batalha de mídia para ganhar leitores mantém o ritmo no escândalo do Brasil’. Aborda a cobertura brasileira do caso:


– Por semanas, os três principais jornais, ‘O Estado de S.Paulo’, Folha de S.Paulo e ‘O Globo’, têm dedicado até 12 de suas 16 páginas do primeiro caderno para reportar detalhadamente o escândalo. ‘Veja’, a principal revista semanal, apareceu com uma sucessão de capas. Suas concorrentes ‘Época’, ‘IstoÉ’ e ‘Carta Capital’ se esforçam para se manter na história. Os telejornais quase só focam isso.


Segundo o ‘FT’, ‘críticos de mídia dizem que, ao não investigar apropriadamente as denúncias, os repórteres estão contribuindo para um frenesi e simplesmente amplificando as denúncias em vez de buscar examinar a sua seriedade’. Avalia o jornal britânico:


– Tendo escapado das garras da censura mais de 20 anos atrás, a mídia brasileira ainda precisa encontrar um caminho para noticiar acusações de corrupção sem assumir que todos os que são acusados são necessariamente culpados.


Por outro outro lado, segundo ‘um apresentador de telejornal’, ‘o PT simplesmente não sabe se relacionar com a mídia’. Daí as ‘relações’ ruins, segundo o ‘FT’, ‘embora muitos jornalistas sejam simpáticos ao PT’.’


 


***


‘Zunzunzum’, copyright Folha de S. Paulo, 20/7/05


‘As horas sem fim do depoimento de Silvio Pereira, ‘protegido por habeas corpus’, foram transmitidas pelos canais de notícias, rádios e sites, até que os blogs se descolaram e seguiram a tensão no ar.


Do Blog do Noblat, 16h31:


– Ninguém presta mais atenção ao depoimento… A sala que guarda o cofre da CPI é o que está atraindo. Tem parlamentar lá dentro… O zunzunzum dá conta da chegada de documentos que revelam identidade de políticos que teriam sacado das contas de Marcos Valério.


Quatro minutos depois, entra o Blog do Moreno, já com os primeiros nomes:


– Bomba: acaba de chegar à CPI a quebra do sigilo bancário de Valério. Os dados comprovam saques feitos em nome da mulher de João Paulo Cunha e da servidora do gabinete de Paulo Rocha.


Enquanto isso e ainda por várias horas, o resto da cobertura seguiu com ‘Silvinho’.


Até o ‘Jornal da Band’ abrir, às 19h30, com ‘as primeiras evidências do ‘mensalão’. Daí para o ‘Jornal Nacional’, na escalada de manchetes:


– Quebra de sigilo confirma nomes de quem sacou dinheiro no Banco Rural. A relação inclui a mulher de um deputado e assessores de outros três parlamentares do PT.


Mal terminou o ‘JN’ e os blogs já traziam mais:


– A lama se espalha. Passa de 30 o número de assessores e parentes de parlamentares que sacaram dinheiro do empresário Marcos Valério.


TRÊS EDITORIAIS


A câmera do ‘JN’ entra, de novo, na agência do Banco Rural


Ontem saíram editoriais sobre corrupção no Brasil no ‘Washington Post’ e no britânico ‘Guardian’. Dois dias antes, no francês ‘Le Monde’.


O tom nos três foi semelhante, com isenção para Lula e a visão de que é assim mesmo, na América Latina.


Do ‘WP’, sob o título ‘Dos golpes à corrupção’:


– De muitas formas, o presidente do Brasil é exceção luminosa no Brasil -e na América Latina. O poder na região é quase sempre monopólio das elites bem-nascidas; Mr. da Silva se ergueu de origens humildes.


Elogios também à combinação da estabilidade com as políticas sociais, em oposição ao vaivém de ‘populismo ruinoso’ e ‘austeridade punitiva’:


– Porém a administração de Mr. da Silva está agora atolada num escândalo.


Aí começaram as desculpas, longa e repetidamente:


– O apuro de Mr. da Silva é parte de um problema maior na América Latina… O escândalo atual no Brasil reflete fraqueza institucional e tradição de corrupção… Parece que o partido usou suborno como atalho [para ter apoio legislativo], embora o presidente se mantenha sem mácula. Se foi o que aconteceu, não seria a primeira vez… A maioria dos sistemas exibe facções que se mantêm unidas por dinheiro. Os fracos partidos da região exacerbam o problema -não há cola ideológica, então a cola financeira faz todo o serviço.


Na mesma linha, o editorial do ‘Guardian’, ‘Problema de todos’, compara a corrupção na África à dos ‘países mais ricos do mundo’, citando casos recentes de Brasil, Alemanha e EUA, e conclui:


– O que isso prova é que escândalos na vida pública são um fato feio até nas democracias mais estabelecidas.


Por fim, o ‘Le Monde’ levou ao paroxismo a boa vontade. Sob o título ‘Lula após a festa’, o editorial diz que ‘seu governo está congelado por escândalos’ que batem em seus colaboradores mais próximos mas ‘não o tocam diretamente’. E mais:


– A chegada do PT ao poder não acabou com a corrupção endêmica.


Após avaliar economia e política externa, conclui:


– Há três anos, Lula representou em seu país e no exterior a esperança de um novo caminho, entre a esquerda revolucionária e o liberalismo triunfante. Um segundo mandato não será demais para mostrar que o respeito às realidades não rimam necessariamente com o abandono das boas causas.


Véspera 1


Na manchete do UOL, ‘na véspera do depoimento’, o PT achou por bem não suspender Delúbio Soares. O mais que saiu, ‘na véspera’, foi a notificação de Delúbio sobre ‘o início dos trabalhos’ de comissão de ética, segundo a Folha Online.


A reação nos telejornais, canais de notícias e blogs foi toda na linha ‘coisa feia’.


Véspera 2


Depois de duas notas na Folha sobre as ameaças de Valério a ‘todos os partidos’, ele que vai amanhã à CPI, a Globo deu que ‘a oposição se manifestou contra o novo depoimento’.


E depois a mesma Globo e blogs tucanos noticiaram que deputados do PSDB pediram a prisão preventiva do publicitário mineiro.’